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quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Indenizações e aquisições de benfeitorias por necessidade de obras públicas em áreas informais do Rio de Janeiro: análise das metodologias de cálculo

por Antônio Augusto Veríssimo
Arquiteto Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional

Foto Fabio Costa
Uma das tarefas mais delicadas para quem lida com projeto e gestão de intervenção urbana em áreas informais é a de tomar decisões com relação à relocação de moradores e comerciantes em função da necessidade da desocupação de áreas para a execução de obras públicas. 
A prefeitura do Rio de Janeiro, desde o ano de 2001, vem editando decretos para disciplinar a atividade de avaliação de imóveis para a determinação dos valores pertinentes à indenização das edificações a serem demolidas ou à aquisição, no mercado, de unidades prontas para a sua substituição. 
O objetivo deste texto foi examinar as diretrizes e os métodos de cálculo estabelecidos por cada um dos decretos para verificar se conduziam a valores que efetivamente atendessem as expectativas e necessidades dos moradores atingidos. 
Ao final do trabalho concluímos que, em 2013, houve uma autêntica mudança de paradigma no método de cálculo. Pela primeira vez, a Administração municipal admitiu a incorporação do valor do solo ao cálculo das indenizações e aquisições de unidades.

Acesse o artigo pelo link 
https://drive.google.com/file/d/0B2g7hqWHFxtsbHprSTE3TWtMVUE/view?usp=sharing


2017-01-26


quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Apontamentos: Rezende e Furtado 2016 - o financiamento da Presidente Vargas

Estes apontamentos são parte de um processo de estudo compartilhado. À beira do urbanismo está à disposição dos autores cujo trabalho aqui se comenta para suas considerações.

REZENDE Vera* e FURTADO Fernanda**, “O financiamento da abertura da Avenida Presidente Vargas: estratégias institucionais e legais”. Revista do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro No. 10, 2016


Avenida Presidente Vargas 1942
Imagem Internet
À beira do urbanismo convida à leitura - no caso dos urbanistas ao estudo atento - do artigo das professoras Fernanda Furtado e Vera Rezende intitulado "O financiamento da abertura da Avenida Presidente Vargas: estratégias institucionais e legais", recém-publicado na Revista do Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro.

Trata-se de um ótimo trabalho de pesquisa documental e análise, sob o ângulo do financiamento público, de uma das intervenções mais importantes - por sua extensão, radicalidade, simbolismo e arquitetura - da história da cidade do Rio de Janeiro e de seu urbanismo.

Já no início da leitura nos damos conta que o modelo arquitetônico rua-corredor com grandes planos de fachada e passeios em galeria não é o único elo de ligação entre os planos Agache, de 1930, e Dodsworth, de 1940: ambos adotam o princípio da cobertura dos custos dos projetos urbanos com a captura da valorização do solo reurbanizado. Nas palavras de Agache:

Quase sempre após os trabalhos de urbanismo, o valor da parte conservada pelo proprietário aumenta de tal maneira que é de toda justiça obrigá-lo a ceder, à cidade, a metade da valorização obtida (AGACHE, 1930, p. IX).

Partindo daí, o texto oferece ao leitor uma ampla gama de antecedentes administrativos e legais dessa prática nos âmbitos municipal e federal.

Em seguida, tendo por fio condutor considerações do próprio ex-prefeito-interventor Henrique Dodsworth datadas de 1955, Rezende e Furtado descrevem e analisam o instrumento adotado para o financiamento do projeto, destacando três momentos cruciais de sua trajetória: 

(1) criação das Obrigações Urbanísticas, em 1940, como instrumento de antecipação das receitas esperadas da valorização dos terrenos servidos pelas melhorias; 

(2) sua centralização, por Decreto de 1941, em mãos do Banco do Brasil como garantia de empréstimos destinados à execução do projeto (uma intrigante analogia com a recente monopolização dos CEPACs do Porto Maravilha pela Caixa Econômica Federal!); 

(3) o impacto da nova Lei de Desapropriações de 1941 sobre a viabilidade da programação financeira original, baseada em legislação de 1903.

