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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Porto Maravilha: Sem plano nem projeto - como não fazer uma Operação Urbana


O Globo 16-12-2024
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/12/16/novo-porto-do-rio-comeca-a-ter-moradores-mas-ainda-espera-por-comercio-e-servicos-como-e-viver-num-bairro-que-nasce.ghtml

Região já tem 14 empreendimentos residenciais, que somam 22 prédios e quase dez mil apartamentos; pelo menos mais quatro serão lançados em 2025
(..) Um dos primeiros a passar a morar com a esposa Bárbara no [condomínio residencial] Praia Formosa, há três meses, Grijó tem pressa.

— A gente está aguardando chegar shopping, banco, um grande supermercado, mais farmácias, lanchonetes e restaurantes melhores, uma padaria adequada, mais escolas e um novo posto de saúde, porque o que tem não vai dar conta — enumera o ex-gari e hoje operador de máquinas da Comlurb, que já varreu a Rua Geógrafo Milton Santos, onde vive hoje. (..)

(..) na sua rotina diária os recém-chegados contam, na Rua Santo Cristo, apenas com estabelecimentos modestos para atender quem vive nos velhos casarões do lugar: um supermercado, uma farmácia, bares e restaurantes pequenos, papelaria e oficina, entre outros. Encontram pelo menos uma igreja evangélica. Na praça que corta a via, há uma paróquia católica. E, no número 242, funciona há cerca de três anos a filial do Centro Educacional Santo Cristo, de Madureira, com 150 crianças, do berçário ao terceiro ano do ensino fundamental (..)

Para os meninos maiores, a única opção na redondeza é uma unidade pública municipal. O Ginásio Educacional Tecnológico Benjamin Constant atende 413 alunos do ensino fundamental I e II e de turmas de correção de fluxo. (..)

A educação dos gêmeos João Pedro e Maria Luz, de 9 meses, é uma preocupação, mas está longe de ser a única do casal Pedro Henrique Brandão e Kelly Cozini, que se mudou em setembro do Estácio para o Praia Formosa:

— Deveria ter um sinal de pedestres em frente ao condomínio, onde passam ônibus — reivindica a contadora Isabel. 

Pedro, que é empregado da Transpetro, acrescenta:

— Aqui está parecendo com a Cidade Nova, onde morei na adolescência. Não temos para onde ir, principalmente à noite e com criança pequena. Não tem uma pizzaria, um shopping. Mas estou na expectativa da chegada do Flamengo. (..)


Leia neste blog: No Porto Maravilha, a moradia é à bangu
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/07/no-porto-maravilha-moradia-e-bangu.html

2024-12-18

terça-feira, 13 de julho de 2021

No Porto Maravilha, a moradia é à bangu

Deu n'O Dia online
07-07-2021, por Redação
Porto Maravilha ganha segundo empreendimento residencial

A "planta de gabaritos" é o que de mais
assemelhado tem a OUC Porto Maravilha
com um plano de urbanismo.
Os pequenos círculos vermelhos indicam
a localização dos novos empreendimentos
residenciais. O círculo azul indica a
 Estação Rodoviária Novo Rio. 

Editado em 16-12-2024
 
Não é de hoje que critico a OUC Porto Maravilha por não ter planejado seriamente a formação de novos bairros residenciais na região portuária do Rio de Janeiro, com subsídios e regramentos especiais que incentivassem a mescla de usos e de famílias de distintas faixas de rendimento - além, é claro, da expansão do próprio centro de negócios em escala compatível com o fato de que a sua principal força motora, a Petrobrás, já fizera uma clara opção pelo corredor Castelo - Cidade Nova.   

Para tanto seriam necessários não apenas uma estratégia condizente com o tamanho da área e as incertezas da economia - a onda de choque da debacle global de 2008 não era, como se viu, uma simples marolinha -, mas também um plano urbanístico digno desse nome e, o que é decisivo, uma gerência de projeto com reconhecido saber e larga experiência em desenvolvimento urbano, capaz de lidar com as imensas dificuldades que aqueles objetivos supõem.

Em nenhum caso seria admissível a alienação da totalidade dos direitos de edificabilidade, principal ativo da Operação, a uma entidade financeira, no caso o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM) administrado pela Caixa Econômica Federal, para revenda a incorporadoras. Houve aqui um duplo prejuízo para a municipalidade. O primeiro, de ordem financeira, inclui o deságio no preço do CEPAC resultante da ‘venda para revenda’ [1] e a perda da valorização do solo resultante da conclusão de um setor, ou etapa, da Operação no financiamento da seguinte - o beabá das Grandes Operações Urbanas. O segundo, tão grave quanto ou ainda mais, a renúncia voluntária ao principal instrumento de comando e controle da Operação.

Não bastasse, inexiste perspectiva de o Metrô ter uma estação sequer no Porto Maravilha e o sistema de VLT não é dele uma extensão: tem a sua própria tarifa e não é simbólica. Para deslocar-se do Instituto Nacional do Câncer, no Santo Cristo, ao bairro do Catete, a menos de 5 km de distância, um trabalhador tem de pagar R$ 3,80 no VLT + R$ 5,80 no Metrô. São R$ 500,00 mensais com uma semana de 6 dias, o equivalente a 45% do Salário Mínimo. 

