A revolução da centralidade

Por uma teoria da estrutura da cidade capitalista 


Sob a rubrica "A revolução da centralidade - p
or uma teoria da estrutura da cidade capitalista", esta página reúne um conjunto de artigos já publicados em À beira do urbanismo. 


Hipótese histórico-epistemológica 

Seção do artigo “Urbanismo, planejamento, ciência: notas”, publicado neste blog em 13-03-2022 

O desenvolvimento da ciência da organização sócio-espacial urbana, no âmbito da Geografia como do Urbanismo, teria sido obstaculizado pela tendência, própria do arranjo sócio-político alcançado no pós-II Guerra, especialmente nos países 'centrais', à superestimação dos poderes estabilizadores do planejamento econômico e seus derivados em face dos desequilíbrios inerentes à economia de mercado. [18] [19]

No contexto da pax americana e do compromisso histórico entre as classes sociais no pós-II Guerra Mundial, as expectativas despertadas pelas ações reguladoras do Estado do bem-estar obscureceram o fato de que tais ações reguladoras não têm o poder de neutralizar, muito menos reverter, as leis gerais da construção/ expansão/ reconstrução da cidade em um regime de mercado, vale dizer de competição entre capitais individuais, tornando aparentemente supérflua aquela linha de pesquisa.

Consoante ao espírito da época e à formidável expansão econômica subjacente, congelou-se o paradigma geográfico dos três modelos de Harris & Ullman 1944 e passaram ao primeiro plano as investigações da economia espacial neoclássica, cujo ápice é o modelo alonso-thuneniano de distribuição dos usos do solo e respectivas densidades ao redor de um centro axiomaticamente estabelecido, com base nas expectativas de satisfação locacional de firmas e famílias individualmente consideradas e suas correspondentes ofertas de renda [20].

Inequivocamente eficaz na análise de fenômenos relacionados à oferta-demanda de produtos imobiliários e do solo urbanizado que os ancora, esse novo paradigma é, no entanto, prisioneiro da perspectiva e dos preconceitos do homo economicus setecentista: livre escolha, mercado concorrencial, mão invisível. Por seu intermédio, a metrópole capitalista é totalmente esvaziada de seu conteúdo sócio-espacial, sua inequidade constitutiva e sua transitoriedade histórica: não teve começo e não terá fim.



Vance 1971 e os paradigmas da organização espacial urbana

Publicado neste blog em 26-07-2023 sob o titulo "Apontamentos: Vance 1971 e os paradigmas da organização espacial urbana"

(..) The several theories that seek to describe the physical structure of cities furnish us with universals. Yet each stands as a partial but insufficient truth. The natural physical tendency for accretion to a city to take place in annular rings makes the concentric-zone theory logical and observable in part. The capitalist notions of the filtering down of housing from the fortunate to the deprived and the ascription of standing in society on the basis of location of residence furnish the basis for the partial truth that growth takes place along the lines of radiating sectors. Furthermore, the historical spread of cities to engulf areas that possessed pre-urban qualities that might persist after incorporation into the city, and the need for differentiation within large functional assemblages, encouraged the creation of multiple-nucleations of activity. The existence of this set of theories of partial truth indicates that what we deal with is not a simply-sufficient paradigm but rather a series of explanations, which in combination approach completeness. If such a combination of descriptive mechanisms is necessary to account for the pattern of land use in cities, it seems unlikely that any single land assignment system has shaped all cities at all times. (..)


A citação acima, pinçada do texto clássico de Vance Jr, não é seguramente a que melhor resume o seu conteúdo. Mas nos remete a um aspecto crítico do estudo da organização espacial urbana: o seu status epistemológico.

Vance deixa entrever que, na década de 1970, o paradigma científico da organização espacial urbana ainda era a síntese dos “três modelos históricos” de estrutura urbana proposta por Harris/Ullman em 1945 (Círculos Concêntricos/Burgess 1925, Setores Radiais/Hoyt 1939 e Núcleos Múltiplos/Harris & Ullman 1945). [1]

A conclusão de Vance a esse respeito é análoga à síntese do economista espacial Harry Richardson, apresentada em seu livro Economia Regional [2], de 1969. Comparem:

“Esses três conceitos de estrutura urbana não são diametralmente opostos uns aos outros. Cada conceito provavelmente tem alguma importância para explicar a estrutura de qualquer cidade. (..) As mesmas concepções teóricas gerais, como a tentativa de minimizar os custos de atrito tomada como princípio organizacional, são aplicáveis em graus variáveis a todas as três concepções da estrutura de uma cidade.” [Richardson 1969]

“The several theories that seek to describe the physical structure of cities furnish us with universals. Yet each stands as a partial but insufficient truth. (..) The existence of this set of theories of partial truth indicates that what we deal with is not a simply-sufficient paradigm but rather a series of explanations, which in combination approach completeness.’ [Vance 1971]

Congelado desde 1945 no esquema geográfico dos “três modelos” de Harris/Ullman, o paradigma científico da organização espacial urbana parece ter sido progressivamente substituído, a partir da década de 1970, pelo modelo alonso-thuneniano (1964) da economia espacial neoclássica [3], mais afeito, talvez, à ascensão das ideias e políticas neoliberais do último quarto do século XX.

A exemplo de Burgess, Alonso explica a distribuição geral dos usos do solo urbano como um conjunto de círculos concêntricos, derivados, porém, das ofertas de renda dos agentes individuais (famílias e firmas) pelas localizações mais vantajosas (convenientes para as famílias e lucrativas para os negócios) sob os critérios da quantidade de espaço e da distância ao centro urbano.

O texto de Vance explicita essa tendência histórica com a ideia de que o fato distintivo do surgimento da cidade capitalista é a apropriação privada da renda da terra urbana como fonte de riqueza pessoal:

The main argument of this paper (..) is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city. (..) For us the essential point is that of the use to which property was put. (..) Ownership was divorced from use and a class of capitalists arose that had little to do directly either with the productive and trading activities of the town or with the conduct of its government. [4]

Pouco adiante, ele irá completar esse percurso reivindicando o modelo de Alonso como paradigmático do estudo da moderna localização residencial:

William Alonso's Location and Land Use deals with that choice [housing decisions of the affluent] in a scholarly frame arguing that the craving of the wealthy for space accounts for their shift to the city's edge. [5]

Se por um lado a abordagem de Vance tem o mérito indiscutível de postular a historicidade das estruturas urbanas, por outro o trânsito de Ernest Burgess a William Alonso parece lhe cobrar um preço, que é precisamente o apagamento da perspectiva histórica característico da cultura científica da economia espacial. Vance descreve as formas de adjudicação da terra urbana nas sociedades que chama de pré-capitalista, capitalista e pós-capitalista, mas não se debruça sobre os processos de transição entre essas etapas e o modus operandi de suas forças motrizes.

Seu postulado sobre o fundamento da cidade capitalista padece, a meu juízo, de um lacuna histórica crucial: assim como a renda agrícola de Von Thunen (1826) [6] supõe a produção para o mercado situado na cidade central, portanto totalmente desembaraçada dos vínculos feudais, também a renda urbana de Alonso (1964) não pode provir, como por encanto, da mera propriedade privada da terra: ela supõe a riqueza oriunda da produção generalizada de mercadorias, vale dizer da produção agrícola e manufatureira para o mercado, baseada no trabalho assalariado, e sua livre circulação nas cidades a partir de núcleos comerciais desembaraçados das obrigações senhoriais, separados das lojas dos artesãos feudais numa primeira etapa e, mais tarde, das residências dos próprios comerciantes.

Tema para postagens subsequentes, dedicadas ao espinhoso, porém fascinante, problema da transição do burgo feudal a urbe capitalista.




Centralidad, espacio urbano y renta del suelo – apuntes
Publicado neste blog em 30-10-2010

Se podría decir que todo el complejo edificio de la ciencia de la economía espacial reposa sobre el problema del costo de la distancia que uno tiene de vencer para realizar las tareas cotidianas de mantenimiento y reproducción de la vida
.

De esa restricción proviene el fenómeno capital de la geografía urbana que es la centralidad, es decir el efecto colectivo, o generalizado, del esfuerzo de cada agente económico para minimizar sus costos de desplazamiento, incluso en una acepción más amplia de costo no monetario. Todos quieren “estar lo más cerca de" las cosas a que atribuyen valor, o de que tienen necesidad, es decir de los recursos socialmente producidos. La moderna centralidade urbana es la relación espacial que el costo de la distancia establece de una banda entre demandantes y proveedores de productos y servicios de uso o consumo rutinarios, de otra entre demandantes y proveedores de fuerza de trabajo.

"Lo más cerca de" significa geometricamente, para un conjunto de puntos en el espacio, un anillo "alrededor de". En un modelo territorial sencillo de asentamiento de residentes de cara a un mercado como suma de decisiones individuales, "lo mas cerca de" implica situar-se cada uno a lo largo de cuantos caminos puedan existir "a partir de", generando procesos expansivos de tendencia radial. La accesibilidad entra en el esquema. 

Y, a medida que la distancia económica a tierras ubicadas entre los caminos radiales pueda ser menos grande que a la próxima parcela disponible a lo largo del radio, ocurre la ocupación progresiva de los intersticios, siguiendo ramificaciones que, con el paso del tiempo, tienden a fusionarse como anillos más o menos regulares de ocupación alrededor del "centro". 



Sin embargo, las leyes de la economía espacial no actúan en una situación ideal donde solo existen residentes y un mercado. Además, su clara manifestación en la red urbana supone al menos un mercado de suelo e costos de transporte. Por lo que, ellas no determinan la forma física de la red urbana más que en un sentido muy general, y sobrepuesto a la trama histórica de la ciudad, el de la expansión radial en múltiples direcciones, con cierta propensión a la consolidación de anillos concéntricos. Más probablemente, ellas determinan el patrón de distribución y densidad de los distintos usos del suelo sobre la red física, que se puede representar en términos modernos como una estructura radial de desarrollo desigual en las múltiples direcciones alrededor de un "punto" focal - tipicamente el lugar de los comercios, servicios y gobierno -, como en el diagrama siguiente, derivado del concepto de distribución residencial según sectores de círculo de Homer Hoyt, 1939. 

Organización socioespacial urbana
según sectores de círculo 

La "expansión radial de la ciudad en multiples direcciones con cierta propensión a la consolidación de anillos concéntricos", es decir el esquema radioconcéntrico desigual, puede se exhibir más o menos claramente en el plan físico - como en el mapa de Porto Alegre del año 1928 - a depender de como lo permita el sítio natural y de cuanto no lo impidan las regulaciones urbanísticas y los planes de urbanización, en especial los dameros mas o menos vastos da la época moderna. 

La generalización de la produción para el intercambio, es decir de la produción / circulación / consumo de mercancías, materiales y imateriales, dentre ellos los propios bienes inmuebles y servicios que constituyen el substracto material de la urbe, en la sociedad capitalista madura, trajo consigo, además del crecimiento exponencial de las ciudades, la proliferación del fenómeno de las centralidades urbanas. Las metrópolis no tienen una, sino que múltiples centralidades, con áreas de influencia muy a menudo superpuestas. 


Centralidades de Buenos Aires
Fonte: www.cafedelasciudades.com.ar/imagenes55/NUEVAS.jpg

La centralidad tiene una importancia capital en la estructura de la ciudad moderna. Ella es la expressión geográfica de la escasez económica del suelo urbano, forma de escasez que se sobrepone a todas las demás - escasez por restricciones normativas al uso y edificabilidad del suelo, escasez relativa a la calidad de los servicios, escasez por incompatibilidades raciales, sociales o étnicas etc. - y que resulta de la competencia de las famílias y firmas por las localizaciones recíprocamente más ventajosas. La centralidad es como una contración del espacio natural, tanto más clara y intensa cuanto más integrada es la producción y consumo de bienes y servicios urbanos a la economía de mercado.

Así como las áreas de anillos sucesivos de igual sección alredor de un punto son vertiginosamente decrecientes en la aproximación al mismo punto, la cantidad de espacio disponible alrededor de um cluster de comercio y servicios será tanto más pequeña y escasa respecto a la demanda, y por lo tanto más cara, cuanto más cerca nos pongamos de dicho cluster. Por decirlo de otra manera, aunque todos los puntos de un territorio urbano fueran homogéneamente servidos de infraestructura y servicios a la parcela, sería imposible que fueran todos igualmente próximos a los centros de trabajo, consumo, servicios personales, ocio etc. 

La contracción del espacio que supone la centralidad en la moderna economía de mercado es procesada, compensada y de esa forma continuamente reproducida, en el marco del propio mercado de productos inmobiliarios y hasta donde lo permiten las limitaciones técnicas y jurídicas existentes en un dado momento, por la intensificación del uso del suelo urbanizado mediante la edificación en altura, que multiplica la cantidad de unidades inmobiliarias erguidas sobre cada parcela, y el correspondiente fraccionamiento jurídico de la propiedad, que propicia a su titular la multiplicación de las rentas de localización.

Respecto al campo, la ciudad es, ella misma, centralidad. Una ciudad en la que no hay ninguna especie de “centro” solo puede existir en el plan ideal, como en una sociedad desarrollada fictícia donde no hay mercado, o en el plan teórico de una sociedad sobredesarollada igualitaria más allá del mercado. La centralidad es una norma reguladora constitutiva del mercado de suelo, es decir, que no ha sido creada por ningún gobierno; una forma de escasez que yace en el corazón de la economía del espacio socialmente construído, es decir histórico, y es su propio modo de ser.



Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese
Postado neste blog em 08-03-2021

A elaboração de modelos é um procedimento usual no processo de construção do conhecimento. Podemos descrevê-los como representações hiper-simplificadas da realidade que utilizamos para pôr em foco determinado aspecto ou relação que, em nosso estudo, supomos especialmente relevante. Eles nos ajudam a sintetizar o status de nossa compreensão dos fenômenos empiricamente observados e a formular novas hipóteses a serem submetidas à prova dos fatos e seus desenvolvimentos.

O que se segue é um modelo territorial simples da conversão acelerada, por força de um boom de preços de certo produto agrícola, de um pequeno assentamento de famílias de trabalhadores rurais em núcleo urbano. Sua finalidade é destacar a hipotética inter-relação do custo da distância e do ganho de aglomeração no processo de formação e desenvolvimento das centralidades urbanas.

Não se trata, bem entendido, de uma hipótese arbitrária, caída do céu. Ela foi deduzida das constatações empíricas e formulações teóricas de estudiosos das cidades da primeira metade do século XX, notadamente Hurd (1903), Haig (1926) e Burgess (1925-29) [1], sobre a expansão radial e o custo da distância, bem como da grande ausência percebida em todos esses trabalhos - e todos os modelos posteriormente elaborados pela economia espacial: a formação do próprio centro. 
*
O modelo representa um núcleo agrícola em expansão ao redor de um empório [a] situado no entroncamento de três caminhos, onde se abastecem as famílias trabalhadoras. Os rendimentos das famílias provêm do trabalho nas lavouras circundantes e de serviços prestados a outras famílias da própria comunidade, executados por todos os seus membros em idade laboral. O deslocamento às lavouras é feito a pé, ou por bicicleta, sendo aleatórias as diferenças de tempo de percurso relativamente ao local de residência. Não há, portanto, custo monetário de transporte, mas o tempo despendido no suprimento da unidade (compras e serviços) é perda de tempo de trabalho remunerado, portanto de rendimento das famílias. Todas as residências têm tamanho similar e pertencem às empresas agrícolas proprietárias das terras, às quais se pagam aluguéis. O empório paga aluguel a um proprietário residente na grande cidade mais próxima.