Além de preencher, com sobras, uma séria lacuna historiográfica no urbanismo carioca e brasileiro, o artigo das professoras Furtado e Rezende projeta um longo feixe de luz sobre a questão pouco pesquisada, e menos ainda discutida, do balanço econômico-financeiro dos Grandes Projetos Urbanos teoricamente financiáveis, no todo ou em parte, com a valorização do solo que têm por corolário.
__

Vera F. Rezende é Arquiteta, Doutora em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) 

** Fernanda Furtado é Arquiteta, Doutora em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF)


Acesse postagens sobre o tema neste blog pelos links

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Vêm aí os Distritos Urbanos Privados?


O retiro espiritual do blogueiro vem de ser bruscamente perturbado pelo conhecimento da matéria da urbanista Raquel Rolnik sobre o artigo 49 do projeto de conversão da MP 619/2013, portador de uma solerte alteração do artigo 4º do Decreto-Lei 3365, de 1941, que trata de desapropriações por utilidade pública. Na matéria de Rolnik, de 08 de outubro de 2013, intitulada “Contrabando no Congresso Nacional”, pode-se ler a seguinte passagem:
“Hoje a lei que rege as desapropriações permite ao concessionário privado de um serviço público desapropriar com o objetivo de implementar o serviço: por exemplo, a concessionária contratada para a construção de novas linhas de metrô, ou de novas redes de energia elétrica, pode realizar as desapropriações necessárias para implementar as obras.

Hoje a lei permite também que o poder público – e apenas ele – desaproprie uma área maior do que a estritamente necessária para a realização da obra, possibilitando uma posterior revenda dessa área lindeira valorizada para assim custear o próprio investimento público.

O artigo contrabandeado na MP transfere esta prerrogativa para o privado, que poderá realizar desapropriações como se fosse o poder público e posteriormente desenvolver projetos imobiliários privados sobre as áreas desapropriadas.”

Leia o leitor a íntegra da matéria em


e tire suas próprias conclusões.

Quanto a mim, a pulga que já é posseira de uma vaga de estacionamento atrás da minha orelha, e se agita sempre que escuta a expressão “concessionária de serviços públicos”, cantou-me o título desta postagem.




PS: Sabrina Duran nos informa, em 25/10/2013, na página Arquitetura da Gentrificação,

http://reporterbrasil.org.br/gentrificacao/blog/dilma-sanciona-lei-que-garante-ao-setor-privado-o-poder-de-desapropriar-e-lucrar-em-obras-de-urbanizacao/ 


que “a presidente Dilma Rousseff sancionou ontem, 24/10, a lei 12873, que trata 'de obras e serviços de engenharia relacionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de armazéns destinados às atividades de guarda e conservação de produtos agropecuários'".

Sabrina esclarece, também, que, “em São Paulo, Gilberto Kassab abriu o precedente para esse tipo de operação com o Projeto Nova Luz. O projeto utilizava o controverso instrumento chamado “concessão urbanística”, no qual o poder público concede ao privado o poder de desapropriar e lucrar sobre a área desapropriada. O Nova Luz foi 'engavetado' pelo prefeito Fernando Haddad, mas reapareceu ampliado – e agora turbinado – com a PPP de Habitação do Centro, um projeto de R$ 4,6 bilhões para a construção de 20 mil moradias na região central da cidade e que já teve decreto de desapropriação publicado pelo governador Geraldo Alckmin com o endereço de mais de 900 imóveis que serão desapropriados. Em mapeamento feito por moradores, a maioria dos imóveis são residências, comércios e indústrias ocupados e consolidados há décadas, ao contrário do que dizem os gestores da PPP, de que seriam imóveis vazios ou sub-utilizados.”

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Incontornável indiferença?