Não vejo, portanto, com nenhum otimismo as recentes matérias da imprensa popular - o que não deixa de ser significativo - sobre os emprendimentos habitacionais que uma construtora está lançando na OUC, o primeiro deles com unidades compactas de 1 e 2 quartos com 32-51 m2 privativos e preços de R$ 191 mil a R$ 342 mil (até R$ 240 mil com juros subsidiados pelo Minha Casa Verde e Amarela). [2]  

Na sua última gestão, o prefeito Paes divisava, no Porto Maravilha, um portentoso (500 hectares!) centro de negócios e turismo de padrão global, com a pseudo-moradia gentrificada e altamente rotativa que lhe corresponde. Agora, sem que tenha vindo a público qualquer balanço das notórias dificuldades financeiras, gerenciais e urbanísticas da OUC, que renderam, aliás, não pouca lavação de roupa suja no jornalismo de negócios, o mesmo Paes aparece como animador da venda em massa de CEPACs para habitação de faixa de rendimento C-D nas imediações da Estação Rodoviária Novo Rio.

Parece confirmar-se o vaticínio por mim proferido neste blog em agosto de 2018, quando o nefando ex-prefeito Crivella trompeteou a construção, na área do Porto, de 5 mil unidades do recém-expurgado programa Minha Casa Minha Vida:

Salvo uma mudança radical, o mais provável é que os subsidiados, que estão sendo chamados de urgência para salvar a PPP, venham a ocupar algum lugar do Porto que não atrapalhe a Maravilha. [3]

É a vantagem de se ter uma OUC sem projeto nem comando urbanístico. No fim das contas, o plano urbanístico do Porto Maravilha se resume a uma "planta de gabaritos" para um campo de pelada onde os prefeitos de plantão possam praticar o seu esporte favorito - bajular os incorporadores e iludir os desavisados:  

"Sempre focamos para que se tenham lançamentos residenciais aqui nessa região, queremos gente morando no Centro do Rio de Janeiro. Esse é um projeto que sempre dissemos que era viável e possível. Nós vamos priorizar essa região da cidade. Quem topar investir, fazer lançamento e comprar imóvel no Centro da cidade vai ter uma região valorizada pela prefeitura", afirmou o prefeito [Eduardo Paes]. [4


_____
NOTAS

[1] A propósito vale lembrar a tese do então diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro - CDURP, num artigo de julho de 2015 intitulado "De onde vem o dinheiro do Porto Maravilha?", de que a revenda pelo FIIPM ao setor imobiliário em 2012, por R$ 1.150,00, de CEPACs arrematados à prefeitura do Rio no leilão de 2011 por R$ 545,00 foi uma "clara demonstração de seu potencial de valorização" e não do fato de terem sido leiloados em lote único pela metade de seu valor de mercado. Acesse o artigo “De onde vem o dinheiro do porto maravilha?”, Porto Maravilha 28-07-2015, por Alberto Silva, diretor-presidente da Cdurp, pelo link
http://portomaravilha.com.br/noticiasdetalhe/3663-de-onde-vem-o-dinheiro-do-porto-maravilha?
 
[2] “Rio Wonder Residences Porto Maravilha”
https://lancamentos-rj.com/lancamento/wonder-rio-centro-rj/

[3] "De volta ao Porto Maravilha". À beira do urbanismo 03-09-2018

[4] "Porto Maravilha ganha segundo empreendimento residencial". O Dia online 07-07-2021

Leia também
“Estande do primeiro empreendimento residencial do Porto Maravilha é inaugurado nesta sexta-feira”. Extra online 04-06-2021, por Pedro Madeira
https://extra.globo.com/noticias/rio/estande-do-primeiro-empreendimento-residencial-do-porto-maravilha-inaugurado-nesta-sexta-feira-25047661.html

2021-07-13

terça-feira, 12 de maio de 2020

Titanic Maravilha

Portos e Navios 11-05-2020
https://www.portosenavios.com.br/noticias/portos-e-logistica/maior-ppp-do-pais-fica-perto-de-um-colapso

Maior PPP do país perto do colapso
A concessão do Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) já firmada no Brasil e aposta bilionária para revitalizar a zona portuária do Rio de Janeiro, está ruindo.
Para financiar o projeto de recuperação urbana, a prefeitura emitiu 6,43 milhões de títulos de potencial construtivo (..) adquiridos por um fundo de investimento constituído e administrado pela Caixa, que fez desembolsos de R$ 5 bilhões em recursos do FGTS para remunerar a concessionária. (..)

Sem demanda, como consequência do tombo no mercado imobiliário do Rio, não há liquidez para pagar a concessionária - uma sociedade entre Carioca Engenharia, Odebrecht e OAS. Na sexta-feira, a concessionária Porto Novo informou que deixará de operar os túneis Marcello Alencar e Rio 450 no dia 5 de junho, se não houver solução para sua falta de pagamento. (..) 

2020-05-12 


Leia também neste blog

“De volta ao Porto Maravilha”, 30-07-2018

“De volta ao Porto Maravilha (2)”, 03-09-2018 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

De volta ao Porto Maravilha (2)

Presença constante nos cadernos e jornais de negócios, mais recentemente até nos editoriais de O Globo, o Porto Maravilha acaba de fazer uma rara aparição num periódico popular.  