A minimização do tempo de trabalho perdido em tarefas de abastecimento doméstico exige que as famílias se estabeleçam à menor distância possível do empório, portanto ao longo dos caminhos existentes, gerando um processo expansivo do assentamento de tendência radial [A]. À medida, porém, que a distância a terrenos intersticiais se torna igual ou menor que às próximas parcelas disponíveis ao longo dos caminhos radiais, inicia-se a ocupação progressiva dos setores circulares seguindo ramificações [B] que, com o tempo, tendem a fundir-se em anéis mais ou menos regulares de ocupação ao redor do empório [C]. A tendência à equalização das distâncias radiais e radio-circunferenciais ao empório determina a configuração estelar, por oposição a circular, da urbe em formação.

A acelerada expansão do assentamento ao redor do empório converte, pouco a pouco, os caminhos convergentes em corredores de acessibilidade - atributo relacional das localizações que inclui o suporte viário e, no nosso caso, o custo econômico do deslocamento. 
O desenvolvimento lógico deste modelo é que um segundo comerciante, por exemplo um boticário (b), não terá nenhuma razão para estar em outra localização que não a vizinhança imediata do empório. E não apenas por ficar em um ponto mais acessível aos fornecedores, mas, principalmente, porque assim proporcionará a cada família assentada poupar custos de deslocamento correspondentes à possibilidade de dirigir-se regularmente a ambos os estabelecimentos em uma única viagem.

O custo de deslocamento não incorrido pelo conjunto dos residentes em viagens exclusivas a um e outro estabelecimento - e não imediatamente gasto como renda de aluguel - poderá então se converter em receita adicional para o empório (a) e a botica (b) e, por extensão, para todos os demais estabelecimentos e prestadores de serviços - a padaria (c), o barbeiro (d), o dentista (e), o armarinho (f) - que vierem a se instalar naquilo que, a partir de certo grau de expansão da comunidade e aglomeração das firmas, chamar-se-á "centro urbano”.
A rápida expansão radial-concêntrica do assentamento e a concomitante formação do centro urbano, que marcam a transição do núcleo rural à categoria de “cidade”, trarão consigo a desigualdade sócio-espacial: nos termos do modelo, as famílias recém-chegadas à cidade terão de se assentar em anéis mais afastados do centro urbano, com maior dispendio de tempo improdutivo, portanto menor rendimento, menor poder de consumo e menor capacidade de oferta de renda pela moradia. Os alugueis residenciais diminuirão com a distância ao centro, onde, por outro lado, tenderão a residir os próprios comerciantes e prestadores de serviços. O barateamento dos produtos da indústria proporcionará às famílias trabalhadoras originalmente assentadas nas imediações do centro um pequeno excedente de consumo disputado ao aumento relativo dos alugueis. Novos empregos serão gerados no comércio, serviços e pequena indústria centralmente localizados e, a certa altura do processo de expansão, sobrevirá o gasto monetário dos trabalhadores periféricos com serviços de transportes. A acessibilidade das firmas aglomeradas no centro urbano lhes proporcionará, então, o benefício adicional da máxima oferta de mão de obra ao mínimo custo de transporte, fatores de estabilização do preço da força de trabalho, consequentemente de elevação paulatina e sustentada dos lucros e, com eles, também dos alugueis comerciais. A resultante valorização dos sobrados centrais levará à migração residencial das famílias dedicadas ao comércio e serviços para localizações circundantes ao centro urbano, dando início ao processo de formação de bairros socialmente diferenciados.
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Chamo de economia primária de aglomeração o benefício que a contiguidade proporciona às firmas de comércio e serviços de varejo por efeito da conversão dos custos diretos e indiretos de deslocamento poupados aos residentes de um assentamento urbano em gastos de consumo. À minimização do dispêndio coletivo com deslocamentos proporcionado pela disposição radial-concêntrica do assentamento corresponde - descontada a renda paga em aluguéis - a maximização das receitas do comércio e serviços de varejo aglomerados em seu centro.

Custo (poupado) da distância e economia (primária) de aglomeração aqui se apresentam, pois, como categorias econômico-espaciais inter-relacionadas, as duas faces, ou dois aspectos indissociáveis, do fenômeno da centralidade em um ambiente urbano, cujo fundamento é a relação espacial mutuamente vantajosa que estabelecem entre si os residentes urbanos e os fornecedores de bens e serviços de varejo.

Movidos por seus interesses particulares, residentes e comerciantes / prestadores de serviços geram um arranjo espacial que assegura de um lado o menor custo coletivo de deslocamento e, de outro, o maior ganho coletivo de localização: do lado dos residentes-demandantes uma distribuição de configuração radial-concêntrica ao redor dos varejistas, do lado dos varejistas a aglomeração no centro da rede radial-concêntrica - conectando-se os dois lados dessa equação sócio-espacial em permanente desequilíbrio por meio de corredores de acessibilidade.

Ao passo que os residentes buscam, pela via da proximidade aos estabelecimentos principais, minimizar seu custo individual de deslocamento, os varejistas de bens e serviços buscam, por meio da aglomeração no centro da rede, capturar a maior parte possível da economia coletiva em custos de deslocamento - disputando-a aos proprietários do solo, que a exigem como renda de aluguel - para convertê-la em consumo das famílias, consequentemente em lucro comercial. O lucro comercial excedente assim gerado tenderá, por sua vez, a ser convertido em renda de aluguel econômica e espacialmente concentrada.

Rendimentos disponíveis “não imediatamente gastos em renda de aluguel” supõem que, numa comunidade urbana em expansão com economia em crescimento, a renda extraída pelos proprietários do solo-localização nunca poderá, por mais que o persigam, zerar o saldo de consumo (aquele que excede as necessidades básicas) da totalidade das famílias tampouco o lucro econômico (aquele que excede o lucro médio) da totalidade das firmas.

A aglomeração central, vale dizer à menor distância agregada dos residentes, aparece, assim, ao comércio e serviços de varejo, como exigência incontornável da competição com a propriedade fundiária pela captura dos saldos de rendimento das famílias.

No conjunto, a disposição radial-concêntrica dos residentes-demandantes ao redor do aglomerado de varejistas opera como acelerador do consumo de bens da agricultura e da indústria, portanto do crescimento econômico em um regime de mercado, tanto mais necessária quanto menor for a produtividade do trabalho e o nível dos salários e tanto mais vital quanto mais pesado for o ônus do aluguel sobre os rendimentos das famílias e os lucros do varejo.

Generalizando, podemos chamar de economias primárias de aglomeração os benefícios econômicos recíprocos, e seus efeitos sobre o desenvolvimento econômico, que a minimização da distância agregada proporciona a residentes e varejistas de um assentamento urbano, aos primeiros como maximização do poder de compra, aos segundos como maximização das receitas, portanto dos lucros.

Fosse a cidade mero espelho, ou materialização instantânea e imutável, desse arranjo ótimo e mutuamente vantajoso entre um pequeno número de assentados e seus respectivos varejistas e prestadores de serviços, essa seria a configuração urbana mais eficiente do ponto de vista econômico - o "plano urbano da mão invisível do mercado" -, cujo conteúdo já apareceria, aliás, como manifestamente social.
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A hipótese sócio-histórica derivada do modelo econômico-espacial aqui proposto é a de que a interdependência entre o custo coletivo da distância e a economia primária de aglomeração, assim como a configuração espacial radial-concêntrica que corresponde a essa relação, subjazem ao desenvolvimento de qualquer cidade na época moderna [2] ainda que não se apresentem, em sua forma pura, em nenhuma, dentre outras razões a de que os processos urbanos reais, além de infinitamente mais complexos e contraditórios do que se pode representar em um modelo, se desenvolvem num ambiente espacial de grande rigidez e longa duração - fisiografia, estrutura parcelária, arruamento, casario - herdado da natureza e das épocas precedentes.

Como qualquer outro modelo de estrutura e/ou expansão urbana, este é uma reconstrução idealizada de fragmentos de realidade que o autor supõe existir, ou ter existido, em uma certa coleção de cidades em dada etapa ou trânsito de seu desenvolvimento histórico. A identificação e concatenação desses fragmentos é, portanto, o desafio que se apresenta à continuidade da pesquisa.



Apontamentos: HURD 1903 - crescimento urbano axial e central
Texto originalmente postado neste blog em 15-03-2023 

Para além da imensa riqueza de observações históricas, geográficas, urbanísticas e até arquitetônicas que este profundo estudioso do parque imobiliário das grandes cidades estadunidenses de inícios do século XX tem a oferecer, e que justifica por si só a leitura atenta do material aqui reunido, o postulado de que o crescimento das cidades se dá necessariamente sob aquelas duas formas combinadas é, provavelmente, a mais instigante e profícua contribuição de Hurd ao estudo da organização espacial urbana.

Vejo-o como uma promissora pista para avançar no entendimento da relação entre “centro” e “periferia”, ou da estrutura tendencialmente radioconcêntrica da cidade moderna e contemporânea, cronicamente obscurecida pela noção intuitiva e geralmente aceita de que a cidade se expande a partir de um centro axiomaticamente estabelecido. 
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Em sua obra magna de 1998 Espaço Intra-Urbano no Brasil [1] (Cap. 10, Os centros principais), Villlaça observou a impossibilidade lógica e histórica de um centro que pré-existe à sua própria periferia, e vice-versa, contradição que se apresenta já em 1925 na descrição feita por Burgess daquele que veio a ser conhecido como “o modelo de estrutura urbana em círculos concêntricos”:

Esta figura é uma representação ideal da tendência que tem toda cidade de se expandir radialmente a partir de seu distrito central de negócios – no esquema, ‘The Loop’ (I). [2] 

O problema reaparece, na década de 1960, no modelo alonso-thuneniano da economia espacial, tal como apontado pelo professor Correia da Silva, da Universidade do Porto, num trabalho de doutoramento do ano de 2004 intitulado “Space in Economics — A Historical Perspective”:

A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Um defeito [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market].[3]

Com uma redundância descritiva que talvez não seja casual, Batty assim expressa, em recente artigo aqui divulgado sobre as cidades lineares, 

“As cidades tendem a crescer ao redor de algum centro, em zonas concêntricas de uso do solo ordenadas de acordo com sua capacidade de pagar aluguel [ofertar renda], ligadas ao núcleo por meio de rotas radiais bem definidas que convergem para o centro”.[4]

Em contraste, e ainda que não se pretenda uma teoria da configuração radial-concêntrica da cidade moderna, o crescimento urbano simultaneamente “axial” e “central” a partir do ponto de origem postulado e descrito por Hurd em 1903 estabelece uma clara relação de reciprocidade e interdependência espacial, não valorada por ele em termos monetários mas inegavelmente econômica, entre centro e periferia, representados pelo comércio de varejo e pelos residentes urbanos que dele dependem para se prover de bens e serviços. Trata-se, para os varejistas, antes de mais nada, de se agrupar no “lugar que mais convém aos clientes” para "assegurar-lhes que não deixarão de encontrar aquilo de que precisam".

O ponto de vista das firmas de varejo, neste caso, aponta para o que veio mais tarde a ser batizado na teoria econômica como “economia de aglomeração”, porém com um conteúdo distinto. Não se trata de externalidades positivas da concentração geográfica para as firmas individualmente consideradas, mas de benefícios coletivos diretos para o comércio de varejo agrupado no lugar mais conveniente ao conjunto das famílias do assentamento urbano: "os lojistas não se aglomeram para comerciar uns com os outros, mas para poupar aos seus potenciais fregueses os inconvenientes [custos diretos e indiretos] de buscar o que precisam em lojas dispersas pela cidade. O fato de uma loja atrair o freguês e outra fazer a venda tende a ser compensado, no longo prazo, pelo intercâmbio de fregueses”.

Significa que as famílias precisam residir o mais próximo possível do comércio tanto quanto as firmas precisam se estabelecer à menor distância agregada possível das famílias.

O assentamento dos residentes ao longo dos eixos radiais e suas adjacências, sempre o mais próximo possível do centro da rede, e a aglomeração dos varejistas no assentamento original e segmentos radiais contíguos aparecem, portanto, como manifestações economicamente interrelacionadas do mesmo fenômeno quintessencialmente urbano da aglomeração em geral. Toda a cidade é aglomeração.

Vale recuperar aqui a noção hurdiana de “crescimento urbano simultaneamente axial e central, em todas as direções a partir do ponto de origem” não do centro da cidade, que ainda está por se formar. A formação do centro urbano como desdobramento histórico do assentamento resulta de um processo de “contínua especialização nos negócios e diferenciação nas classes sociais”, que começa com “a separação de comércio e residência”, originalmente unidos em edificações de altos e baixos agrupadas junto aos elementos primordiais: embarcadouros, encruzilhadas, travessias fluviais etc. Ao passo que “mesmo nos menores povoados é vantajoso para as poucas lojas existentes estar aglomeradas”, as novas residências buscam a periferia imediata do assentamento, "onde os preços do solo são mais baixos", porém à menor distância possível dos comércios “para que os lojistas possam se deslocar a pé até o trabalho”. "Com o crescimento da cidade, a tendência é a concentração dos negócios no núcleo comercial e a dispersão periférica das residências ao longo dos eixos radiais. Toda expansão periférica será acompanhada de uma correspondente adaptação do centro de negócios."

Esses fragmentos reunidos compõem uma razoável descrição de como se dá o processo de especialização espacial pelo qual as residências formam a(s) periferia(s) urbanas e os negócios o centro e os subcentros. 

Aqueles dois tipos interrelacionados de economia de aglomeração poderiam, consequentemente, ser ditos primários, de natureza 100% social, explicativos da configuração geral e da dinâmica expansiva das cidades modernas, ao passo que as economias de aglomeração descritas e estudadas no âmbito da economia neoclássica, como os benefícios privados do agrupamento de fábricas em distritos especializados, do varejo em shopping centers e dos bancos no centro financeiro, seriam formas específicas que poderíamos considerar secundárias, ou derivadas. A metrópole capitalista não surgiu da fábrica, do shopping center, nem da Bolsa: tipicamente, ela expandiu e reconstruiu, de acordo com suas necessidades, a própria "cidade moderna", definida por Park como sendo, antes de tudo, um “lugar de trocas, que nasceu e cresceu ao redor do mercado”. [5] A propósito, cabe registrar aqui a forma como Borrero Ochoa (2018), com base em Camagni, descreve a relação entre o "princípio da aglomeração" e o desenvolvimento das cidades: 

“O princípio da aglomeração nasce nas aldeias rurais e povoados que vivem dos camponeses ou agricultores da região. (..) aos domingos, dia de descanso, o comércio e praças de mercado desses povoados se abrem para que os habitantes rurais venham comprar alimentos, insumos agrícolas e buscar serviços de saúde ou mecânica automotriz. (..) Assim se desenvolve uma cidade a partir de um pequeno povoado dotado de certa dinâmica econômica. [6]

A hipótese de uma relação quantitativa, vale dizer monetária, entre aqueles dois tipos interdependentes de economias de aglomeração teria, naturalmente, de levar em conta a parte dos rendimentos das famílias e do lucro das firmas de varejo que a propriedade da terra reclama como renda de aluguel, aquela tanto maior quanto menor a distância ao núcleo varejista, portanto inversamente proporcional ao custo de deslocamento, e esta tanto maior quanto menor a distância agregada ao conjunto das famílias residentes, vale dizer mais próximo do centro geométrico da rede. Não tenho a pretensão de desenvolvê-la. Basta-me aqui referir que a redução do poder de consumo dos residentes por aumento de distância ao centro comercial, e consequente gasto de transporte, além de imediatamente dedutível dos efeitos de curto prazo das políticas contemporâneas de “tarifa zero” nos transportes urbanos, é uma restrição logicamente inquestionável da teoria dos lugares centrais de Christaller (1933):

"Assim, um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distancia, causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central." [7]

O postulado hurdiano do “crescimento urbano em todas as direções, simultaneamente axial e central”, parece reforçar a hipótese, avançada em artigo já publicado neste blog, [8] de que a estrutura da grande cidade moderna é um arranjo sócio-espacial derivado da disputa incessante entre consumidores e fornecedores por vantagens individuais de localização, sim, de tal maneira, porém, que à economia coletiva do “crescimento residencial axial regulado pelo princípio da [máxima] acessibilidade”, que traduzo como mínimo custo generalizado de deslocamento ao(s) aglomerados(s) comercial(is), corresponde, descontado o montante pago em aluguéis, o benefício coletivo do “crescimento central dos negócios regulado pelo princípio da [máxima] contiguidade [proximity]", que se traduz em menor distância agregada ao conjunto das famílias.