Deu n’O Fluminense
18/05/2012, por Ciro Cavalcante
http://jornal.ofluminense.com.br/editorias/cidades/desapropriacao-da-contorno-deixa-moradores-inseguros
Desapropriação da Contorno deixa moradores inseguros
Conforme anunciado pela Autopista Fluminense, concessionária responsável pela duplicação da Avenida do Contorno, 103 famílias de um trecho da Avenida do Contorno, no Barreto, podem sofrer desapropriação para realização das obras de duplicação da via. 
(...) “Há cerca de dois meses apareceram pessoas que se apresentaram e informaram que talvez seja necessário que abandonemos nossas residências para dar espaço para as obras. (..) 
Há quanto tempo os responsáveis pela duplicação da Avenida do Contorno – cujo atraso tem pelo menos 1/4 de século – já não sabiam que seria necessária a realocação de mais de 100 famílias afetadas pelas obras?

Será possível que até hoje as autoridades fluminenses ainda não entenderam que a mera “desapropriação” de moradores informais, ou de poucos recursos, é um injustificável ato de violência e que a sua realocação em novas residências, o mais próximo possível do local onde moram, tem de fazer  parte do planejamento, projeto e execução de qualquer obra viária?

Faz sentido gastarmos centenas de milhões com ações de urbanização de favelas  e subsídios do Minha Casa Minha Vida e ao mesmo tempo condenar, nas mesmíssimas cidades, moradores afetados por uma obra viária à política do "tomem o dinheiro e se virem” - num mercado imobiliário poderosamente inflacionado? 

De que serve, neste caso, a experiência acumulada em 50 anos de projetos de reurbanização de favelas e loteamentos populares no Brasil? Até na Linha Amarela, Rio de Janeiro, via expressa que está longe de poder ser chamada de "projeto urbanizador", construíram-se novas moradias para os desalojados das obras - por iniciativa da Secretaria Municipal de Habitação! 

Como podem as autoridades fluminenses, numa época em que o governo da cidade do Rio de Janeiro se propõe a gastar milhões na demolição de infraestruturas viárias anti-urbanas construídas na onda desenvolvimentista dos anos 1950-70,  não terem ainda percebido que toda obra viária em meio urbano tem de ser concebida como uma ação urbanizadora?

Será a onda desenvolvimentista dos anos 2005-2015 tão cega, surda e muda em relação ao ambiente urbano e seus usuários quanto a sua antecessora? 

Olhem a foto aérea, leitores,  e digam se lhes parece particularmente difícil combinar-se a duplicação da Av. do Contorno com uma ação de reurbanização e reassentamento das famílias desalojadas no mesmíssimo bairro onde residem, com recursos do PAC e do programa Minha Casa Minha Vida! 

De que se trata? Mera incapacidade de aprender ou incontornável indiferença burocrática?

2012-06-04

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

R$ 17 milhões por um cinema tombado? (2)


Partindo da premissa de que o valor de uma propriedade é função de sua capacidade de gerar renda, geralmente em forma de aluguel, capitalizada num horizonte de projeto e trazida a valor presente, qual dos usos abaixo daria ao Cinema Icaraí, na sua opinião, um valor de mercado de  R$17 milhões? 
Clique na imagem para ampliar
Não sou avaliador, mas fiz uma estimativa baseada no método residual dedutivo de cálculo do valor de mercado de um terreno (uso residencial multifamiliar), com parâmetros típicos da Praia de Icaraí, e - sabem o que deu?
Clique na imagem para ampliar

Coincidência? Forcei a barra? Má vontade com o governo? Estou por fora? Cartas para a redação, por favor.

2011-12-14

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Dezessete milhões por um cinema tombado?

Na primeira página d’O Fluminense de hoje, 07-12, o prefeito de Niterói aparece rindo de orelha a orelha (o reitor da UFF nem tanto) por conta do fechamento de um acordo pelo qual  o antigo Cinema Icaraí, um imóvel privado tombado, é “transferido” à UFF por “cerca de" 17 milhões de reais. Segundo o jornal, 10,6 milhões serão pagos pela UFF com recursos disponibilizados pelo MEC, e “aproximadamente” 6,5 milhões - que, diz o jornal , exultante, “segundo o prefeito já estariam disponíveis no orçamento municipal”, pela prefeitura.

Você estranhou, leitor, os “aproximadamente” e “cerca de”? Eu também. Em frente, porém.

Esclarece O Flu que “os [cerca de] 17 milhões serão pagos ao proprietário do imóvel, a construtora Koppex, de Fernando Policarpo”, que não aparece na foto. Que estaria fazendo na ocasião? Chorando? Gargalhando? Esfregando as mãos?