O mapa de potencial construtivo adicional 
por Subsetores é o que há de mais 
parecido com um plano urbanístico 
em todo o saite do Porto Maravilha 

Clique na imagem para ampliar
Refiro-me à matéria “Após retomada de parceria para manutenção do Porto, moradores contam como é morar na região”[1], publicada pelo Extra online no mesmíssimo dia (24-08) da assinatura de um acordo entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Caixa Econômica Federal para a “retomada da parceria público-privada (..) suspensa desde junho” por falta de recursos no caixa do FIIPM - Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha.

A reportagem, com timing de press release e convenientemente focada em entrevistas com moradores dos bairros populares da Portuária, revela o evidente interesse dos editores em promover as virtudes da região para potenciais adquirentes de moradias subsidiadas. Não por acaso: no ato da assinatura do acordo de “retomada da parceria”, foi anunciada pelo prefeito Crivella a construção de 5 mil unidades do Minha Casa Minha Vida.

Aleluia! A moradia subsidiada deveria ter sido, desde o começo, o prato principal da reurbanização da Portuária. Aliás, com um mínimo de visão estratégica e senso de oportunidade, a própria bolha especulativa do ciclo olímpico, que empurrou a curva de preços dos imóveis da Zona Sul na direção do Centro [2], teria tornado viável a construção de residências de mercado na região - desde que existisse, para elas, um projeto de urbanização credível.[3]

Representação esquemática do efeito da demanda extraordinária
por imóveis na Orla Oceânica durante o ciclo olímpico sobre 

os preços dos bairros do corredor Centro-Sul do Rio de Janeiro

Falou mais alto, no entanto, a arrogância dos fazedores de milagres imobiliários, como o ex-prefeito Eduardo Paes, que “não determinou um percentual de títulos reservados à habitação para não desvalorizar os CEPACs”[4] - concebidos e lançados para o mercado de torres comerciais, na teoria um m2 substancialmente mais valioso.

De todo modo, não há que ter ilusões. Com Paes ou sem Paes, o Porto Maravilha não tem até hoje um plano urbanístico propriamente dito e seu comando ainda é essencialmente o mesmo que presidiu à transferência do controle do maior projeto urbano da cidade do Rio de Janeiro à burocracia da Caixa Econômica Federal.

Segundo a imprensa, a própria Caixa defende a reestruturação do projeto, a ser “negociada no próximo governo”[5]. Sendo assim, ninguém sabe hoje que papel terá, afinal, a moradia no empreendimento, se os gestores pretendem projetar um setor residencial digno desse nome ou mesmo em que parte da Portuária serão construídas as 5 mil unidades do MCMV.

Salvo uma mudança radical, o mais provável é que os subsidiados, que estão sendo chamados de urgência para salvar a PPP, venham a ocupar algum lugar do Porto que não atrapalhe a Maravilha.

___
[1] “Caixa Econômica tenta solução financeira para salvar Porto Maravilha”. O Estado de S Paulo 22-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinicius Neder
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,caixa-economica-tenta-solucao-financeira-para-salvar-porto-maravilha,70002467473

[2] “Rio: maior alta de preços residenciais nos últimos 6 anos foi... no Centro da cidade!” À beira do urbanismo 18-08-2014, por Pedro Jorgensen Jr
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2014/08/no-rio-de-janeiro-alta-dos-precos.html

[3] Na dúvida, veja a apresentação “PORTO MARAVILHA - Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp)”, com 63 lâminas.

[4] Porto do Rio sem habitação: encenação governamental”, Blog da Sonia Rabello 15-07-2013, por Sonia Rabello http://www.rede18rj.provisorio.ws/habitacao-para-o-porto-do-rio-tico-e-teco-no-planejamento-governamental/

[5] “Caixa Econômica tenta solução financeira para salvar Porto Maravilha”. O Estado de S Paulo 22-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinicius Neder


2018-09-03


quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Reestruturar o projeto ou criar um afinal?

Deu no Boletim ADEMI
30-08-2018, por Murilo Rodrigues Alves e Vinícius Neder / Estadão 22-08
Caixa anuncia plano para salvar Porto Maravilha
A Caixa, a prefeitura do Rio e a concessionária Porto Novo anunciam hoje uma solução financeira para o Porto Maravilha, maior parceria público-privada (PPP) do País, com investimentos de R$ 10 bilhões. Segundo fontes que acompanham as negociações, a Caixa venderá ativos do fundo imobiliário criado para bancar o projeto, gerando recursos para fazer o sétimo pagamento anual da PPP, atrasado desde junho.
Grupo residencial Porto Vida, paralisado desde 2014 
Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo 
Fonte: Extra online
(..) Para não haver novos problemas, a Caixa defende a reestruturação do projeto, a ser negociada no próximo governo. Isso pode levar ao atraso das obras, pois a parcela de 2018 ficará abaixo do previsto. Pelo contrato, todas as obras deveriam estar prontas até 2020. Em nota, a Caixa diz que vem "proativamente" tentando construir uma solução conjunta para a continuidade da prestação dos serviços e reestruturação da operação.
As principais obras de infraestrutura do Porto Maravilha saíram do papel, mas a construção de um novo bairro carioca, com pontos turísticos, transporte por Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), edifícios comerciais de alto padrão, condomínios residenciais e shoppings, ainda está longe de se tornar realidade.
Como a recessão que afundou o mercado imobiliário, o desenvolvimento do novo bairro vai demorar mais que o previsto inicialmente, disseram agentes do setor. Lançamentos foram adiados e há investimentos malsucedidos, especialmente de empreendimentos anunciados nos anos de euforia com a economia do Rio de Janeiro - hoje afetado pela mais grave das crises fiscais estaduais.
Com o desenvolvimento mais lento, o Porto Maravilha tem hoje duas áreas distintas. Na metade mais distante do centro do Rio, limitada pela Avenida Francisco Bicalho, por onde passa o Canal do Mangue, ainda faltam obras de revitalização e há construções inacabadas, como o esqueleto do Porto Vida, projeto residencial cujas obras estão paradas. Ao lado, fica o edifício onde funcionaria um hotel Holliday Inn, que também não foi adiante.
Os dois empreendimentos são da Odebrecht Realizações, assim como o Porto Atlântico, considerado um "pepino", segundo uma fonte do mercado. O Estado apurou que a Odebrecht não conseguiu vender todos os andares do complexo de escritórios, lojas e hotel, instalado perto do Morro da Providência. O hotel, com as marcas Novotel e Ibis, está funcionando, parte dos escritórios está alugada, mas, na sexta-feira passada, o local parecia um edifício fantasma. A Odebrecht não quis comentar os investimentos. (Continua)