Das vantagens recíprocas, indicadas por Hurd, da localização relativa das famílias e firmas na cidade em expansão, vale dizer do crescimento urbano simultaneamente “axial” e “central”, podemos derivar a hipótese de que a configuração tendencialmente radial-concêntrica das cidades modernas resulta de um princípio de economia de aglomeração generalizado e socialmente construído, algo como o yin-yang da cidade capitalista, em que o “crescimento axial” é a forma de aglomeração própria dos residentes, que minimiza os custos coletivos de deslocamento, e o “crescimento central” a forma de aglomeração própria das firmas, que converte a economia coletiva das famílias em lucros comerciais (e industriais), primeiro sob a forma elementar da maximização das vendas de varejo e, logo, sob a forma complexa da maximização da mão de obra disponível ao mínimo custo de transportes, vale dizer do barateamento relativo da força de trabalho.

fundamento da configuração tendencialmente radio-concêntrica da cidade capitalista madura é, portanto, o próprio processo de produção-distribuição-consumo de bens e serviços. As famílias se aglomeram o mais próximo possível dos fornecedores e empregadores, e estes o mais próximo possível do conjunto das famílias, para obter o maior benefício, respectivamente, de seu trabalho e de seu capital - sujeitando-se, por conseguinte, a pagar mais aluguel. Espécie de imposto privado sobre o privilégio de ocupar as localizações urbanas mais centrais e proveitosas, a renda da terra urbana opera, como eficazmente demonstrado pelo modelo alonso-thuneniano da distribuição dos distintos usos, como dispositivo de medição e regulagem de sua escassez constitutiva. 

Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas e prestadores de serviços ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radioconcêntrica das cidades em expansão, é, em si mesma, um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar e expandir - a ponto de produzir o seu contrário, vultosas deseconomias sociais - a organização espacial intrinsecamente desigual da grande metrópole contemporânea. 



Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese (2)
Publicado neste blog em 28-01-2024

Esta contribuição trata do fundamento, do mecanismo e da gênese da centralidade urbana na formação social capitalista. O leitor deve julgá-la como atualização de uma investigação em andamento: mais desenvolvida que o primeiro artigo da série [1], porém ainda essencialmente exploratória, cheia de lacunas a serem preenchidas e, principalmente, de ideias a serem corrigidas e precisadas. Muitas passagens deste texto foram extraídas, na íntegra ou com modificações, de postagens já publicadas neste blog.

*

Apesar de onipresente em nossa experiência de vida a ponto de parecer um fenômeno supra-histórico, a centralidade se manifesta na cidade capitalista de uma forma peculiar, distinta de todas as urbanizações do passado. [2] [2a] 

A expansão tendencialmente radioconcêntrica, lei espacial constitutiva da urbanização capitalista, não foi instituída por nenhum sábio, plano, parlamento ou governo: habita o cerne da economia do espaço urbano contemporâneo e é o seu modo de ser. Pode-se interpretá-la como uma contração econômica do espaço natural, tanto mais clara e intensa quanto mais desenvolvida e integrada é a produção, circulação e consumo de bens e serviços - incluídos o parque edificado, instalações e sistemas urbanos [3] - à economia de mercado.

Na cidade capitalista, centralidade implica escassez de solo apropriável para fins urbanos, uma forma de escassez que resulta da competição generalizada entre assalariados, autônomos, especialistas, comerciantes, industriais e banqueiros pelas localizações economicamente mais vantajosas e que, por isso, se sobrepõe a todas as suas formas particulares - escassez por restrições normativas ao uso e edificabilidade do solo, escassez por deficiência de urbanização e serviços públicos, escassez por incompatibilidades raciais, sociais e étnicas.  

A configuração tendencialmente radioconcêntrica da urbe capitalista é a expressão geográfica da escassez econômica do solo criada pela circulação generalizada de mercadorias. 

Contudo, não se encontram textos de economia, geografia e história urbana que tratem da centralidade como fenômeno histórico, isto é, dotado de distintos conteúdos em distintas formações sociais em distintas fases do desenvolvimento das forças produtivas humanas.

Na historiografia do próprio urbanismo, o “centro” da cidade contemporânea é, via de regra, assimilado ao seu marco fundacional[4], a despeito de, no caso brasileiro por exemplo, a sua gênese ser um fenômeno característico dos anos 1870-1930: até então, o que hoje chamamos “centro” era a “cidade” herdada da economia mercantil-escravista colonial por oposição ao campo circundante [4a], com elementos de centralidade relativamente dispersos - cais, sé, palácio, alfândega, mercado, comércio - este último quase sempre identificado pela rua onde as famílias da aristocracia, dos dignitários do Estado e dos comerciantes ricos ensaiavam os primeiros passos da “sociedade de consumo”. 

A hipótese

Os paradigmas urbano-espaciais herdados do século XX, a saber, a série de três modelos geográficos postulados por Harris e Ullman em 1944 (Círculos Concêntricos / Burgess 1925, Setores de Círculo / Hoyt 1933 e Núcleos Múltiplos / Harris e Ullman 1944) e a síntese alonso-thuneniana da economia espacial neoclássica (Alonso 1964), baseiam-se todos em uma concepção axiomática e a-histórica da centralidade urbana - a cidade que se expande, desta ou daquela maneira, a partir de seu centro [5] e os usos e densidades que se distribuem ao redor do centro segundo o princípio preemptivo da maior oferta de renda por m2 de terreno [6]. 

Nesta contribuição eu apresento uma hipótese alternativa, inspirada na concepção hurdiana (1903) de crescimento urbano simultaneamente central e radial a partir do ponto de origem da urbe[7]: a interdependência econômico-espacial entre a aglomeração radial-periférica dos residentes-trabalhadores e a aglomeração central dos fornecedores-empregadores.

Nessa situação de interdependência espacial, a acessibilidade é uma via de mão dupla que carrega significados distintos e complementares para os dois lados da relação, digamos os trabalhadores rurais assentados ao redor de um entroncamento viário e o dono do empório ali localizado. Para os primeiros, menos custo-tempo de deslocamento da família para finalidades diversas, portanto maior disponibilidade de recursos para o consumo; para o segundo, estar à mínima distância agregada do conjunto das famílias e vender um pouco de tudo para que os assentados “não percam a viagem”. Embora possam existir nessa comunidade dois ou três barbeiros de igual competência trabalhando em suas residências, levará vantagem aquele que primeiro se estabelecer ao lado do empório. Logo virão o armarinho, o açougue, o prestamista e outro empório para que o freguês – nas palavras de Hurd - compre no empório B o que não encontrou no empório A, pois no final as perdas se compensarão e ambos venderão mais.[8]

Das vantagens recíprocas, indicadas por Hurd, da localização relativa das famílias e firmas na cidade em expansão, isto é, do crescimento urbano “central” e “axial” simultâneos e interdependentes, eu derivo a hipótese de que a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica das cidades modernas resulta de um princípio de economia de aglomeração generalizado e socialmente construído, algo como o yin-yang da cidade capitalista, em que o crescimento axial é a forma de aglomeração própria das famílias residentes, que minimiza os custos individuais e coletivos, diretos e indiretos, de deslocamento, e o crescimento central a forma de aglomeração própria das firmas, que converte a economia coletiva das famílias em lucros comerciais e industriais, primeiro sob a forma elementar da maximização das vendas e serviços de varejo e, logo, sob a forma complexa da maximização da mão de obra disponível ao mínimo custo de transportes, isto é, do barateamento relativo da força de trabalho.

Toda a urbe é aglomeração, desdobrada pela especialização locacional arbitrada pela renda do solo em duas formas principais, economicamente interdependentes e reciprocamente determinadas: central, típica das firmas, e radial-periférica, típica das famílias.

Circulação de mercadorias, vantagem locacional e renda do solo

A relação fundamental entre o custo da distância e o poder de compra das famílias, além de imediatamente dedutível dos efeitos de curto prazo das políticas contemporâneas de “tarifa zero” nos transportes urbanos, é uma premissa logicamente inquestionável da Teoria dos Lugares Centrais de Christaller 1933:

"(..) um consumidor que tenha de se deslocar a um lugar central para adquirir um bem terá menos dinheiro disponível do que um que viva no próprio lugar central, porque tem de pagar o custo do transporte. Ficará, assim, sujeito a comprar menos. Este efeito de fricção da distância causado pelo custo do transporte (pressuposto 1) provoca o decréscimo da procura com a distância ao lugar central." [9]

Ao passo que as famílias urbanas buscam, pela via da máxima proximidade aos varejistas, prestadores de serviços e empregadores, minimizar seu custo individual direto (transporte) e indireto (tempo de trabalho) de deslocamento, assim maximizando o poder de compra dos rendimentos do trabalho, os negócios buscam, localizando-se à menor distância agregada das famílias, capturar a maior parte possível da economia coletiva em custos de deslocamento - disputando-a aos proprietários do solo, que a reclamam como renda de aluguel - para convertê-la em consumo imediato e barateamento mediato da força de trabalho, consequentemente em lucros comerciais e industriais maximizados, sobre os quais incidirão os correspondentes acréscimos de renda fundiária.

À minimização do dispêndio coletivo com deslocamentos proporcionado pela disposição radial-concêntrica do assentamento corresponde, portanto, descontada a renda fundiária embutida nos aluguéis, a maximização, em quantidade e velocidade, das receitas e lucros do comércio, serviços e pequena indústria aglomerados em seu centro - e dos negócios em geral. As famílias se aglomeram o mais próximo possível dos fornecedores e empregadores, e estes o mais próximo possível do conjunto das famílias, para obter o maior benefício, respectivamente, de seu trabalho e de seu capital - sujeitando-se, por conseguinte, a pagar renda do solo proporcional às suas respectivas vantagens locacionais. São esses benefícios diretos que chamo economias primárias de aglomeração.

Sustento que o mecanismo explicativo da dinâmica tendencialmente radioconcêntrica da expansão da cidade capitalista, portanto da formação da centralidade urbana moderna, é a conversão da economia coletiva em deslocamentos não capturada pelos alugueis em receitas comerciais e barateamento da força de trabalho, cabendo à renda arbitrar a sua ocupação e uso em favor das maiores ofertas dentro de limites dados pelo valor da vantagem locacional. Assim se separam as residências do comércio, se designam os melhores setores pericentrais aos residentes mais abonados e se destina o hipercentro da rede urbana aos negócios mais rentáveis. 

A hipótese do equilíbrio econômico baseado nos custos constantes de localização (transporte + aluguel, Wingo 1961) [10] é uma brilhante especulação teórica baseada no trade-off thuneniano entre o custo de transporte e a renda da terra agrícola, mas, como todo modelo, limitada por suas premissas simplificadoras:

numa comunidade urbana em expansão com economia em crescimento, barateamento relativo dos bens de consumo e aumento do poder de compra dos salários, a renda extraída pelos proprietários do solo-localização nunca poderá, por mais que eles o persigam, zerar o saldo de consumo (aquele que excede as necessidades de reprodução da força de trabalho) da totalidade das famílias, tampouco o sobrelucro (aquele que excede o lucro médio) da totalidade das firmas. Do contrário, seria impossível o crescimento econômico numa sociedade urbana em formação, ainda não marcada por significativos excedentes de rendimento.

É certo que, com o advento de uma vasta classe média na segunda metade do século XX, muito especialmente nos Estados Unidos - não por acaso a circunstância em que William Alonso libertou a teoria da localização residencial do custo dos transportes -, as vantagens econômicas individuais da localização residencial pericentral passaram, em certa medida, de imperiosas a relativamente elegíveis, generalizando-se a opção preemptiva dos mais abonados, via oferta de renda, pela periferia urbana servida por rodovias, vale dizer por aquilo que a economia espacial neoclássica chama de “consumo de espaço”. 

Não decorre daí, porém, que a lei fundamental da espacialidade urbana capitalista - a configuração que minimiza o custo agregado dos deslocamentos, acelera o consumo, barateia a força de trabalho e, em consequência, cria gradientes de valor de localização baseados na distância ao centro da rede - tenha perdido a validade. Para os proletários, a máxima proximidade do centro urbano continuou sendo, em todos os países, uma necessidade vital apesar do ônus do aluguel - e tanto mais vital quanto mais pesado esse ônus -, gerando as elevadas densidades das favelas, cortiços e edifícios degradados dos centros urbanos e setores pericêntricos não reclamados pelos mais afluentes; além disso, não seria difícil demonstrar que, entre opções suburbanas similares, mesmo os segmentos médios tenham continuado a preferir aquelas de menor distância aos centros de comércio e serviços especializados, empregos e negócios em geral.

A renda da terra atua na configuração da cidade capitalista arbitrando a competição espacial a favor das maiores ofertas, o que conduz à especialização espacial dos usos e, com ela, à divisão da aglomeração urbana em duas categorias fundamentais, economicamente interdependentes: negócios e residências ou, na linguagem preferencial da ciência econômica, firmas e famílias.

É como "marcador" da escassez relativa de solo - adaptado aos requerimentos da economia do consumidor - que a renda aparece na moderna teoria da localização para descrever a distribuição dos usos e densidades ao redor do "centro," mais exatamente de um ponto sem dimensão axiomaticamente dotado de atributos da moderna centralidade urbana e que comanda a maior renda da cidade. [11] 

No que concerne, porém, à estrutura ou rede espacial em que se distribuem esses usos com base na oferta de renda, considero válida, e crítica, a ressalva de Correia da Silva 2004:

A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Uma falha [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market]. [12]

 

A centralidade como fenômeno histórico 

Em seu clássico texto de 1971 intitulado “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City” [12a], Vance parece ter sido o primeiro a explicitar, sem discuti-la em termos teóricos, a noção de que a cidade capitalista é um fenômeno históricoqualitativamente distinto da cidade feudal que a precedeu. Para ele, “o advento da renda imobiliária urbana como fonte de riqueza pessoal, produto do desenvolvimento do sistema capitalista, transformou fundamentalmente a morfologia da cidade”.[13] 

Meu ponto de vista é algo distinto. Considero que o fundamento da cidade capitalista por oposição à feudal é a nova riqueza extraída do mais-trabalho assalariado criador de mercadorias, sem a qual não haveria a moderna renda imobiliária urbana, tampouco a sub-classe dos rentistas. Minha hipótese é que a livre circulação de mercadorias - força de trabalho incluída - e a consequente onipresença do mercado gerou, no meio urbano herdado do passado feudal, uma nova dinâmica espacial baseada na vantagem econômica da mínima distância-custo entre residências e negócios (comércios, serviços e pequena manufatura), socialmente materializada na expansão tendencialmente radial-concêntrica da cidade moderna. 