Eu mesmo saudei a notícia da adoção do cinema pela UFF, ontem, num breve comentário no Facebook, em que dizia, um tanto eufórico: “UFF para prefeito de Niterói!”, mas dizia também que uma pulga se pusera atrás da minha orelha sussurrando: “Perguhhhhnta quanto custohhhu, quem está pagahhhndo e quem está recebehhhndo”.

Porque ria o prefeito? Porque ama a ciência e a cultura? Por que ama Niterói? Ou porque 17 milhões de reais públicos saíram voando por aí- o equivalente, quem sabe, à renda da terra que seria gerada por um edifício residencial de 17 pavimentos... no terreno do Cinema Icaraí?

Atenção, leitores. O que importa para os “investidores” imobiliários e seus intermediários não são os espigões, nem o retorno “normal” de capital, mas o lucro extraordinário que eles geram em forma de renda da terra!

Há um detalhe, porém. Se a edificação estava tombada, na melhor das hipóteses o seu aproveitamento econômico só poderia se dar em usos como... cinema, teatro, casa de espetáculos etc, e mesmo assim, mediante vultosos  gastos em reformas e instalações COMPATÍVEIS COM O TOMBAMENTO, que teriam de ser abatidos, junto com depreciação, despesas correntes e retorno de capital, das receitas estimadas no horizonte de projeto, para calcular o excedente de renda disponível para a aquisição do imóvel. Este seria, grosso modo, o seu "valor de mercado".

O acordo firmado significa que, feitas todas as contas, chegou-se à conclusão de que qualquer investidor que decidisse montar, no antigo Cinema Icaraí, um negócio COMPATÍVEL COM O TOMBAMENTO DA EDIFICAÇÃO, auferiria, além do retorno “normal” de capital, um lucro extraordinário em forma de renda da terra equivalente ao de um edifício residencial de 17 pavimentos!!!

Pergunta-se: se espetáculos são tão bom negócio em Niterói, porque então o Cinema Icaraí já não virou, há décadas, uma... Estação de Cinema? Um Moulin Rouge Icaraí? Teria sido perfeito: bem ao lado do Petit Paris! (Quem se lembra?)

Como não sou especialista em avaliações, sou obrigado a dizer: o Cinema Icaraí NÃO PARECE valer 17 milhões ! A viúva PODE TER SIDO assaltada!

Ou será que ela decidiu, generosa que é, compensar o proprietário do cinema pelo abuso “desses insensíveis que vivem prejudicando os proprietários para proteger o patrimônio cultural?”

Com a palavra, os leitores. De minha parte, eu gostaria de ver entrar em cena o Ministério Público e seus avaliadores profissionais e recomendaria, como Deep Throat a Bob Woodward em Todos os Homens do Presidente: “Follow the money”.

2011-12-07

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Desapropriações por utilidade pública podem e devem financiar-se com a valorização do solo lindeiro

Agradeço ao Prof. Eduardo Reese a gentileza de ter-me enviado extenso material sobre a história e o conteúdo urbanístico da Avenida de Mayo, Buenos Aires.
A arquiteta Elizabeth Castanheira postou, em 16-10, o seguinte comentário ao texto “Transmilênios e recuperação...”
"Na prática urbanística todos os caminhos deveriam levar à gestão pública da valorização da terra, mas geralmente, e infelizmente, não levam. Como exemplos de desperdício do não uso desses instrumentos podemos citar a Linha Amarela e o Metrô. A questão do entorno na implantação desses equipamentos de transporte nunca é tratada da forma que deveria. Para reduzir o custo da desapropriação, reduz-se a área de atuação do projeto, resultando em pequenas parcelas de solo de utilização restrita. Se fosse desenvolvido um projeto urbano utilizando a TPC, as questões do custo da desapropriação e da qualidade urbanística no entorno poderiam ser resolvidas."
Do alto de sua experiência com os problemas de regularização urbanística da Linha Amarela, via expressa pedagiada que corta o Rio de Janeiro em sentido nordeste-sudoeste (certas obras públicas também demandam regularização urbanística), bem como de sua vivência profissional e cidadã com os remanescentes do Metrô, Elizabeth toca num ponto nevrálgico da prática de grandes projetos de infraestrutura de transporte urbano no Brasil, que poderíamos chamar de “plano de desapropriação e gestão do solo lindeiro”.