Leia, neste blog

“Do PL da vereadora Rabello ao monopólio da CEF: notas sobre a OUC do Porto do Rio” (23-10-2011)
“Fica-se a perguntar como foi que se colocou à venda todo o lote de CEPACs com base num plano tão precário. Será que basta o "mapa de potencial construtivo"? Dado que a CEF não botaria, eu imagino, essa montanha de dinheiro num plano esquemático, eu creio que um plano urbanístico completo deva existir em algum lugar. Mas onde está?”
2018-08-30

segunda-feira, 30 de julho de 2018

De volta ao Porto Maravilha

A recente decisão da Caixa Econômica Federal de instalar sua nova sede no Rio de Janeiro numa torre corporativa da Rua do Passeio, Cinelândia, e não em algum edifício já disponível no Porto Maravilha - sua criatura adotiva desde a aquisição, em nome do Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha (FIIPM/FGTS), da totalidade dos direitos de construção no perímetro da Operação Urbana Consorciada - é a insólita culminação de uma longa série de desacertos no planejamento e gestão dessa intervenção urbana municipal, lançada pelas autoridades, como tantas outras em nossa época, sob o signo altissonante da “parceria público-privada”, aqui incluída a interveniência generosa e decisiva do governo federal.

Foto Jerri Cardoso (28/06/18) / Diário do Porto
Matéria publicada na Folha de São Paulo e reproduzida no Bem Paraná em 23 de julho assegura que a Caixa atendeu, desse modo, a uma reivindicação de seus próprios funcionários, que “se queixavam da falta de serviços no Porto, [da] dificuldade de acesso e [d]a possível insegurança na área.” [1]

Sou levado a concluir que, dois anos depois de inaugurado, com pompas olímpicas e romarias cidadãs, como novo pólo turístico e cultural internacional e futuro centro empresarial da metrópole, o Porto Maravilha é reconhecido por seu investidor monopolista como uma região urbana que não tem serviços, não tem transporte, não tem segurança; vale dizer, não é cidade. E continuará não sendo pelos próximos 15 anos, a julgar pelo prazo do contrato de aluguel da CEF-Rio com o novo senhorio!

Qual poderia ser um indício mais claro da metástase galopante, quem sabe do iminente desmanche dessa intervenção urbana na forma como a conhecemos?

Já nas últimas semanas, a ansiedade dos paladinos do Porto Maravilha com o encalhe dos certificados de potencial construtivo (CEPACs) que deveriam financiá-lo - expressa por O Globo em 28 de maio e 4 de julho, clamando pela continuidade do projeto [2] - dera lugar a uma constrangedora lavagem pública de roupa suja entre a Caixa Econômica, a prefeitura do Rio, a Companhia de Desenvolvimento do Porto e a concessionária Porto Novo (sociedade de empreiteiras responsável para execução das obras de infraestrutura e dos serviços urbanos na região) decorrente da suspensão dos repasses do FIIPM-CEF por falta de recursos.

De repente, toda a formidável engrenagem institucional criada para a revitalização do Porto se revela tão frágil quanto um castelo de areia e tão inútil quanto um avião sem asas: com a imundície já tomando conta das ruas, a prefeitura foi simplesmente obrigada a reassumir suas tradicionais obrigações com a manutenção daquela parte da cidade [3], mobilizando a Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Transportes, a Companhia de Engenharia de Tráfego, a Rioluz, a Fundação Parques e Jardins e a Comlurb - que, aliás, já vinha executando o serviço de coleta de lixo e limpeza urbana como contratada da concessionária; a intermediação era paga, como tudo mais, com dinheiro do FIIPM-CEF à conta da venda futura dos CEPACs.

Contudo, os problemas do Porto Maravilha não são de ontem - nem de anteontem. Os mesmos jornais que situam a suspensão dos repasses em janeiro de 2017 garantem que o FIIPM já está insolvente há pelo menos dois anos, o que nos faz recuar a junho de 2016. Não espanta. Em dezembro de 2015, o jornal Extra trazia um relatório publicado no DO da União dando conta da revenda aos investidores-incorporadores privados, até aquela data, de ridículos 8,79% do total de CEPACs adquiridos pelo FIIPM-CEF à prefeitura do Rio de Janeiro, como resultado do “declínio do mercado imobiliário”. [4] A essa altura, a marolinha já virara um tsunami.