Numa formação social em que a imensa maior parte dos bens e serviços necessários à manutenção da vida são produzidos à base do trabalho assalariado para venda no mercado, não para o autoconsumo, isto é, são mercadorias e só como tal podem ser obtidos e consumidos, a compra-venda generalizada de mercadorias e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, vale dizer com compradores e vendedores espacialmente dispostos à menor distância-custo uns dos outros, fez surgir uma dinâmica espacial urbana até então desconhecida. 

Não sendo possível estarem todos no mesmo lugar, a competição espacial passou a ser arbitrada pela capacidade que tivesse cada competidor de pagar pelo direito de ocupar a terra-localização, segundo a regra da interdependência espacial dos usos. A vantagem locacional de uma família não provém, primordialmente, de estar perto de outras famílias: cada família deve estar o mais próximo possível dos fornecedores de bens e serviços e das oportunidades de trabalho. A vantagem locacional das lojas e manufaturas tampouco provém, primordialmente, de estarem perto de outros negócios, mas à menor distância agregada possível do conjunto das famílias: as lojas para maximizar as vendas, as manufaturas para maximizar a disponibilidade de força de trabalho - ao mínimo custo de deslocamento nos dois casos.  

Comércios e manufaturas exerceram o seu poder de preempção (maior capacidade de ofertar renda) aglomerando-se no ponto mais acessível da urbe pré-existente, ou em formação, restando às famílias trabalhadoras se distribuírem ao longo dos acessos principais a esse ponto e suas ramificações, num ritmo determinado, antes de tudo, pela força inercial do estoque imobiliário e pela escassez de capitais. Assim surgiram o centro, a periferia e a expansão tendencialmente radioconcêntrica da cidade. A valorização da localização central implicou a saída paulatina das residências dos próprios lojistas para a periferia, consolidando a especialização comercial do centro e residencial da periferia. Seguiu-se a hierarquização desses mesmos usos: os negócios mais rentáveis no polo financeiro [14] e as famílias mais abastadas nas periferias mais amenas e urbanizadas. 

A urbe capitalista se distingue, pois, por uma nova forma histórica de centralidade: em lugar da “cidade” feudal e colonial por oposição ao campo circundante, com funções centralizadoras múltiplas e relativamente dispersas - cais, castelo/palácio, sé, mercado temporário sujeito a regras e obrigações senhoriais -, [15] forma-se o “centro” propriamente dito, permanente, especializado em negócios e eventualmente replicado em subcentros, por oposição à periferia eminentemente residencial. 

Assim como a classe dos rentistas urbanos não pode surgir da mera propriedade plena da terra (como explícito em Vance), tampouco a centralidade capitalista pode ter por fundamento a renda que se paga para ocupá-la (como implícito em Alonso). Imaginar que a cidade se estrutura a partir da renda do solo equivale, digamos, a supor que a economia em geral se estrutura a partir dos impostos. A renda é benefício exclusivo dos proprietários da terra urbana - agentes econômicos livres de vínculos de dependência espacial com todos os demais - em detrimento do nível de consumo das famílias e da lucratividade dos negócios; é o tributo que pagam, aos proprietários do solo, os residentes e os negociantes pelas respectivas vantagens individuais de localização numa formação social em que a riqueza provém da produção, circulação e consumo de mercadorias. 

A organização espacial urbana capitalista pode ser descrita como uma engrenagem em que o mercado de bens, serviços e força de trabalho é a força motriz, a interdependência espacial dos usos o dispositivo regulador e a oferta de renda fundiária o medidor da escassez relativa de solo-localização e árbitro do direito à sua ocupação. 

Com a estabilização da formação capitalista e o forte crescimento das classes médias dos países desenvolvidos - inclusive os derrotados na guerra recém-finda - na segunda metade do século XX, a força motriz da moderna organização espacial urbana - o mercado generalizado e permanente de bens e serviços - tornou-se uma entidade tão natural e avassaladora quanto o espaço euclidiano em que vivemos e nos relacionamos socialmente. Tal como a noção de “centro urbano”, a “metrópole-mercado” que lhe é subjacente assumiu também o aspecto de fenômeno supra-histórico. 

A interdependência espacial dos usos do solo é um dispositivo regulador tão estável quanto o próprio mercado, em conteúdo, mas sujeito a importantes alterações geográficas por conta das tecnologias disponíveis - como nos ciclos históricos da localização industrial, nos ciclos de suburbanização residencial à base de trens, bondes, ônibus e automóveis, na formação dos hipercentros metropolitanos dominados por arranha-céus, na multiplicação dos shopping-centers de acesso automotivo e, muito recentemente, na crise combinada das lojas de frente de rua e dos espaços empresariais centrais por efeito do e-commerce e do home-office. 

A renda da terra, por sua vez, assumiu um protagonismo quase absoluto como organizador da cena espacial urbana devido à mudança permanente, nas grandes metrópoles - onde se cria e consome a imensa maior parte da riqueza planetária - das vantagens relativas das localizações para cada tipo e classe de uso do solo tal como percebidas por populações em acelerado processo de mobilidade social e respectivos fornecedores de bens e serviços. Junte-se a isso o fato de ter se tornado, em parceria com a promoção imobiliária e, mais recentemente, com a “indústria” dos títulos de dívida, um dos mais importantes e lucrativos mercados de nossa época.

*

Propor a interdependência econômico-espacial entre o aglomerado central de negócios e o aglomerado periférico de residentes como motor da dinâmica urbana capitalista não significa, porém, supor que tal dinâmica se apresente da mesma maneira em qualquer tempo e lugar. Devido ao caráter desigual, no espaço e tempo, do desenvolvimento capitalista, ela há de ter ritmos e etapas condizentes com as circunstâncias sócio-históricas em que se constrói a cidade: como lenta transformação do burgo feudal europeu, como expansão e reconstrução relativamente rápida da cidade colonial hispano-americana, como nascimento ex novo da cidade de fronteira estadunidense. 

Embora o estudo combinado dessas três formas históricas e suas variantes seja necessário para a compreensão da estrutura espacial da cidade capitalista, é da longa transição do burgo feudal europeu que se podem extrair os indícios de como se deu, originalmente, o entrelaçamento dos processos envolvidos na sua formação: especialização do comércio de varejo, localização das primeiras manufaturas, fixação locacional do núcleo de negócios, formação dos gradientes de valor da terra, rearranjo do estoque residencial em função do núcleo comercial e manufatureiro, separação de comércio e residência, incorporação da periferia rural imediata etc.

Um esforço de síntese 

(1) Na nova formação social em que a riqueza provém da produção, comercialização e consumo generalizado de mercadorias, os varejistas e, num primeiro momento, também os manufatores, tendem a se aglomerar no ponto mais acessível dos assentamentos urbanos herdados do passado feudal / colonial - aquele que minimiza a distância agregada aos potenciais trabalhadores / consumidores - para maximizar as vendas e a disponibilidade de força de trabalho.

(2) Tendo a maioria dos habitantes das cidades se tornado 100% dependente do consumo de mercadorias e da oferta de trabalho assalariado, a população em crescimento é compelida a se assentar à menor distância possível das aglomerações comerciais para maximizar as oportunidades de emprego e minimizar a perda do poder de compra de seus rendimentos correspondente ao custo-tempo de deslocamento dos membros da família para finalidades diversas.

(3) 
Sendo os comércios, serviços e manufaturas mais aptos a ofertar rendas que os residentes em geral e alguns residentes mais aptos a ofertar rendas do que outros, seguem-se as tendências à especialização locacional dos negócios no centro da rede - às expensas do uso residencial sempre que economicamente vantajoso - e à hierarquização da periferia residencial com base na capacidade de pagamento pelas vantagens objetivas e subjetivas das localizações, a primeira e mais duradoura dentre elas a proximidade do centro da rede.

(4) Forma-se, assim, um padrão tendencialmente radioconcêntrico de escassez locacional, tanto maior quanto mais próxima ao ponto mais acessível da rede urbana, que propicia a extração, pelos proprietários das terras, de rendas deduzidas das vantagens econômicas que essas localizações proporcionam aos seus usuários.

(5) A expansão residencial pericêntrica e periférica começa, naturalmente, pelas vias radiais. À medida, porém, que a distância do centro da rede a terrenos intersticiais se torna igual ou menor que às próximas parcelas disponíveis ao longo dos caminhos radiais, inicia-se a ocupação dos setores circulares seguindo ramificações que, com o tempo, tendem a fundir-se em anéis mais ou menos regulares de ocupação ao redor do aglomerado central. A diferença, em termos de acessibilidade, entre as distâncias radiais e rádio-circunferenciais ao centro da rede determina a configuração estelar, por oposição a circular, da urbe em formação.

(6) Desdobra-se, assim, a aglomeração urbana em duas modalidades economicamente interrelacionadas e reciprocamente dependentes: central, típica das firmas, e radial-concêntrica, típica das famílias residentes.

(7) Com o crescimento da população, o aumento da riqueza e o desenvolvimento em geral, formam-se nas grandes cidades, com base nos mesmos princípios antes enunciados, redes mais ou menos superpostas, hierarquizadas e complexas de aglomerados de negócios e entornos residenciais invariavelmente marcados – salvo por efeito de regulações urbanísticas – pela densificação e verticalização decrescentes do estoque edificado.

Conclusão

Tal como até aqui desenvolvida, a hipótese sugere que a interdependência econômico-espacial do que hoje chamamos “famílias e firmas”, determinada pelo advento da produção e circulação generalizada dos meios de produção e subsistência das populações urbanas como mercadorias, seria o princípio explicativo da dinâmica expansiva tendencialmente radial-concêntrica da cidade moderna, portanto da gênese da sua centralidade.

É essa interdependência que fará resultar, da competição espacial generalizada arbitrada pela renda do solo, a estruturação do espaço urbano capitalista em duas categorias principais: os centros e subcentros de negócios (comércio, serviços, indústria leve) e suas respectivas periferias residenciais.

Gerada, sem dúvida alguma, pelas necessidades individuais de trabalhadores, comerciantes e manufatores libertos dos vínculos e obrigações feudais, a dinâmica expansiva radial-concêntrica da cidade capitalista é, no entanto, um resultado que nenhum agente previu ou planejou, e que transcende todas as expectativas individuais: um dispositivo espacial socialmente construído, que minimiza o custo agregado dos deslocamentos, favorece o consumo, barateia a força de trabalho e acelera a realização dos lucros comerciais e industriais.
 

Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas, prestadores de serviços e compradores de força de trabalho, ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radio-concêntrica das cidades em expansão, é em si mesma um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar, diferenciar socialmente e expandir - a ponto de, a partir de certo tamanho, produzir o seu contrário: vultosas deseconomias sociais - a grande metrópole contemporânea. 



A renda da terra e a organização espacial urbana: notas
Postado neste blog em 14-08-2024. Última edição 24-08-2024

A renda da terra urbana é o mecanismo social e juridicamente consagrado 
de arbitragem da competição espacial entre os usuários do solo [1] [2]. 

Não é assim desde sempre, importa dizer, mas desde algum momento, ou etapa, do longo e complexo processo histórico de dissolução das instituições feudais / coloniais, e consequente adaptação das cidades existentes ao sistema capitalista de produção, comercialização e consumo de bens e serviços. Em muitos lugares, por certo, como o Meio-Oeste estadunidense, as cidades já nasceram 'capitalistas'.

Como árbitro da competição espacial urbana, a renda da terra é também, por definição, o melhor descritor de seus próprios resultados, que se apresentam como distribuição das principais categorias - comércio / serviços, residências, indústrias, agricultura - e subcategorias de uso do solo, e respectivas densidades, ao redor dos modernos hipercentro e subcentros urbanos.

Não surpreende, pois, que, 
na ausência de uma teoria amplamente aceita da organização espacial urbana na sociedade capitalista, [2a] o modelo construído por William Alonso
 no início dos anos 1960 
para sintetizar sua teoria do mercado de solo urbano 
[3] - aqui representado pela curva de mercado do tipo 'envelope', de imensa utilidade analítica e didática, é bom que se diga - tenha se tornado, por uma espécie de 'derivação de sentido', o paradigma científico da própria estrutura da cidade moderna a renda da terra adquirido o status de fundamento dessa ordem espacial.

Nasce um novo paradigma
Coube ao próprio William Alonso iniciar essa transposição, num interessantíssimo texto de maio de 1964 [4] em que alerta os defensores da revitalização em larga escala das áreas centrais obsolescentes de Nova York para o provável fracasso de seus planos por não levarem em conta a preferência da imensa maior parte da demanda residencial estadunidense pelos subúrbios - no que estava, a meu juízo, coberto de razão. 

Enveredando pelo terreno da epistemologia, Alonso afirma que aqueles planos se apoiam nas ideias de Haig 1926, Burgess / Park 1925 e Hoyt 1937 [5], todos defensores, segundo ele, de uma concepção insuficiente da dinâmica residencial urbana, que agrupa sob a rubrica de teoria histórica da forma urbana por basear-se na 'passagem do tempo', ou, talvez mais exatamente, nos ciclos da valorização imobiliária - obsolescência, expansão, filtragem, renovação etc. -, ao passo que ele, Alonso, é adepto de uma nova teoria da forma urbana, que define como estrutural porque, embora não exclua a importância relativa dos ciclos, parte do papel das preferências, custos e rendimentos das famílias e firmas demandantes de solo urbano na estruturação do mercado. Para Alonso, sua teoria do mercado de solo urbano - cujo preço é a renda fundiária - é estrutural por definição, isto é, por se basear no mercado, consequentemente “explicativa da forma urbana” [an explanatory theory of urban form].

Outro claro indício dessa mudança de paradigma, e sua origem, é o clássico texto do geógrafo estadunidense J E Vance Jr, de 1971, sobre a adjudicação [assignment] do solo nas cidades pré-capitalista, capitalista e pós-capitalista [6], referência obrigatória nos esforços de investigação da estrutura sócio-espacial das cidades medievais no último quarto do século XX.

Nessa contribuição, em que a única fonte não propriamente histórica citada é, precisamente, William Alonso, Vance propõe que “o aproveitamento [treatment] da terra urbana como fonte de rendimentos privados, trazido na bagagem conceitual geral do sistema capitalista em seu desenvolvimento, transformou fundamentalmente a morfologia da cidade [medieval]”. Em outra passagem, afirma que “a ressignificação da posse da terra urbana, de condição necessária à prática de um ofício a fonte de rendimentos regulares [de uma nova classe de proprietários fundiários], é o traço distintivo da morfogênese da cidade capitalista”. 

Em suma, ao passo que para Alonso a renda da terra urbana é o fundamento da forma - leia-se estrutura, ou organização espacial - urbana [capitalista], para Vance é o seu advento que define a cidade capitalista como histórica e morfologicamente - leia-se estruturalmente - distinta da cidade medieval [feudal].