Como, em geral, projetos de infraestrutura de transporte urbano não são considerados projetos urbanísticos e, além disso, são executados “a toque de caixa” para atender à agenda política, as desapropriações são entregues aos setores especializados das municipalidades, para que satisfaçam os requerimentos mínimos do projeto de engenharia.

Este procedimento nasce da falta de percepção dos governantes e gestores para o potencial do desenvolvimento do solo direta e indiretamente afetado para o financiamento do projeto a curto, médio e longo prazos e resulta invariavelmente em desastres urbanísticos de difícil solução.

Podemos nos perguntar, por exemplo, quanto já teria custado ao Metrô do Rio de Janeiro, só em perda de receita direta (venda de bilhetes), o relativo vazio urbano que há 30 anos cerca as estações de Estácio e Praça Onze – por gestão ineficiente do solo lindeiro, boa parte dele lotes estatais e remanescentes de desapropriações. Ou quanto já teria custado à cidade o fato de a Linha Amarela estar no melhor do casos “embarreirando” o tecido urbano pré-existente e, no pior, espremida entre áreas de ocupação irregular. Isto para não falar do potencial de receitas indiretas que poderiam ter esses projetos com uma gestão urbanística eficaz do solo adjacente valorizado pela própria obra – projetos habitacionais sociais e de mercado, centros comerciais, postos de abastecimento etc.



A busca de precedentes latino-americanos para esse debate nos faz retroceder impressionantes 125 anos. Na Buenos Aires da década de 1880, o então intendente Torcuato de Alvear, homem “insuspeito” no que toca a suas orientações político-ideológicas, travou um intenso duelo jurídico-político com famílias da alta sociedade e representantes locais em defesa de seu projeto de financiar a abertura da Avenida de Mayo – componente vital do eixo cívico que hoje liga a Casa Rosada ao Congresso Nacional – com a venda dos lotes adjacentes, resultantes de um generoso plano original de desapropriações [1].

No Rio de Janeiro, a Avenida Presidente Vargas, eixo monumental de acesso ao centro financeiro inspirado no modelo de edificações sobre a calçada (galerias) trazido ao Brasil por Alfred Agache na segunda década do século XX, foi aberta na década de 1940 pelo então prefeito Henrique Dodsworth como projeto urbanístico sustentado por um Projeto de Lei que previa seu integral financiamento com a venda dos novos lotes comerciais formados de frente para a Avenida.

É verdade que ambos os projetos podem ser até duramente questionados quanto ao seu impacto social e aos resultados alcançados pelo pretendido auto-financiamento. 


No caso da Avenida de Mayo, a Corte Suprema acabou decidindo a favor dos proprietários, resultando
“um sistema perverso pelo qual os proprietários 'afetados' eram indenizados pelo Estado pela faixa de terreno que cediam para uma via pública que valorizava enormemente as suas propriedades (...) e muitas vezes o Estado devia pagar essa faixa de terreno ao preço que esta adquiriria depois que ele realizasse a abertura da rua. (...) o que haveria de repetir-se no futuro em cada tentativa de avenida diagonal ou alargamento, em um verdadeiro 'negócio da desapropriação' de que costumavam beneficiar-se proprietários, advogados e funcionários diligentes que propunham a medida conscientes do curso posterior das ações” [2]
Já a Avenida Presidente Vargas ficaria durante muitos anos privada dos grandes edifícios previstos no projeto, que só surgiram na altura do cruzamento com a Avenida Rio Branco, segundo Abreu [3] por três motivos principais: a coincidência de sua conclusão com o início do boom imobiliário que atraiu a maioria dos capitais imobiliários para a Zona Sul, a conseqüente transferência de boa parte dos serviços, comércio de luxo e lazer para Copacabana e, finalmente, o reforço da centralidade da própria Avenida Rio Branco, que concentrou o processo de renovação edilícia no centro financeiro da cidade.