Com a situação praticamente inalterada, é de se supor que, passados sete anos, o FGTS continua credor dos R$ 3,5 bilhões investidos em 2011 na compra da totalidade dos direitos de construção válidos para os 500 hectares do Porto Maravilha, acrescidos de outros R$ 4,5 bilhões em obrigações de infraestrutura e 15 anos de serviços urbanos previstos no leilão, sem contar a indispensável aquisição de terrenos (por preços que eu suponho descontados do custo dos próprios CEPACS) sem os quais possuir CEPACS é como voar num Boeing cujo pouso depende de negociar com os aeroportos disponíveis a taxa de serviço. Abordaremos essas questões numa próxima postagem.

Pergunto: como aceitar, em tais circunstâncias - sobre as quais pairam ainda graves acusações de manipulação política e pagamento de propinas em benefício das empreiteiras envolvidas -, que os poderes constituídos (ainda de pé!!!) não se sintam na obrigação de vir a público prestar contas desse imbróglio? De assumir a responsabilidade pela aplicação de recursos do FGTS, às vésperas de uma recessão econômica anunciada, em um pacotaço de direitos de edificabilidade que hoje ninguém quer comprar? De abrir um debate amplo e transparente, para variar, sobre as opções escolhidas, a situação atual e o futuro do projeto?

*
Esta postagem não me saiu como planejada. Era para ser mero preâmbulo, curto e sóbrio, de uma série de comentários que pretendo aqui publicar nas próximas semanas sobre aspectos dessa Operação Consorciada relacionados não à política em geral (que hoje envolve obrigatoriamente a esfera policial), mas à política urbana e ao urbanismo subjacentes - e bota subjacentes nisso!

Ainda que os fatos sigam conspirando em sentido contrário, tentarei me ater a esse plano.

Antes, porém, faço questão de recordar os termos, que considero absolutamente atuais e pertinentes, de uma postagem publicada neste blog há cinco anos, por ocasião do anúncio da Operação Urbana Consorciada Centro de Niterói, empreendimento natimorto que, já em plena crise recessiva, flertou com a possibilidade de reproduzir o milagre, aqui esboçado, da mobilização das empreiteiras com pródigos adiantamentos da Caixa Econômica Federal lastreados em CEPACs de retorno duvidoso:
Em todas as grandes cidades do mundo paira, acima dos governos, uma compacta e intrincada rede mundial de concessionárias, empreiteiras, imobiliárias e proprietários de grandes eventos, além, é claro, de financeiras e bancos privados.
Como deixa claro a crise turca, é cada vez mais frágil e precária a barreira que hoje separa as reivindicações elementares das populações urbanas dos grandes cataclismos políticos. A culpa não é, decerto, do blogueiro furibundo. Mais provavelmente, é do papel crítico que tem, na economia contemporânea, a exploração privada cada vez mais predatória dos bens públicos, dos serviços essenciais e não essenciais e da renda da terra urbana; e, consequentemente, da influência que costumam adquirir seus principais beneficiários diretos e indiretos no governo das grandes cidades.
É por isso que, em se tratando das grandes operações urbanas contemporâneas, cada caso está longe de ser um caso. Ao contrário, cada caso é, em princípio, o mesmo caso. E cabe ao réu provar que é inocente.
___
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-porto-maravilha-tem-que-continuar-22719405

2018-07-30


terça-feira, 24 de julho de 2018

Mico Maravilha

Bem Paraná 23-07-2018, por Folhapress

Caixa escolhe nova sede no RJ na Cinelândia e ignora revitalização do porto

Foto: Marcelo Sayão/ EFE
Fonte: Internet*
A Caixa Econômica Federal escolheu a sua nova sede no Rio de Janeiro atendendo a pedido de funcionários, mas ignorando o projeto de revitalização da zona portuária, na qual já investiu mais de R$ 5 bilhões do FGTS.
A decisão contrariou membros da Prefeitura do Rio de Janeiro. Eles esperavam que a Caixa escolhesse o Aqwa Corporate, da Tishman Speyer, que fica na região portuária. A ida dos cerca de 2.000 funcionários para o local ajudaria a movimentar a região, que sofre com a falta de projetos imobiliários.

A decisão da Caixa vai ao encontro, contudo, do pleito de funcionários do banco. Eles se queixavam da falta de serviços no porto, dificuldade de acesso e a possível insegurança na área.

Os valores do negócio não foram anunciados. No mercado especulava-se que a oferta de ambos os imóveis eram semelhantes, de cerca de R$ 2 milhões mensais. A Caixa vai deixar sua sede na avenida Almirante Barroso onde atualmente paga R$ 4,2 milhões mensais a um fundo gerido pelo BTG Pactual.

O contrato firmado com a BR Propetiers é de 15 anos (..)