Discutindo o novo paradigma
Ora, assim como nenhum economista aceitaria a ideia de que os impostos sobre a produção e o comércio são o fundamento da economia de mercado, também o urbanista se pergunta como pode um ônus monetário privado sobre a vantagem de localizaçãocobrado por uma categoria  de agentes econômicos sem quaisquer vínculos de dependência espacial com os usuários do solo - não por acaso referidos na literatura como "proprietários ausentes" - ser o fundamento da ordem espacial urbana capitalista

A questão inescapável é: de onde vem e em que consiste a vantagem de localização? Como ela teria se manifestado para os distintos ocupantes do solo nas etapas formativas das cidades capitalistas, quando rendimentos significativamente excedentes às necessidades básicas de consumo das famílias eram - ao contrário dos Estados Unidos da década de 1960 - privilégio de uma ínfima minoria da sociedade, ao passo que os da imensa maioria eram disputados centavo a centavo com as despesas de transporte e renda de aluguel?

Com apurado senso crítico, o hoje professor Correia da Silva, da Universidade do Porto, apontou, num trabalho de doutoramento do ano de 2004, o calcanhar de aquiles do modelo de Alonso: assumir como dado aquilo que, do ponto de vista da estrutura da cidade moderna, era preciso explicar: a existência mesma do centro comercial urbano. [7]

Com efeito, no modelo de Alonso o centro urbano é um objeto apriorístico, representado por um ponto sem dimensão que contém todos os empregos da cidade e comanda a maior oferta de renda por m2 de solo, parâmetro para todas as demais. [8] Curiosamente, nos termos do próprio modelo, famílias e firmas competem individualmente pela máxima proximidade do centro, as famílias para estar perto das fontes de emprego e as firmas para estar perto... de si mesmas (!) - dado que o centro não é outra coisa que o aglomerado das firmas. 

Pode - cabe indagar - uma teoria explicativa da estrutura urbana contemporânea, ainda que diluída no conceito um tanto vago de “forma urbana”, não explicar a gênese do moderno centro de negócios? E, retornando à dicotomia epistemológica de Alonso, como explicar a gênese do centro comercial urbano capitalista senão com uma teoria que seja ao mesmo tempo estrutural e histórica?

A noção auto-evidente, na ciência da economia espacial, de que as firmas buscam a máxima proximidade do centro 'para maximizar os lucros' [9] contém dentro de si, não sabemos se despercebido ou conscientemente omitido, o fato geográfico capital de que o lugar da rede urbana que mais convém ao comércio / serviços de varejo e pequena indústria é aquele que minimiza o custo agregado, direto e indireto, de deslocamento da população residente para encontrar meios de vida (mercadorias, serviços e empregos) e, por isso mesmo, maximiza o poder de compra da coletividade, em quantidade e velocidade, consequentemente as vendas e os lucros

Assim se manifesta e generaliza, no âmbito da cidade, o princípio do decréscimo da procura causado pelo custo do deslocamento ao lugar central, enunciado por Christaller em 1933 no âmbito de sua Teoria dos Lugares Centrais, [10] mas sistematicamente ignorado, nos trabalhos de economia espacial, em favor da versão urbana do trade-off thuneniano entre o custo de transporte e a renda agrícola.

Reitero a esta altura a hipótese, já apresentada em outras publicações deste blog, de que a aglomeração no ponto da rede urbana mais acessível às famílias é, para o comércio / serviços de varejo e pequena indústria, desde os primórdios da urbanização capitalista, uma necessidade tanto mais crítica quanto mais acirrada é a competição com os proprietários fundiários pelo excedente dos gastos de consumo e deslocamentos das famílias, continuamente gerado, ainda que em pequeníssima escala para cada uma no caso das famílias trabalhadoras, pelo crescimento econômico e consequente barateamento relativo dos produtos da agricultura e da indústria.

Como esboçou o economista-avaliador Richard Hurd em seu livro pioneiro da organização espacial urbana (1903), cada família urbana precisa, para poupar tempo e dinheiro, estar o mais perto possível dos fornecedores de bens e serviços (que são também demandantes de força de trabalho), e a cada fornecedor convém, para maximizar suas vendas, estar no lugar mais acessível ao conjunto das famílias residentes. 

Em face do centro apriorístico de Alonso, é significativo que Hurd, para quem o centro de negócios e a periferia residencial são categorias espaciais economicamente interdependentes e reciprocamente determinadas - na forma do "crescimento urbano central e axial a partir do ponto de origem" -, declare enfaticamente, 60 anos antes, que “o mais importante movimento gerado no processo de crescimento de uma cidade é, provavelmente, a aglomeração dos distintos tipos de negócio em núcleos especializados” - vale dizer a formação do centro urbano contemporâneo. [11] 

Vantagem adicional não menos importante para as firmas, sua aglomeração à mínima distância agregada das famílias passou a representar, com o crescimento econômico, um fator de estabilização do custo da força de trabalho, tanto mais crítico quanto mais a expansão irrefreável das cidades empurrava os trabalhadores para a periferia distante - donde a generalização dos subsídios governamentais aos transportes urbanos.

Uma hipótese alternativa
Deduzo, do aqui exposto, que a força motriz da estruturação do espaço urbano capitalista não é a renda da terra (Alonso 1964), tampouco o ‘custo de atrito’ (renda da terra + transportes) (Haig 1926), mas o próprio mercado de bens de consumo, serviços e força de trabalho, para cujos agentes quaisquer ‘custos de atrito’ representam perdas a serem, o mais possível, evitadas. Não por outra razão, creio, Haig formulou, sem desenvolvê-la, a ideia de que a cidade mais bem-planejada seria aquela que lograsse minimizar o custo de atrito.

Dito de outra forma, o fundamento da moderna espacialidade urbana não é a alocação, com base na oferta de renda, de consumidores individuais de solo-localização em busca da 'máxima satisfação' [12] representada pelas vantagens da proximidade do centro, mas a compra-venda generalizada de bens, serviços e força de trabalho com o mínimo desperdício de recursos, isto é, com compradores e vendedores, sejam firmas ou famílias, situados à menor distância-custo uns dos outros.

Da competição espacial resultante, regulada pela interdependência econômico-espacial dos usos e arbitrada pela renda do solo, teriam surgido, no ponto mais acessível da rede urbana existente, geralmente situado nas imediações do marco fundacional da cidade, o aglomerado de negócios e, ao seu redor, ao longo dos eixos radiais e respectivos setores circulares, o aglomerado das famílias residentes - tendente à dispersão proporcional à distância ao centro da rede -, mais tarde rebatizados, com propriedade, centro e periferia, com suas respectivas diferenciações em termos de classes de rendimento familiar no caso das periferias residenciais e tipologias de negócios no caso do centro e sub-centros comerciais.

Registre-se aqui que a localização da grande indústria não é um fator determinante da estrutura espacial da cidade capitalista. Ao passo que a relação fundamental entre o centro de negócios e a periferia residencial é essencialmente inalterável, a localização da grande indústria, e com ela, naturalmente, a do proletariado fabril e das atividades empresariais de apoio, tem uma movimentada história de ciclos temporais determinados, principalmente, pelas fontes de energia aplicadas aos instrumentos de trabalho [13] e pelas tecnologias e redes de transportes de insumos, produtos e passageiros. [14] Do ponto de vista da grande indústria, coração pulsante do modo de produção capitalista, a relação locacional fundamental é, também, aquela entre as famílias e o comércio / serviços de varejo, determinante para a quantidade e velocidade das vendas que lhe asseguram a realização dos lucros.

É assim que, embora gerada pelas necessidades individuais das firmas e famílias, a dinâmica expansiva tendencialmente radioconcêntrica da cidade capitalista veio a se cristalizar como dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma poderosa ‘máquina de economia social’ a seu serviço, capaz de sobreviver, nessa mesma medida, às enormes deseconomias geradas pelo crescimento incontrolável das metrópoles.

Conclusão
Ainda que indiscutivelmente eficaz para os propósitos com que foi concebida, vale dizer como síntese do funcionamento do mercado urbano de solo-localização e ferramenta para a sua análise, notadamente quanto ao uso residencial, a teoria de William Alonso, por partir de um centro comercial urbano dado, não pode ser considerada explicativa da organização espacial da cidade capitalista num sentido estrutural, para o quê ela deveria ser também histórica: é preciso explicar a gênese do centro comercial urbano, consequentemente da matriz espacial radioconcêntrica, que inexistia ou, no melhor dos casos, era apenas embrionária nas cidades pré-capitalistas medievais e coloniais.

Para o estudioso da estrutura espacial da cidade capitalista, a história de sua centralidade é um tema obrigatório - e fascinante.




Apontamentos: Marshall 1897 e as economias de aglomeração
Publicado neste blog em 09-03-2025

1
Alfred Marshall (1842-1924)
Para os economistas de nossa época, Alfred Marshall é o pioneiro do estudo das economias, ou efeitos, de aglomeração, “uma das mais importantes áreas da economia urbana” segundo o verbete da Wikipedia, “geralmente tratada do ponto de vista da firma, mas também explicativa de fenômenos sociais como a concentração populacional nas cidades e grandes centros urbanos”. [1]

O texto em questão se intitula “A concentração de certos ramos da indústria em localidades específicas” - o termo ‘economias de aglomeração’ ainda não fora inventado -, Capítulo X do Livro IV de sua obra magna “Principles of Economics - An introductory volume”, publicado em Londres no ano de 1897.

Marshall o introduz explicando, nos dois últimos parágrafos do capítulo anterior, que as economias resultantes do aumento da escala de produção industrial são de dois tipos: internas, que dependem da eficiência organizacional e gerencial da própria firma, e externas, que dependem do desenvolvimento geral da indústria e provêm, muitas vezes, “da concentração de pequenas empresas de caráter semelhante em localidades específicas ou, como se costuma dizer, da localização da indústria.”[2]


Do ponto de vista empresarial, economias de aglomeração são, essencialmente, ganhos privados resultantes das vantagens proporcionadas pela vizinhança de outras empresas, tipicamente os modernos distritos industriais e shopping-centers onde empresas se agrupam para dividir os custos dos serviços comuns - tal como ocorre com as famílias residentes em um condomínio de apartamentos.

No âmbito da produção, contudo, essas vantagens podem se manifestar de maneiras muito distintas, como resultado de "movimentos deliberados de grande escala", por certo, mas, de um ponto de vista histórico, como processos não planejados que, à base de “progressos quase imperceptíveis”, geram relações de complementaridade e interdependência espacial capazes de "fixar as empresas por muito tempo no mesmo lugar". [3]

Segundo Krugman, "a maior parte da literatura segue a cartilha marshalliana na questão da localização industrial". Remetendo a Hoover (1848) [3a], ele destaca três tipos de vantagens: a formação de um mercado para trabalhadores com qualificações industriais específicas; a produção de insumos especiais não comercializáveis; e a obtenção de funções de produção melhores do que as das firmas isoladas. [4] Nas palavras de Puga:

Nos últimos 30 anos, economistas urbanos puderam documentar e quantificar essas vantagens (..) relatos das causas das economias de aglomeração são tão antigas quanto a percepção de sua existência. As obras citadas de Smith e Marshall contêm discussões frequentemente citadas sobre as vantagens derivadas da maior especialização propiciada por mercados mais amplos, pelo compartilhamento de fornecedores, pela maior oferta de mão de obra e pela transmissão localizada de ideias. [4a]


2
De particular interesse para os urbanistas nesse capítulo é a notável descrição marshalliana - curiosamente nunca destacada pelos economistas, urbanos inclusive - do processo de substituição, nas grandes cidades inglesas de meados do século XIX, das fábricas até então localizadas 'centralmente', isto é, no recinto ou imediações da cidade pré-capitalista, por firmas de importação e exportação (trading houses), vistas como extensão da atividade fabril na esfera da circulação:
 
As vantagens combinadas da variedade de empregos e da localização em algumas de nossas cidades industriais é uma das principais causas de seu crescimento contínuo. Contudo, o valor das localizações centrais das grandes cidades para o comércio atacadista permite-lhes ofertar rendas fundiárias muito mais elevadas do que podem pagar as fábricas, mesmo levando-se em conta aquela combinação de vantagens. Competição similar se dá, entre empregados do setor atacadista e trabalhadores fabris, pelo espaço residencial. O resultado é que as fábricas agora se concentram não mais nas próprias cidades, mas em suas periferias e distritos industriais vizinhos. [5]

Esse processo coincidiu com uma mudança radical na composição da população urbana da Inglaterra de meados do século XIX, também descrita por Marshall na seção final do capítulo, dedicada ao exame da redução da força de trabalho agrícola.

Para Marshall, essa redução foi acompanhada, nas cidades, não tanto pelo correspondente aumento do emprego fabril, a essa altura já limitado pela intensa mecanização, quanto pela formação de um novo e significativo contingente de empregados públicos e privados, nacionais e locais - no ensino, saúde, administração, segurança, forças armadas - além de um exército de profissionais da medicina, advocacia, contabilidade, artes, engenharia em geral etc.

Dito de outra forma, uma nova classe média urbana surgiu, gerada pelo rápido aumento da riqueza do qual a exportação de capitais e o comércio com as colônias não são aspectos secundários, como se depreende, até pelo menos o ano de 1910, das áreas "Other domestic capital" e "Net foreign capital" no gráfico abaixo, extraído de Piketty. [6]
Pode-se inferir, portanto, do próprio Marshall, que a instalação central das trading houses por ele mencionada é parte de um processo muito mais amplo, que envolve a proliferação, ao seu redor, do comércio de varejo, trazendo consigo um novo contingente de trabalhadores urbanos, uma copiosa coleção de agências bancárias e uma ampla cadeia de serviços profissionais - contábeis, advocatícios, administrativos - demandados pelo atacado, pelo varejo e pelos próprios prestadores de serviços entre si; e coroando tudo isso, as bolsas de mercadorias e valores e as sedes das grandes instituições financeiras - que nas grandes cidades como Londres, Manchester e Liverpool vieram a formar hipercentros altamente especializados.

Em Hurd (1903), encontramos uma interessante descrição do caráter "derivado" da formação dos hipercentros financeiros :


Em muitas modalidades de negócios, a concentração espacial daqueles que os conduzem acaba por cristalizar-se em bolsas de mercadorias e valores, que se convertem em centro do setor [comercial] urbano. Dado que as bolsas são o resultado, não a causa, dos distritos especiais onde estão situadas, devemos olhar para trás em busca das causas da localização das diversas atividades urbanas. [7]


3
Não é outro o fenômeno histórico-geográfico que chamo de ‘revolução capitalista da centralidade urbana’, cuja matriz é a Inglaterra marshalliana, seguida de perto por outras regiões urbanas do mundo norte-atlântico (França, Países Baixos e Estados Unidos).

Aqui, a cidade capitalista se apresenta não como pano de fundo, ou cenário, deste ou daquele ‘efeito econômico de aglomeração’ associado à lucratividade de tal ou qual ramo da indústria, mas como uma nuvem, ou novelo, ela própria, de efeitos econômicos de aglomeração. 

Entrelaçados e superpostos no tempo e no espaço, esses efeitos se apresentam, ainda que desproporcionalmente no que tange às famílias e às empresas, como reciprocamente vantajosos para os agentes individuais envolvidos na teia de interações espaciais da compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que distingue radicalmente a cidade capitalista da cidade feudal.

O capitalismo não inventou a indústria, o comércio, a renda urbana e os efeitos econômicos de aglomeração, tampouco a centralidade em geral e a urbana em particular, mas os revolucionou em benefício de sua consolidação e expansão.