Não se conhecem registros do resultado financeiro da utilização, no projeto, das Obrigações Urbanísticas da Cidade do Rio de Janeiro,

“cujo valor nominal era igual ao valor venal pré-fixado para o lote urbanizado ao qual estavam vinculadas. Foi pela primeira vez empregado esse tipo de letra hipotecária, que, uma vez emitida pela prefeitura, pode esta caucionar no Banco do Brasil e levantar o empréstimo na totalidade do empreendimento (evitando), desse modo, a majoração dos impostos ou recorrência à taxa de melhoria... Os lotes seriam (posteriormente) vendidos em hasta pública pelo Banco do Brasil que, assim, se pagaria do valor nominal, creditando-se à prefeitura o saldo porventura alcançado no leilão”. [4](Itálicos do blogueiro).
Naquela época, como ainda hoje, os grandes projetos urbanos não eram comandados por organizações integralmente responsáveis por sua gestão e balanço final, inclusive sob o ponto de vista contábil, restando, para quem pretenda avaliá-los, a penosa alternativa de vasculhar pacientemente os meandros da contabilidade pública geral.

Mas por que não considerar, por outro lado, que os recursos hoje disponíveis – mais que todos um imenso potencial de controle social, como demonstrado nos casos do Museu Guggenheim e da Marina “Panamericana” da Glória, no Rio de Janeiro, auxiliado por algum sistema eficaz de controle técnico e contábil de projetos públicos – nos permitiriam aplicar a mesma metodologia visando reduzir o gasto público e aumentar a eficiência social dos projetos de vias públicas e sistemas de transporte?

Muito já se disse que o procedimento de desapropriar terra urbana para revendê-la depois de valorizada pelo projeto é vedado pela lei por caracterizar “especulação pública”. Essa opinião, no entanto, está longe de ser unânime entre os juristas. Vejamos o que diz, por exemplo, Maria Sylvia Di Pietro:

“Desapropriação por zona (...) O ato expropriatório deve especificar qual área se destina à continuidade da obra e qual se destina à revenda em decorrência de sua valorização. Nesta última hipótese, o bem não é expropriado para integrar o patrimônio público, mas para ser revendido, com lucro depois de concluída a obra que valorizou o imóvel” (...) O efeito, para o poder público, é o mesmo da Contribuição de Melhoria; (....) Como observa Antônio de Pádua Ferraz Nogueira (1981:39), depois de apontar as divergências, o fato é que essa modalidade tem sido admitida na totalidade dos tribunais brasileiros, inclusive no STF que, em acórdão relatado pelo ministro Eliomar Baleeiro (RJT 46/550), concluiu que “é lícito ao poder expropriante – não expropriar para satisfazer os interesses de particulares – mas ao interesse público, sem limitações, inclusive para auferir, da revenda de terrenos, um proveito que comporte e financie a execução da obra pretendida”.[5]
Em suma, “planos de desapropriação e gestão do solo adjacente” a projetos viários e de infraestrutura de transporte público urbano são possíveis e necessários, pois visam dois objetivos públicos inseparáveis: a adequada estruturação urbanística da área de influência imediata do projeto e a “internalização” da valorização fundiária resultante no esquema de financiamento da obra.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Gorelik, Adrián, La Grilla y el Parque – Espacio público y cultura urbana en buenos Aires, 1887-1936, Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmas Editorial, 2004, p. 118; Slang, Ricardo M., La Avenida de Mayo, (Colección Cúpula) Buenos Aires, 1955, pp. 26-28.


[2] Gorelik, Adrián, La Grilla y el Parque – Espacio público y cultura urbana en buenos Aires, 1887-1936, Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmas Editorial, 2004, p. 119.

 
[3] Abreu, Maurício, Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IplanRio 1997, p. 114.


[4] Reis, José de Oliveira, O Rio de Janeiro e Seus Prefeitos: Evolução Urbanística da Cidade, pp.111-112, citado em Abreu, Maurício, Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, IplanRio 1997, p. 114.[5] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 2001, p. 169




2007-11-22