2018-07-24


[*] https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/album/2014/09/22/mico-leao-dourado-resiste-a-extincao.htm#fotoNav=8

Veja mais sobre o Porto Maravilha no "Dossiê Porto do Rio", coluna à esquerda, e nos marcadores "Porto do Rio" e "Porto Maravilha", coluna à direita.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Devagar quase parando


Deu na Exame 27-02-2018, por Adriana Belisário, da Agência Pública

Porto Maravilha corre o risco de parar em 2018
Prefeitura diz que serviços na região podem ser suspensos por falta de dinheiro
A crise econômica atracou nos últimos anos no cais do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro (RJ). Às vésperas de completar nove de seus 30 anos de vida, a operação ficou refém do seu gigantismo e enfrenta dificuldades para pagar o consórcio formado pela Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que faz obras e serviços como limpeza de ruas e coleta de lixo na região.
Projetos licenciados no Porto Maravilha
Clique na imagem para ampliar
Bruno Fonseca/Agência Pública
Em entrevista exclusiva, Antônio Carlos Mendes Barbosa, presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), admite a possibilidade do projeto ficar sem caixa este ano.
(..) Para Mendes Barbosa, tudo vai depender do Fundo de Investimento Imobiliário do Porto Maravilha, controlado pela Caixa Econômica Federal (CEF). “Quem comprou os terrenos e/ou Cepacs têm o compromisso de dar liquidez”, diz ele, referindo-se à obrigação de a CEF garantir recursos. “Tenho conversado tanto com gestores quanto com cotistas do fundo sobre isso”, completa.
O combustível para mover as engrenagens do Porto Maravilha é a venda dos Certificados do Potencial Adicional de Construção (Cepacs) pelo fundo da CEF, que comprou todos os títulos da prefeitura, em lote único, em 2011 por R$ 3,5 bilhões. A compra usou recursos dos trabalhadores (FGTS), com a expectativa de revendê-los mais caros no mercado para empreendedores interessados em aumentar a quantidade de andares de seus imóveis na região.
Segundo o fluxo planejado, os Cepacs pagariam as empreiteiras, que se tornaram responsáveis não só por obras como também por serviços que no resto da cidade são realizados pela prefeitura, como a coleta de lixo. O problema é que foram poucos os compradores, e os Cepacs estão encalhados.
Não há novos projetos licenciados com consumo de Cepacs no Porto Maravilha desde meados de 2015. (Continua)


Acesse a materia completa clicando


quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Deu no Diário de Nordeste
08-01-2018, por Vanessa Madeira 
Capital é cidade com mais Operações Urbanas Consorciadas no Brasil

Por meio da parceria entre o poder público e a iniciativa privada, Fortaleza tem passado por transformações urbanas com impactos diretos e indiretos no cotidiano dos moradores das mais diversas regiões da cidade. Com a realização de Operações Urbanas Consorciadas (OUC), instrumento urbanístico previsto no Estatuto da Cidade, áreas degradadas ou com grandes demandas sociais e físicas recebem investimento e vivenciam mudanças que vão desde a construção de vias e implantação de árvores à geração de empregos.

Mecanismos do tipo começaram a ser adotados em Fortaleza nos anos 1990. Hoje, com sete operações consolidadas - abrangendo os bairros Papicu, Jóquei Clube, Praia do Futuro, Canindenzinho, Siqueira, Luciano Cavalcante, Mucuripe e Sapiranga - a Capital cearense supera São Paulo e Rio de Janeiro e é considerada a cidade com o maior número de parcerias nesse modelo no Brasil, conforme aponta a Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). Para o próximo ano, outras 14 novas áreas com potencial para a criação de OUCs devem ser anunciadas. (Continua) 

Consulte o Relatório de Desenvolvimento Ouc Maceió Papicu, Prefeitura de Fortaleza / Quanta
 
2018-01-10


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Vêm aí os PETROCEPACs

Deu n’O Globo online Rio
11-10-2017, por Gustavo Schmitt
  
Crivella diz que vai a Dubai buscar investidores para revitalizar Vargem Grande e Vargem Pequena
Montagem:abeiradourbanismo.blogspot.com.bt
Imagens originais: Internet
(..) O prefeito disse que a ideia é lançar uma parceria público-privada (PPP) para dar andamento aos estudos da região, nos mesmos moldes do Porto Maravilha, no Centro do Rio, e da Avenida Água Espraiada (hoje intitulada Avenida Roberto Marinho) na capital paulista.
Crivella estima que os Cepacs teriam potencial de gerar até R$ 40 bilhões de Valor Geral de Venda (VGV) para os empreendimentos.
O prefeito disse que o potencial construtivo das Vargens dobraria, mas não soube informar como isso poderia acontecer na prática, nem mesmo se o aumento seria de gabarito, na verticalização das construções e nem se precisaria de autorização do legislativo.  (Continua)

2017-10-12


terça-feira, 8 de agosto de 2017

Meu Porto Minha Vida

Deu n’O Globo / Noblat 
05-08-2017, por Tarcísio Motta, vereador PSOL
http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2017/08/porto-maravilha-caixa-preta-bilionaria.html

Porto Maravilha, a caixa-preta bilionária
Operação coleciona denúncias de mau uso do dinheiro público, falta de transparência, remoções forçadas, descumprimento da legislação ambiental e esquemas de propina 
Imagem: Dreamstime
Fonte: Internet
Era uma vez um prefeito que fez parceria com empreiteiras para que administrassem um pedaço da cidade. Essas empresas, por sua vez, contrataram uma companhia de coleta de lixo para prestar serviço nesse território. Só que essa companhia era da própria prefeitura. Assim, a tarefa continuou sendo da alçada do prefeito, só que mais cara.
Não se trata de um plano mirabolante de Odorico Paraguaçu, o personagem de Dias Gomes que tinha como bandeira a construção de um cemitério na cidade. Foi a estratégia executada pelo antigo prefeito do Rio para a implantação do Porto Maravilha.
Neste drama real, as empreiteiras são Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que formam a concessionária Porto Novo; e a empresa pública é a Comlurb. Mas o mau negócio não parou por aí.
A verba usada pela Porto Novo para administrar o território saía de um fundo da Caixa, que, sofrendo as consequências do péssimo investimento, parou de fazer repasse para a concessionária recentemente. (Continua)
Leia o artigo completo clicando
 08-08-2017


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Se não há recurso público, por que interessaria aos privados?