4
Focados na lucratividade da empresa, os economistas em geral, a começar do próprio Marshall, desconsideram o fato de que as economias externas às empresas não poderiam existir se não resultassem em vantagens recíprocas - ainda que assimétricas e inevitavelmente desproporcionais - para os agentes individuais envolvidos.

Como exemplo do caráter recíproco dos efeitos econômicos de aglomeração podemos citar, nos distritos industriais mencionados por Marshall, e por Hobson antes dele, a complementaridade entre os ramos fortemente dependentes da mão de obra masculina, como metalurgia e mineração, e o têxtil, típico empregador de mulheres e crianças, cuja ausência resultaria em “maiores custos de mão de obra para indústria pesada e menores rendimentos para as famílias trabalhadoras”. [8] [8a]

De modo análogo, a primeira das três razões identificadas por Marshall para a concentração espacial de certo tipo de empresas é, segundo Krugman, “a criação de um mercado para trabalhadores com as qualificações necessárias, reduzindo as chances de desemprego [para os trabalhadores] e de escassez de mão de obra [para as empresas]. [9]

Ainda segundo Marshall, “regiões dependentes de uma única indústria ficam mais sujeitas a crises resultantes das flutuações da demanda e do fornecimento de matérias primas”, ao passo que, nos grandes distritos industriais, “as indústrias em dificuldades momentâneas se beneficiam indiretamente da presença das outras enquanto seus empregados continuam se abastecendo no comércio local”. [10]

É significativo que Marshall, ao descrever a ‘substituição competitiva’ das indústrias centralmente localizadas pelas trading houses, não se refira às vantagens da concentração do comércio atacadista nesta parte da cidade, obviamente relacionada aos serviços aduaneiros e portuários, além dos financeiros. E também que não relacione o fato desse comércio trazer consigo uma nova camada de trabalhadores urbanos mais bem remunerados que os fabris às vantagens espaciais recíprocas da oferta de emprego para os trabalhadores e da abundância de mão de obra para as firmas.


5
Significativa, também, da contradição entre o caráter recíproco das vantagens de aglomeração e sua persistente abordagem do ponto de vista exclusivo da empresa industrial, é a ambiguidade que se observa no brevíssimo resumo marshalliano do que já dissera Hobson sobre o comércio varejista:

Até aqui discutimos a localização do ponto de vista da economia da produção. Mas há que considerar também a conveniência do consumidor. Para uma compra rotineira ele irá à loja mais próxima; mas para uma compra importante, ele optará por se dirigir a qualquer lugar da cidade onde existam lojas especializadas. Ou seja, as lojas que vendem artigos caros e opcionais tendem a se aglomerar; as que suprem as necessidades do dia-a-dia, não. [11]

À parte o fato de que as lojas que vendem bens de consumo diário também tendem a se aglomerar - em esquinas estratégicas e vias coletoras dos bairros residenciais - observe-se que Marshall, depois de assumir ter discutido até aqui a localização [da indústria] do ponto de vista da economia da produção, trata da localização do comércio varejista não do ponto de vista da 'economia do varejo', mas… da “conveniência do consumidor”.

No fim das contas, todo o parágrafo é marcado pela sugestão - não explicitada nem desenvolvida - de uma relação inextricável, como dois lados de uma única moeda, entre a localização do comércio varejista e de seus consumidores.

Muito mais sugestiva, eu diria, dos efeitos econômicos envolvidos na relação espacial reciprocamente vantajosa entre a aglomeração do varejo e o parque residencial ao seu redor, portanto de sua relevância na estruturação da centralidade capitalista, é a explicação aportada pelo economista-avaliador estadunidense Richard Hurd em 1903:


Lojistas não se aglomeram para fazer negócios entre si, mas para a conveniência dos fregueses. O principal fator de atração do núcleo varejista parece ser assegurar aos fregueses que não deixarão de encontrar o que precisam. A variedade de produtos à disposição nesse núcleo é normalmente maior do que em todo o resto da cidade, poupando aos consumidores o tempo, o trabalho e a incerteza de buscar em lojas dispersas pela cidade. E ainda que uma loja atraia o freguês e outra realize a venda, no final o intercâmbio de fregueses se compensará. [12]

Essa visão parece adequadamente resumida na abordagem do também economista Hoover, em 1948:

“as cidades (..) devem grande parte de seu crescimento às vantagens do estreito contato entre diferentes tipos de produtores e consumidores.” [13]


6
A vantagem de localização para o varejista consiste, antes de mais nada, em estar no ponto mais acessível da rede urbana, ou de uma parte dela, isto é, de menor distância-custo total de deslocamento relativamente às famílias. A probabilidade de vendas nesse ponto é maior do que em qualquer outro lugar. A vantagem de localização do varejista individual já aparece, aqui, como uma vantagem econômica de aglomeração procedente da concentração espacial não dos próprios varejistas, mas de seus recíprocos na interação espacial - as famílias ao seu redor.

Essa modalidade primária dos efeitos econômicos de aglomeração aparece descrita, como que em estágios sucessivos de desenvolvimento, nas citações seguintes, a primeira de fonte literária, a segunda de origem técnico-científica:

“Depois chegaram os americanos (..). As fazendas proliferaram, primeiro pelos vales e depois subindo pelos contrafortes, pequenas casas de madeira com telhados de sequóia, currais de estacas partidas. (..) Caminhos para as carroças substituíram as picadas, plantações de milho, cevada e trigo expulsaram a mostarda amarela. A cada 15 quilômetros, ao longo das rotas mais percorridas, surgiram um armazém e uma oficina de ferreiro, que se tornaram núcleos de pequenas cidades - Bradley, King City, Greenfield.” [13a]

“O princípio da aglomeração nasce nas aldeias rurais e povoados que vivem dos camponeses ou agricultores da região. Por isso, aos domingos, dia de descanso, o comércio e praças de mercado desses povoados se abrem para que os habitantes rurais venham comprar alimentos, insumos agrícolas e buscar serviços de saúde ou mecânica automotriz. À medida que se amplia o mercado da região, a população oferecerá mais serviços comerciais e produtos importados da grande cidade. (..) Assim se desenvolve uma cidade a partir de um pequeno povoado dotado de certa dinâmica econômica.” [13b]

E dado que a vantagem de localização para um ou dois varejistas seminais vale para outros tantos, dá-se a concentração de varejistas nesse ponto da rede urbana, que lhes proporciona dois outros tipos de vantagem econômica de aglomeração: (1) o incremento das vendas por assegurar às famílias que suas viagens não serão perdidas; e (2) o aumento da oferta de força de trabalho com o mínimo custo de deslocamento e o correspondente impacto sobre o nível dos salários.

A aglomeração do comércio de varejo e serviços pessoais cria, por sua vez, um mercado para prestadores de serviços empresariais que lhes acrescenta um novo tipo de vantagem econômica de aglomeração na forma da economia de custos de contabilidade, advocacia, operações bancárias, manutenção predial etc.


A tais vantagens econômicas de sua própria concentração espacial no que agora é um centro urbano, a aglomeração de varejistas em conjuntos comerciais exclusivos ou compartilhados com escritórios pode acrescentar o rateio de custos de infraestrutura e serviços, próprio dos arranjos condominiais.

Associadas, todas essas vantagens econômicas de aglomeração não-industrial resultam na intensa verticalização dos grandes centros urbanos capitalistas desde fins do século XIX.


7
Dentre todos os efeitos econômicos de aglomeração, ouso dizer que o mais generalizado e duradouro, e por isso mais importante, é justamente aquele que nunca mereceu tal distinção: a tendência expansiva radioconcêntrica (desigual) da cidade capitalista.

Esse efeito, cuja generalidade e duração me sugerem classificá-lo como a lei fundamental da organização urbana capitalista, deriva do fato elementar de que   

o lugar da rede urbana [em formação - ou transformação, no caso da cidade herdada do passado feudal/colonial -] que mais convém ao [comércio atacadista], ao comércio / serviços de varejo e à indústria leve é aquele que minimiza o custo agregado, direto e indireto, de deslocamento da população residente para encontrar meios de vida (mercadorias, serviços e empregos) e, por isso mesmo, barateia relativamente os salários ao mesmo tempo que promove o seu poder de compra, em quantidade e velocidade, consequentemente as vendas e os lucros. [14]

A estabilidade temporal desse efeito de aglomeração estruturador do moderno espaço urbano tem, a meu juízo, relação direta com os benefícios que ele proporciona à formação capitalista como um todo, por mim descritos em um texto anterior da seguinte maneira:

Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas e prestadores de serviços ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radioconcêntrica das cidades em expansão, é, em si mesma, um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar e expandir - a ponto de, a partir de certo tamanho, produzir o seu contrário: vultosas deseconomias sociais - a organização espacial intrinsecamente desigual da grande metrópole contemporânea. [15]

Não fosse assim, como se explicaria a sobrevivência secular desse arranjo espacial numa formação econômica em que "tudo o que é sólido desmancha no ar"? [15a]


É no marco desse efeito de aglomeração de caráter generalizado, consideravelmente estável do ponto de vista histórico, que se desenvolve o autêntico caleidoscópio de efeitos parciais não planejados estudados pelos economistas do século XX. [15b]

Marshall considera que a longevidade de cada um desses efeitos depende das transformações mais ou menos rápidas da tecnologia das comunicações, que traduzo como elevação da força produtiva do trabalho e consequente aumento da riqueza social e dos padrões de consumo pela via da redução das distâncias:

Tudo o que promove o barateamento da comunicação, ou que facilita o livre intercâmbio de ideias entre lugares distantes, modifica a ação das forças determinantes da localização das indústrias. [16]

E ele me parece ter aqui total razão, para bem e para mal. 
Para bem, como indicado acima, acelerando o ciclo da reprodução do capital, portanto a sua acumulação e o aumento generalizado da riqueza social nas etapas iniciais do desenvolvimento capitalista. Para mal, trazendo consigo as manifestações urbanas das forças contraditórias, quando não  autodestrutivas, do capitalismo dos séculos XX e XXI.

Nós, urbanistas, observamos hoje com inquietude que as novas tecnologias não modificam somente “as forças determinantes da localização das indústrias”, no sentido estrito, mas também, e principalmente, as forças determinantes da localização do comércio e dos serviços, portanto do dinamismo dos centros urbanos e, com eles, das próprias cidades tais como as concebemos.

A transformação das economias em deseconomias urbanas de aglomeração não é um fenômeno novo: há muitas décadas ela se manifesta, nas grande metrópoles, como aumento exponencial do preço da terra bem localizada e urbanizada, das distâncias e do tempo perdido em deslocamentos pela população trabalhadora, do custo total dos transportes urbanos e da coleta e destinação dos resíduos sólidos, da poluição do ar e das águas etc.

Contudo, embora ainda distantes de um juízo definitivo sobre o real impacto do trabalho remoto e do comércio digital sobre a vida das metrópoles, o chamado ‘efeito donut’ [17] se nos apresenta como um novo tipo de ameaça - o abandono pelas empresas, e consequente degradação, de um significativo número de edificações comerciais de grande porte, de altíssimo valor fiscal, inaproveitáveis para a habitação em geral e menos ainda para a habitação social; ameaça, numa palavra, de desertificação ou, no melhor dos casos, de precarização em larga escala dos centros das grandes metrópoles.

O esvaziamento dos grandes centros urbanos foi uma hipótese bastante difundida com a chegada, na última década do século XX, da economia digital - que cresceu desde então em ritmo exponencial. Contudo, o "efeito donut" só foi percebido 30 anos depois por força da epidemia de Covid-19, uma circunstância catastrófica externa à vida das cidades. O que me leva a concluir com três indagações. 

Estaríamos no limiar de uma crise generalizada da centralidade urbana capitalista? Seria a crise atual o efeito de vantagens econômicas de desaglomeração para empresas imersas na economia digital? Estarão os grandes centros urbanos irremediavelmente condenados à “síndrome de Detroit”?




A renda da terra e a cidade feudal 
Postado neste blog em 26-11-2024 Última edição em 03-12-204

Em sua célebre contribuição do ano de 1971 intitulada “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”, o geógrafo estadunidense J E Vance Jr (1925-1999) sustenta que o uso, nas cidades do baixo medievo, da renda fundiária urbana como fonte de rendimentos regulares de uma nova classe de proprietários é o marco distintivo do que chama de “morfogênese” da cidade capitalista. [1]

Tendo em vista uma análise desse texto a ser proximamente publicada neste blog, e tomando como premissa a especificidade dos modos de produção feudal e capitalista, as notas que se seguem esboçam algumas ideias sobre a extensão da renda feudal às cidades e sua relação com a indústria artesanal urbana. 
*

A sociedade feudal baseava-se na renda agrícola - em espécie ou tempo de trabalho nas terras do senhor e, mais tarde, também em dinheiro - imposta pela aristocracia guerreira sucessora do colonato romano e das comunidades tribais germânicas, à guisa de estabilidade e proteção, aos camponeses que ocupavam e cultivavam a terra com seus instrumentos de trabalho. A produção agrícola excedente às estritas necessidades dos servos rurais, apropriada pela nobiliarquia fundiária para seu próprio consumo, era a base da riqueza na sociedade feudal.

Em contraste, a sociedade capitalista, gestada durante séculos no seio da sociedade feudal europeia, baseia-se na produção generalizada de mercadorias por trabalhadores livres para vender, em troca de um salário, a sua força de trabalho aos proprietários das instalações, instrumentos e insumos da produção. A base da riqueza capitalista é o mais-trabalho assalariado, vale dizer o valor das mercadorias produzidas que exceda os custos totais de produção, incluídos os salários, apropriado pelos capitalistas como lucro.

Com o ressurgimento das cidades na Europa do século XII - para uns o resultado da riqueza gerada pelo comércio de longa distância, para outros da riqueza criada pelo lento, mas efetivo, desenvolvimento da agricultura feudal entre os séculos VI e XI, e para outros ainda uma combinação das duas coisas [2] -, a renda fundiária estendeu-se ao âmbito urbano [3], para o qual se transferira a produção de utensílios e ferramentas até então limitada aos castelos e monastérios. Com as cidades veio também a necessidade de alimentá-las, consequentemente a permissão dos senhores feudais, e até o incentivo em muitos casos, para que os camponeses vendessem parte da sua produção aos citadinos.

Os produtos da indústria artesã, base da economia urbana feudal sem a qual a renda urbana não poderia existir, muito menos se enraizar, eram comercializados - à exceção, obviamente, das construções - em parte nas próprias oficinas-residências dos produtores, em parte nos mercados periódicos onde as famílias urbanas e rurais se abasteciam mutuamente - aquelas de produtos agrícolas indispensáveis à subsistência, estas de ferramentas, utensílios domésticos, vestimentas e artigos básicos ‘importados’, como o sal.

Por serem as catedrais os lugares mais frequentados das urbes feudais, seus pátios e áreas contíguas foram, inicialmente, os lugares preferenciais dos mercados periódicos. A centralidade urbana não era, contudo, claramente definida: como pontos de contato da cidade com o espaço rural à sua volta, e de recepção de peregrinos e mercadores, as portas das cidades, que mesmo na ausência de ameaças constantes não estavam lá por acidente, atraíam o assentamento intra-muros e extra-muros de armazéns, pousadas e tavernas, de algumas classes de artesãos e até de novos burgos. 
[4] [5] [6] [7] [8]

Mas o mesmo sistema feudal que, com os progressos na agricultura e o aumento da riqueza, fizera ressurgir as cidades, era também, por outro lado, um obstáculo virtualmente intransponível à ampliação dos mercados consumidores da produção urbana, uma vez que a imensa maioria da população continuava habitando os campos e cultivando-os de sol a sol em condições de pobreza quase absoluta.