Deu n’O Globo online
06-01-2017, por Celia Costa
Projeto une estado e prefeitura para recuperar áreas degradadas 
Montagem: àbeiradourbanismo
Imagem original: Internet
O prefeito Marcelo Crivella e o governador Luiz Fernando Pezão fizeram nesta quinta-feira sua primeira reunião de trabalho. Na mesa de discussão, estava uma proposta do arquiteto Sérgio Dias, que já foi secretário municipal de Urbanismo. Ele sugere a criação de operações urbanas consorciadas, que preveem a participação da iniciativa privada em projetos para a cidade. Um deles seria a transformação de áreas degradadas, com a criação de parques, além de um melhor aproveitamento do potencial imobiliário dessas regiões. Isso seria feito por meio da emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), a exemplo do que aconteceu na Zona Portuária.
(..)
- O mais importante de tudo é que nós vamos ser criativos e não haverá recurso público nessa parceria [disse Crivella]. (Continua)

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2017-01-10


domingo, 3 de maio de 2015

Operações urbanas: uma ponte necessária entre a regulação urbanística e o investimento direto

Publicado em Cadernos de Urbanismo No. 3, Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro, novembro de 2000

Operação urbana é uma expressão que, no urbanismo atual, se refere a gêneros de ação urbanística que, embora conexos, podem diferir consideravelmente dependendo do lugar e da circunstância. Irei enunciar, primeiramente, um quadro de acepções deste termo, que deve ser precisado à medida que a discussão e a prática profissional apresentem novos dados. Em seguida, farei breves comentários sobre o seu campo de aplicação.

Um esforço de conceituação: operações urbanas e urbanismo operativo


Para alguns profissionais, em geral céticos quanto à real especificidade de certas intervenções urbanísticas contemporâneas, o termo operação urbana tem uma conotação meramente genérica, designando qualquer intervenção pública urbanizadora. Nesse caso, operação urbana tanto pode designar a implantação de um novo conjunto residencial quanto a construção de uma nova via expressa ou a urbanização de uma favela; a transformação funcional de um centro histórico ou uma obra de requalificação arquitetônica numa avenida comercial. Nesse sentido, operação urbana aparece como sinônimo genérico de projeto/intervenção urbana. 

De minha parte, creio ser necessário considerar a operação urbana, em primeiro lugar, como um tipo especial de intervenção urbanística, de iniciativa pública ou privada mas preferencialmente regida por critérios de interesse público, voltada para a transformação estrutural do ambiente urbano existente e que envolve, simultânea ou alternativamente (1) a combinação de capital de investimento público e privado, (2) o redesenho da estrutura fundiária, (3) a apropriação e manejo (transação) dos direitos de uso e edificabilidade do solo e das obrigações privadas de urbanização e (4) a apropriação e manejo das externalidades positivas e negativas da intervenção. Essas operações têm o caráter de projeto urbano (por oposição a atividade de controle urbano), para o que, além de institutos normativos especiais, o setor público necessita lançar mão de dispositivos gerenciais adequados (empresa pública, empresa de economia mista, escritório técnico, agência ou comitê executivo etc), diferenciados da administração urbanística corrente. Essas operações-projeto diferem radicalmente da obra pública tradicional em termos da complexidade social da intervenção, do tempo de maturação do plano/projeto, do grau de incerteza quanto aos resultados, das fontes de recursos, dos prazos e métodos de execução, da organização gerencial, da metodologia de avaliação de resultados etc. 

Mas o termo operação urbana também se refere, por outro lado, à aplicação de uma classe específica de instrumentos normativos correntes que propiciam o manejo, controlado e limitado a uma região urbana ou a circunstâncias determinadas, dos índices e parâmetros urbanísticos vigentes, com vistas à consecução de certos objetivos pretendidos pela municipalidade. Este tipo de operação está mais afeto à administração corrente, embora necessite de um certo grau de coordenação gerencial e monitoramento. Por isto, parece-me adequado aplicar a este campo, às vezes dito dos instrumentos urbanísticos onerosos, o termo urbanismo operativo. Trata-se das Transferências de Potencial Construtivo, dos Leilões de Indices, do Solo Criado etc. A lei de Operações Interligadas vigente no Rio de Janeiro faz parte deste grupo, embora constitua, a meu juízo, uma venda de direitos urbanísticos de caráter excessivamente aberto, que não visa a consecução de objetivos urbanísticos outros que a arrecadação de recursos para a urbanização em áreas de baixa renda: uma modalidade de “redistribuição de renda” aleatória, subjetiva e dotada de um precário nível de controle social. 