Por isso, ainda que empregando certa quantidade de jornaleiros libertos ou evadidos da servidão rural, os artesãos urbanos cuidavam antes de tudo - e o fariam durante muito tempo mais - de proteger seus privilégios de mercado por intermédio de guildas autorizadas pelos potentados feudais ou pela própria coroa. O mesmo vale para os mercadores: sua riqueza, proveniente da discrepância, tão rentável quanto incerta, entre os preços de compra e venda de artigos estrangeiros apreciados pela nobreza [9], era comumente aplicada na aquisição de feudos [10], ou seja, no prolongamento da ordem senhorial.

À exceção de uma ínfima minoria de senhores, muitos deles clérigos católicos, e mercadores ricos residentes nas cidades, a renda do solo urbano, que a espelho da própria hierarquia feudal consistia em um obscuro sistema de 'sublocações' sucessivas [11], só podia provir dos módicos ganhos da produção artesanal, dos serviços pessoais, do incipiente comércio de varejo e dos parcos rendimentos de algum trabalho já assalariado - às expensas, portanto, do poder de consumo das famílias e da consequente acumulação de capitais porventura investidos na produção e no comércio.

A renda urbana contradizia, de fato, o fundamento da sociedade feudal, mas apenas na medida em que os artesãos, que formavam a espinha dorsal da economia urbana e por isso mesmo pagavam os maiores aluguéis [12], produziam, tal como os futuros capitalistas, não para consumo próprio ou do senhor feudal, mas para a troca no mercado - por outros utensílios, por artigos importados e, principalmente, por produtos agrícolas, com maior ou menor interveniência da moeda.

Contudo, renda urbana e produção para o mercado estavam a léguas de significar, a essa altura, capitalismo, modo de produção da riqueza que supõe o encontro, no mercado, de detentores de riquezas previamente acumuladas com trabalhadores livres da servidão rural, mas expropriados de suas terras e ferramentas, portanto compelidos a vender sua força de trabalho para continuar vivendo. E não só: capitalismo supõe também certa escala de produção, comércio e consumo, portanto a ampla circulação da moeda em âmbitos territoriais bem definidos, que viriam a ser os Estados nacionais, sem o quê a parte do lucro não consumida nem entesourada não se converte em reinvestimento continuado e consequente acumulação. 

O lugar dos artesãos e mercadores na sociedade feudal e seu papel na formação da cidade capitalista é assim resumido por Le Goff:

O nome que esses beneficiários dos privilégios urbanos vão usar de preferência, burgenses, apenas continuará designando uma parte da população das cidades, mas a palavra francesa que o traduz, borjois, batizará uma classe social, a burguesia, que triunfará no século XIX com o capitalismo e uma nova revolução urbana, a da cidade, nascida da revolução industrial. [13]

Não surpreende, pois, que da análise de escrituras de transações imobiliárias do século XIII nos burgos ingleses de Coventry, Worcester, Warwick e Stratford, bem como de registros de arrendamentos em Gloucester no ano de 1455, Hilton tenha concluído não haver nesse material indicações de um significativo acúmulo de propriedade fundiária urbana até o século XIII, e que a relativa concentração observada nos séculos XIV e XIV não se deu primordialmente em benefício de burgueses, mas de clérigos e instituições católicas. [14]

*

A próxima postagem desta série abordará os trabalhos de Hilton (1967) e Langton (1977) (ver Notas 9 e 10) sobre os registros de rendas urbanas em cidades das Midlands inglesas dos séculos XIII-XV, com foco nos problemas da organização sócio-espacial urbana.


Cidade Feudal, cidade mercantilista, cidade capitalista: notas
Publicado neste blog em 21-04-2025






A literatura dedicada à história da arte, da arquitetura e do urbanismo atribui, com bons motivos, uma enorme importância aos períodos classificados como renascentista e barroco, este último geralmente associado ao auge das monarquias absolutistas europeias.

Já numa periodização baseada nos ciclos geralmente reconhecidos pela literatura econômica, a cidade desse período de mais ou menos três séculos haveria de ser classificada como ‘mercantilista’. É o caso da urbe colonial latino-americana, nascida da revolução do comércio mundial associada às grandes navegações do século XVI. E não poderia ser diferente, uma vez que inexistiu nesse âmbito a cidade feudal - as cidades pré-colombianas e seus regimes sociais foram ambos destruídos pelos colonizadores espanhóis - e o capitalismo europeu era, se tanto, um embrião.

Cabe, no entanto, perguntar: não sendo um modo de produção, pode o mercantilismo ter gerado determinantes da estrutura urbana distintos daqueles dos modos de produção feudal-senhorial e capitalista? 


Mumford: um esforço de interpretação
Na abertura da seção 2 do capítulo XII - “El nuevo complejo urbano” de sua obra magna La Ciudad en la Historia, Mumford parece responder a essa questão, categoricamente, que sim!

“Entre los siglos XV y XVIII se configuró en Europa un nuevo complejo de rasgos culturales. En consecuencia, tanto la forma como el contenido de la vida urbana quedaron radicalmente alterados. El nuevo modelo de existencia surgió de una nueva economía, la del capitalismo mercantilista; de un nuevo marco político, principalmente el de una oligarquía o un despotismo centralizado, que se concretaba por lo común en un Estado-nación; y de una nueva forma ideológica, que procedía de la física mecanicista, cuyos postulados subyacentes habían sido formulados, mucho antes, en el ejército y el monasterio.” [1] [destaque meu]

Contudo, é o próprio Mumford quem nos adverte, na abertura deste mesmo capítulo 12, “La estructura del poder barroco”, para o fato de que 

“Las culturas humanas no mueren en un momento dado como si fueran organismos biológicos. Aunque a menudo parecen formar un conjunto unificado, es posible que sus partes hayan tenido una existencia independiente antes de integrarse en el conjunto y, por la misma razón, tal vez aún sean capaces de seguir existiendo cuando ya ha dejado de funcionar la totalidad en que otrora prosperaron. Tal es lo que ocurrió con la ciudad medieval. Los hábitos y las formas de vida medieval seguían activos tres siglos después de su «cierre», si se considera que el siglo XVI fue ese punto decisivo. (..) Incluso en el Nuevo Mundo las más antiguas leyes medievales del mercado permanecieron en vigor en las ciudades durante el siglo XVIII. [2]  

E conclui esta passagem dizendo:

"Así, solo en las ciudades recién fundadas, creadas para residencia del príncipe o para la colonización, crearon las instituciones postmedievales un estricto orden lógico, enteramente propio.” [3]

Ora, se em todas as cidades da época mercantilista - salvo as recém-fundadas - as “formas de vida [da cidade] medieval seguiram ativas até o século XVIII", somos obrigados a no mínimo relativizar, talvez mesmo deixar em suspenso, a proposição original de que “tanto a forma quanto o conteúdo da vida urbana foram radicalmente alterados pela “nova economia do capitalismo mercantilista” etc.

Com sua lógica irretocável, a citação acima nos alerta para uma interpenetração de épocas históricas, em ambas as direções. Assim como “certos aspectos da cultura humana podem continuar existindo mesmo quando a totalidade em que outrora prosperaram já deixou de funcionar” - as antigas muralhas das cidades, por exemplo, que existiram até muito depois de, nas palavras do próprio Mumford, se "terem convertido em fronteiras nacionais” dos Estados monárquicos absolutistas [4] - outros aspectos "podem ter uma existência independente antes de integrar-se no conjunto", isto é, de ter encontrado o seu lugar numa formação social madura. Tal me parece ser o caso do capital mercantil relativamente ao capital propriamente dito, consequentemente do papel estruturador do comércio de mercadorias nas grandes cidades europeias e capitais coloniais dos séculos XVI-XVIII relativamente à compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho nas grandes metrópoles da segunda metade do século XIX.


O caso de Newcastle

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Consideremos por um momento, sob este ângulo, o que diz o geógrafo John Langton [5] sobre a organização espacial urbana de Newcastle, Inglaterra, no ano de 1665. Com base num detalhado exame estatístico dos registros do imposto sobre a propriedade urbana (Tax Assessment Return) daquele ano, uma época em que a oligarquia mercantil local desfrutava de significativas vantagens econômicas e políticas como principal fornecedora de carvão ao mercado londrino, Langton deduz que a cidade “era ainda sensivelmente setorizada por grupos ocupacionais”, com as maiores residências correspondendo aos ofícios mais prestigiosos. Embora não pudesse ser considerada multicêntrica, a cidade tampouco apresentava “um único centro ao redor do qual se distribuíam as atividades econômicas, como num central business district”. Ou seja, indústria e comércio ainda eram organicamente ligados à residência. E mesmo sendo a atividade portuária um elemento crucial de sua economia, atraindo para a beira-rio o salão da guilda mercantil, “seis dos nove mercados da cidade funcionavam, assim como as feiras semestrais, numa única praça de mercado centralmente localizada” [a single central market place of overwhelming predominance], não por acaso contígua à igreja - hoje Catedral - de São Nicolau, ponto de convergência da cidade medieval tanto pela função religiosa quanto pela relação espacial com suas portas.

Uma hipótese alternativa
Parto do que entendo por formação social feudal e capitalista:
 
"A sociedade feudal baseava-se na renda agrícola - em espécie ou tempo de trabalho nas terras do senhor e, mais tarde, também em dinheiro - imposta pela aristocracia guerreira sucessora do colonato romano e das comunidades tribais germânicas, à guisa de estabilidade e proteção, aos camponeses que ocupavam e cultivavam a terra com seus instrumentos de trabalho. A produção agrícola excedente às estritas necessidades dos servos rurais, apropriada pela nobiliarquia fundiária para seu próprio consumo, era a base da riqueza na sociedade feudal.

Em contraste, a sociedade capitalista, gestada durante séculos no seio da sociedade feudal europeia, baseia-se na produção generalizada de mercadorias por trabalhadores livres para vender, em troca de um salário, a sua força de trabalho aos proprietários das instalações, instrumentos e insumos da produção. A base da riqueza capitalista é o mais-trabalho assalariado, vale dizer o valor das mercadorias produzidas que exceda os custos totais de produção, incluídos os salários, apropriado pelos capitalistas como lucro." [6]

A cidade feudal europeia surgiu não da riqueza do comércio de longa distância, que servia primordialmente à nobreza encastelada, mas do secular desenvolvimento das forças produtivas na agricultura servil, com cujos produtos a aristocracia adquiria os bens de luxo trazidos de terras distantes pelos mercadores. [7] A riqueza mercantil impulsionou, por certo, as forças produtivas da nova economia urbana, porém muito lentamente, a partir de uma base não apenas instável devido às guerras e catástrofes naturais [8], mas também extremamente limitada: um mercado formado, de um lado, por demandantes urbanos que compravam para seu sustento uma parte ínfima da produção agrícola e, de outro, por demandantes rurais de ferramentas, utensílios domésticos, têxteis, artigos de couro etc., camponeses demasiado pobres para fazer transbordar a indústria urbana do protecionismo das guildas.

Por isso a cidade feudal europeia manteve, durante séculos, um tipo de estrutura que os historiadores modernos qualificam de multicêntrica, [9] [10] determinada pela interação espacial entre residentes ainda divididos entre a produção agrícola e a artesanal e (a) o castelo onde se exercia o poder temporal, (b) a igreja cujo pátio e imediações eram o lugar preferencial dos mercados varejistas periódicos, formais e informais, e (c) as portas para onde a passagem obrigatória de mercadores atraía armazéns, certas classes de artesãos e estalagens onde se fazia, dentre outras coisas, o comércio de atacado e de dinheiro. [11] Inexistia a própria noção de “centro urbano”. [12]

O mercantilismo, por outro lado, não era uma formação social, com um modo de produção próprio. Embora contribuindo decisivamente para impulsionar o desenvolvimento da produção capitalista - têxtil e metalúrgica, principalmente - 
nas regiões e países onde ela já emergira do artesanato feudal como manufatura, muito especialmente em Flandres, no norte da península itálica e, mais tarde, na Inglaterra, a riqueza mercantil não provinha da produção de mercadorias, mas da exploração das diferenças de preços dos excedentes de consumo das comunidades primitivas e da produção escravista, servil e despótica espalhada pelo mundo - diferenças que o próprio desenvolvimento do comércio se encarregaria pouco a pouco de extinguir. Nas palavras de K Marx, “o desenvolvimento autônomo do capital comercial se apresenta na razão inversa do desenvolvimento econômico geral da sociedade. (..) Quanto menos desenvolvida é a produção, mais a riqueza monetária se concentra nas mãos dos comerciantes“. [13]

A despeito de sua longa duração, o período mercantil-absolutista foi o de uma sociedade em transição, em que formas feudais e capitalistas de organização e exploração do trabalho, portanto de criação e distribuição da riqueza e, com elas, de estruturação e apropriação das cidades, coexistiam e se interpenetravam com dinâmicas opostas:

“Essas duas formas eram tanto complementares (p. ex. quando um senhor feudal usava parte de sua riqueza para participar de empreendimentos comerciais que incluíam algum trabalho assalariado, ou quando um comerciante usava os lucros de sua atividade para estabelecer um feudo) quanto contraditórias (p. ex. quando comerciantes e senhores feudais guerreavam pelo domínio político das grandes cidades)." [14]

No que tange à sua estrutura espacial e dinâmica expansiva, e tendo em conta que a urbe carrega consigo, por definição, uma enorme força inercial relativamente às mudanças em curso na sociedade, a grande cidade mercantilista era como uma cidade feudal ampliada pela transposição de suas muralhas, adensada pelo significativo crescimento populacional vegetativo e, principalmente, migratório, [15] monumentalizada pelo fausto aristocrático e monárquico [16] e economicamente concentrada em sua ‘porta principal’ - 
o porto, [17] em cujas
imediações se instalavam tanto as aduanas e os atacadistas quanto os ofícios menos nobres, as novas manufaturas e a ralé; um lugar urbano muito distante de poder ser chamado de “centro” - que supõe, dentre outras coisas, a separação de negócios e residências e o claro e sistemático desenvolvimento de assentamentos residenciais periféricos em bases capitalistas. Até inícios do século XVIII, quando se acelera a transição da manufatura para a grande indústria e com ela a subordinação do capital de comércio, a urbe mercantilista não tinha um ‘centro’ propriamente dito: era ainda, em ampla medida, uma cidade com funções centrais (palácio, sé, porto, rua ou bairro comercial) por oposição ao campo circundante e seus povoados proto-suburbanos - como a City de Londres e a Cité de Paris, recintos urbanos política, jurídica e culturalmente definidos, durante muito tempo, pelo perímetro cambiante de suas muralhas. [18]

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Em Paris, que em 1800 era a segunda metrópole mais populosa da Europa, com cerca de 550 mil habitantes, a feudalidade tardia da urbe mercantil-absolutista se manifestou na construção em 1788, vale dizer em plena Revolução Industrial, de um muro chamado ‘des Fermiers Généraux’, destinado à cobrança de impostos sobre os produtos que eram trazidos à cidade. [19] Pode-se dizer que as 
muralhas das grandes cidades europeias contam, de um modo bastante peculiar, a história da lenta superação da economia e das instituições feudais - das quais eram parasitárias, cada uma à sua maneira, tanto as monarquias absolutistas quanto a burguesia mercantil [20] - pela formação social capitalista.