Vale a pena registrar também a existência de uma categoria de urbanismo operativo que não decorre da vigência de nenhum dos modernos instrumentos urbanísticos onerosos, mas de “fragmentos onerosos” existentes (explícitos ou implícitos) na legislação comum. Vicejando à sombra do aparente automatismo da aplicação do zoneamento clássico, a ponto de ser virtualmente desconhecida ou ignorada até bem pouco pelas organizações de planejamento, essa “carteira” de contrapartidas urbanísticas exigidas nas licenças de construção constitui no Rio de Janeiro uma razoável massa de recursos que tem sido, nas últimas décadas, gerada como “exigências” nos processos de licenciamento e gerida por meio de uma arcaica estrutura cartorial de “termos de obrigação” e “certidões”. 

Eu poderia então sugerir uma forma generalizada de definir a operação urbana: trata-se do vasto e crescente campo das ações urbanísticas complexas que transitam entre os tradicionais mecanismos legislação-licenciamento e desapropriação-obra pública. O espaço de aplicação da operação urbana não é o espaço privado nem o espaço público, mas o continuum público-privado, a indissolúvel unidade ambiental dos bens públicos e privados, tangíveis e intangíveis, que conformam a cidade.

Operação urbana, iniciativa pública e planejamento

A atuação do poder público no processo de construção da metrópole contemporânea não pode prescindir da aplicação de normas, métodos e técnicas de operação urbana, e isto por duas razões. 

A primeira está ligada à necessidade que tem, muitas vezes, o setor público de otimizar e orientar as externalidades positivas —bem como extrair compensações por externalidades negativas— do investimento privado, para fins de melhoria do parque instalado de bens e serviços públicos. Vale lembrar que o sistema de planejamento normativo, que exerceu a primazia absoluta entre os instrumentos de planejamento urbano no terceiro quarto do século XX, dada a sua própria natureza exerce apenas efeitos de longo prazo sobre a cidade, mais ou menos probabilísticos segundo o modelo de legislação. Ele propicia a abertura de novas fronteiras ou a densificação da urbanização, estabelece um modelo geral de ocupação e uso presumivelmente condizente com as infraestruturas de serviços e o ambiente natural, mas em geral não é capaz de intervir na organização estrutural de um ambiente urbano já existente. 

Esta tradicional relação entre regulação e ambiente urbano vem sendo rompida sistematicamente pela escala do empreendimento urbano do ano 2000. A lei regula o empreendimento, mas o empreendimento “regula” a cidade pela força de sua onda de impacto. O impacto estrutural e as consequentes “obrigações de urbanização” que, no Rio de Janeiro, implicou a construção recente de empreendimentos como o centro de comércio e serviços Down Town, na Barra da Tijuca, o Shopping Tijuca, na Av. Maracanã, e a Wal-Mart, em Del Castilho, são exemplos claros de quão importante pode ser o efeito da gestão pública das externalidades positivas e negativas dos grandes complexos privados. 

A segunda razão, talvez mais importante, está ligada à necessidade que tem o setor público de poupar recursos do tesouro e do endividamento na realização de ações públicas que possam ser cobertas, no todo ou em parte, pelo manejo espaço-temporal do investimento privado. Por exemplo, a aquisição das terras necessárias à implantação do Anel Viário do Rio de Janeiro, bem como à implantação de um grande parque público em Madureira, poderia ser realizada por meio da transferência do potencial construtivo das terras afetadas. Da mesma forma, a urbanização consorciada vem sendo advogada como instrumento útil à oferta de lotes populares urbanizados nas regiões suburbanas. Um terceiro exemplo, os leilões ou bolsas de índices talvez sejam o único recurso capaz de concluir a obra inacabada dos Projetos de Alinhamento nas principais artérias comerciais da cidade. 

As operações urbanas, sejam especiais ou correntes, destinam-se à transformação dirigida da estrutura sócio-ambiental de um lugar urbano. Por envolverem a apropriação e negociação de insumos, produtos e externalidades públicos e privados de todo tipo, elas constituem modalidades de intervenção urbana potencialmente capazes de romper os limites da mera justaposição de espaços privados regulados e espaços públicos requalificados. Esta combinação tradicional nem sempre satisfaz as demandas de estruturação do ambiente urbano, como é o caso, por exemplo, de centralidades afetadas pela obsolescência de grandes equipamentos de serviços públicos ou de regiões desurbanizadas impactadas pela contiguidade de novos complexos de comércio e serviços de grande porte. 

Os mecanismos operativos do urbanismo são instrumentos úteis ao planejamento das cidades, tanto numa perspectiva estratégica quanto situacional, em caráter complementar aos tradicionais mecanismos do planejamento normativo e da obra pública. Na medida em que se propõem a realizar a captação de mais-valias, a otimização de externalidades e a transferência territorial de valores, o seu melhor campo de aplicação parecem ser as áreas urbanas mais marcadas pelo caráter desigual do desenvolvimento, isto é aquelas que abrigam combinações singulares de dinamismo e estagnação, investimento e desinvestimento, tecnologia de ponta e modos de vida tradicionais. 

Finalmente, o potencial transformador a curto prazo das operações urbanas, a margem de risco dos impactos que ela pode provocar sobre o ambiente social e o seu caráter de transação de interesse público envolvendo bens públicos e privados tornam imprescindível que suas normas, métodos e técnicas sejam democraticamente aprovados e rigorosamente controlados pela sociedade através de mecanismos eficazes de democracia participativa.