A renda do solo urbano
Um estudo aprofundado da transformação das rendas urbanas feudais em 
um único direito assimilável à forma-mercadoria capitalista me parece indispensável para o entendimento da 'cidade mercantilista' dos séculos XVI-XVIII como um fenômeno de transição.  

Limito-me aqui a recuperar uma observação de Mumford sobre a renda urbana na grande cidade pós-medieval, apontada por E Vance em seu clássico texto de 1971 “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities” como o aspecto distintivo da cidade capitalista por oposição à pré-capitalista. [21] 

Embora compartilhe com Vance a concepção de “capitalismo” como “economia do dinheiro” decorrente do aumento explosivo, a partir do século XVI, da riqueza mercantil europeia, [22] consequentemente também da pequena produção artesanal e manufatureira e dos serviços pessoais, Mumford não sugere qualquer relação entre o aumento significativo das rendas urbanas nas grandes cidades comerciais do século XVII [23] e a existência, ainda que embrionária, de gradientes de preços do solo segundo a distância aos núcleos comerciais urbanos, mencionados sem referência factual por Vance como próprio da cidade capitalista nascida "em algum momento do século XVI", [24] mas somente observados, de maneira indireta e ainda distante de sua forma madura, por Engels na Manchester industrial de 1845. [25]

Para Mumford se trata, essencialmente, nas grandes cidades do século XVII, do notável crescimento da população pobre e miserável combinado à peculiaridade de que a renda urbana cresce - exponencialmente - com a densidade da ocupação do solo, [26] àquela altura intensificada pela prática persistente da construção, ao redor das cidades, de muros destinados à defesa e outros fins. [27] Para ele, 

“O alojamento de grande parte da população - e não apenas mendigos, ladrões, trabalhadores ocasionais e outros párias - em cortiços e favelas foi a modalidade característica do crescimento urbano no século XVII”. [28]

*
Conclusão
O exposto até aqui sugere que o capital mercantil não trouxe consigo forças determinantes de um processo de estruturação urbana que lhe fosse próprio, distinto em forma e conteúdo tanto da cidade feudal como da capitalista.  

Foi somente com o pleno desenvolvimento da indústria capitalista em meados do século XIX, [29] subordinando por completo ao seu ciclo reprodutivo o comércio de varejo e atacado, nacional e internacional, que as cidades ganharam uma dinâmica espacial realmente nova: a expansão radioconcêntrica desigual, manifestação urbana da natureza expansiva desigual do próprio capital.

Impelida pela necessidade incontornável de redução da distância-custo entre os agentes envolvidos na compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que agora abarcava compulsoriamente a virtual totalidade da população urbana, e pela resultante competição espacial arbitrada pela renda da terra, a revolução da centralidade, pode-se dizer, é a marca historicamente distintiva do advento da cidade capitalista.

2025-04-22




Traçado ortogonal, cidade radial
Publicado neste blog em  01-03-2023  

Montagem: Abeiradourbanismo
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Esse artigo da revista Economist, como tantos outros dedicados ao tema fascinante da urbanização em grade ortogonal, também chamada malha hipodâmica, discute o seu objeto como se as estruturas espaciais urbanas fossem meras opções projetuais: “no último século a quadrícula saiu de moda”.

Um loteador poderá optar, de acordo com a preferência e o poder de compra de seus clientes, entre diversos tipos de traçado. Mas as circunstâncias que geraram o grid de Chicago nada têm a ver com critérios projetuais de urbanismo, preferências do consumidor ou modismos, embora o confirmem como o sistema mais simples e rentável de parcelamento e comercialização do solo: para financiar o Estado recém-criado, a Lei de Terras estadunidense de 1785 (Land Ordinance) dividiu os territórios do Oeste, ainda nem bem conquistados e essencialmente desconhecidos, em townships de 6x6 milhas, subdivididas em 36 sections parceláveis e renegociáveis de 1x1 milha, de modo a facilitar a venda de propriedades agrícolas a colonos nacionais e estrangeiros. Com referência ao uso urbano, que veio a se tornar um maná especulativo, diz a Britânnica de 1963: “Sua vantagem particular era que uma nova cidade podia ser planejada nos escritórios das imobiliárias do Leste e as terras vendidas sem que nem comprador nem vendedor tivessem nunca visto o lugar". [1]

Apesar de generalizado nos Estados Unidos desde o início do século XIX, o uso da malha urbana ortogonal pela indústria da urbanização tem raízes mais antigas e menos plebeias. Em seu clássico La Ciudad en la Historia, Mumford observa que
Stuttgart 1794, Edimburgo 1773, Berlim 1789
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El único hecho que lo hace [este tipo de trazado urbano] más notorio en los Estados Unidos que en el Viejo Mundo es la ausencia, excepto en zonas como las de los establecimientos iniciales de Boston y Nueva York, de tipos anteriores de planificación urbana. A partir del siglo XVII, las extensiones de ciudades occidentales, tanto en Stuttgart y Berlín como en Londres y Edimburgo, se hicieron del mismo modo, excepto donde antiguos cursos de agua, caminos o límites de campos habían establecido líneas que no era fácil anular. (..) Estos planos servían únicamente para una rápida división de la tierra, una rápida conversión de solares en lotes y una rápida venta. La carencia misma de adaptaciones más específicas al paisaje o a las necesidades humanas solo aumentaba, por su misma imprecisión e indeterminación, su utilidad general para el mercado. [1a] 

O que, por outro lado, não se pode deixar de observar, e que os textos sobre a grade ortogonal em geral desconsideram, é o fato de que a "economia da ocupação do solo", tão bem descrita pelo articulista, que fez da grade ortogonal o traçado padrão da moderna urbanização de mercado, é obrigada por essa mesma urbanização de mercado a coexistir com estruturas de acessibilidade urbana de tipo radial-concêntrico derivadas da “economia da localização” - como descrito, por exemplo, no modelo geral da distribuição dos usos do solo na metrópole contemporânea, sintetizado por William Alonso na década de 1960. 

Essa relação nem sempre amigável entre as estruturas espaciais da apropriação/ocupação do solo para fins urbanos - que remontam aos primórdios das cidades e variam significativamente conforme a época e o lugar - e da moderna acessibilidade urbana - que são essencialmente as mesmas em todo o planeta - constitui a meu juízo um aspecto capital e inescapável do urbanismo de nosso tempo. Em artigo recente, escrevi:

“(..) As forças que regem a organização sócio-espacial das metrópoles modernas não se subordinam, apenas se adaptam na medida da necessidade, aos traçados pré-existentes. A "economia da localização" se sobrepõe mais ou menos despoticamente à "economia da ocupação" segundo regras que lhe são próprias. As leis da organização sócio-espacial urbana são as mesmas, e seus efeitos análogos, na cidade radiocêntrica de Porto Alegre e nos vastos reticulados de Barcelona e Chicago. (..)” [2]

Corrijo-me, agora: as leis da “economia da localização urbana” são as mesmas em todas as cidades modernas, vale dizer construídas pela economia de mercado, mas os efeitos de sua coexistência com as regras da "economia da ocupação do solo” variam - segundo a resistência que esta última lhes ofereça. Em 1903, Hurd postulou tal relação nos seguintes termos: as cidades crescem em todas as direções a partir do ponto de origem salvo quando obstaculizadas pela topografia ou pela estrutura da propriedade fundiária pré-existente. [3] Na década de 1920, Burgess reafirmou o postulado acrescentando, como fatores de resistência, eventuais elementos construídos (ferrovias, aquedutos) e, muito importante, as próprias comunidades previamente assentadas no território. [4] 
Falta acrescentar um aspecto capital: os planos reguladores.

Se defrontadas por um rígido plano regulador de urbanismo, como em Brasília, as leis da economia da localização impor-se-ão à metrópole em expansão como coroa exterior de cidades satélites
Brasília - Plano Piloto e cidades satélites
Montagem: Àbeiradourbanismo
  

Em face de uma grade parcelária pré-estabelecida, como no caso de Chicago, o arruamento e o reparcelamanto do solo para fins urbanos acompanharão a grade e a preferência locacional dos usos residenciais recairá, como observou Burgess num texto de 1929,[5] sobre as principais artérias ortogonais de acesso ao centro de negócios, com a desvalorização relativa dos lotes urbanos situados nas direções diagonais. 
Por esse exato motivo, observou Burgess no mesmo texto, as manchas urbanas de cidades de planície do Meio-Oeste dos EUA tenderam a se expandir em forma de cruz de malta. Nos dois casos citados, Ft. Worth e Columbus, o próprio grid parece ter sido ajustado para deixar aos obstáculos geográficos as direções diagonais. 

Esse efeito é particularmente nítido na expansão das cidades argentinas nascidas do processo de colonização agrícola do Pampa Bonaerense na segunda metade do século XIX, como Chivilcoy, situada a 160km de Buenos Aires. Como mostra o mapa de Qualidade da Vida Urbana de DICROCE et al, [5a] Chivilcoy, com cerca de 56 mil habitantes em 2010, se expande ao longo das ortogonais principais de acesso ao Centro muito mais rapidamente do que nas direções diagonais, inclusive no que tange às quadras de maior qualidade de urbanização, consequentemente de maior rendimento familiar. A expansão da urbanização de melhor qualidade ao norte deriva, 
Acréscimos e montagem: Àbeiradourbanismo
provavelmente, da proximidade da Estação Rodoviária, que desde 1975 dá acesso à capital em substituição à Estação Ferroviária Norte. Para as camadas empobrecidas, a acessibilidade ao centro urbano proporcionada pelos prolongamentos das ortogonais principais aparece aqui como determinante absoluto, a despeito da maior distância. A concentração de quadras de urbanização precária a sudeste, por sua vez, estaria relacionada à presença da Estação Ferroviária Sul, que serve a um ramal destinado ao transporte de cargas. Na ilustração acima, construída sobre o mapa original de DICROCE et al, são perceptíveis dois aspectos da expansão tendencialmente radio-concêntrica da cidade contemporânea: (1) a distribuição decrescente dos padrões de urbanização e rendimento familiar por coroas circulares e gradientes de preços da terra resultantes; (2) a formação de um “cone de altos rendimentos” [5b] para além do núcleo fundacional na direção norte. A singularidade que distingue Chivilcoy das cidades de crescimento "orgânico" é a ocupação da totalidade (180 graus) do núcleo fundacional pelas famílias de mais altos rendimentos, produto da enorme diferença histórica de padrão de urbanização relativamente ao seu entorno.

Na Barcelona de Cerdà, a comunicação direta e projetualmente privilegiada da cidade medieval-renascentista com a Vila de Gràcia determinou tanto 
a formação do corredor principal de acesso ao centro de negócios quanto a preferência da localização residencial: o Passeig de Gràcia e a Rambla de Catalunya eram os endereços das mais importantes residências burguesas da primeira metade do século 20. Décadas mais tarde, a cidade radial-concêntrica se manifestaria em sua plenitude, como em todas as demais metrópoles, na configuração de seu sistema de Metrô.

Tal como as redes ferroviária e metroviária, o sistema rodoviário principal da grande metrópole também tende a apresentar a disposição radial-concêntrica determinada pelo princípio geral da menor distância, ou, mais exatamente, da maior acessibilidade das localizações residenciais ao centro urbano principal - superposto, por meio de obras públicas de grande envergadura, ao arruamento legado pelos ciclos de parcelamento e ocupação privada do solo que o precederam. [6] 
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Porto Alegre 1928 - linhas de bonde
Na ausência de ocupação prévia, de obstáculos físicos naturais e construídos, de grandes propriedades e de institutos reguladores, a urbanização de mercado imporá o princípi
o geral dos gradientes de custo-distância na forma “pura” da expansão radial-concêntrica – caso clássico da Porto Alegre de inícios do século XX. Abrindo-se em leque para ocupar toda a “coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão urbana” [6a], a capital pós-colonial formou uma rede orgânica de vias radio-circunferenciais que ensejou a criação, no terceiro quarto do século XX, tanto de seu sistema de vias perimetrais quanto da região de planejamento batizada “cidade radiocêntrica”.

*

Um caso singular de adaptação da estrutura radial-concêntrica às redes urbanas herdadas do passado é o centro comercial e de negócios. Devido às vantagens econômicas da aglomeração, os negócios tendem a se beneficiar da ocupação dos arruamentos pré- ou proto-modernos, mais ou menos irregulares, mas altamente concentrados. Nas palavras de Hurd: 

"Há quem pense que quanto mais larga mais valorizada a rua, devido à maior capacidade de tráfego. Mas em uma rua comercial a largura é praticamente irrelevante (..). A pouca largura facilita o intercâmbio entre os dois lados, o que é de alguma forma vantajoso para os negócios quando não implica em limitação à altura dos edifícios". [7]

Boston 1814 (esq, acima), Boston CBD 1896 (esq abaixo) e Devonshire St atual (dir)
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Essa propriedade dos arruamentos herdados do passado pré- ou proto-capitalista das metrópoles contemporâneas suscita uma interessante questão: serão os traçados regulares das cidades ex novo, com amplas avenidas centrais, ruas largas e baixa densidade construída um fator historicamente inibitivo do desenvolvimento de suas aglomerações comerciais e, por extensão, da própria economia urbana? 

Cruzamento da Av Soárez com Alvear, centro comercial de Chivilcoy, Argentina
Imagem Google 07-2023 

*

Fonte: Hurd 1903
De um modo geral, a configuração espacial da metrópole contemporânea pode ser descrita como uma malha radial-concêntrica irregular e desigual “preenchida” por uma colcha de retalhos de parcelamentos reticulados de distintos tamanhos e padrões projetuais, tendo ao centro, ou em área contígua ao centro de negócios, remanescentes da cidade pré-capitalista. 

Retornando ao artigo, a ideia de que “o grid está em declínio” me parece uma dedução meramente circunstancial relacionada, se tanto, às práticas correntes da indústria estadunidense dos loteamentos suburbanos - que orientam a parte final do texto. Relativamente a qualquer outro país, o grid não pode estar em declínio nos EUA: ele é o marco regulador, 
indelével e indestrutível até onde alcança a perspectiva histórica, de seu singular processo de urbanização, simbolizado nas icônicas imagens de aglomerados de arranha-céus em meio a vastos reticulados urbanos de baixíssima densidade.

Ft. Worth, Texas, década de 1950


NOTAS

Hipótese histórico-epistemológica
[18] "Corporatist negotiations combined with a stable political alliance between social democrats and social liberals have played a key role in the expansion of the universalistic welfare state before and especially after the Second World War. (..). They knew that investments in housing development and transport infrastructure would please the building and construction sector, including the strong trade unions." (Jensen 1990). [2] SØRENSEN E e TORFING J 2019,  “The Copenhagen Metropolitan ‘Finger Plan’”. Em HART P e COMPTON M, Great Policy Successes, Oxford Scholarship Online: October 2019, pp. 228-229
https://oxford.universitypressscholarship.com/.../oso...
[19] "The imminent end of the German occupation generated a huge enthusiasm for planning in the new era of peace and prosperity which seemed to be just around the corner. The negative, oppressive irrationality of the Second World War was to be replaced by a positive, rational, and potentially liberating planning future." SØRENSEN E e TORFING J 2019, pp. 234-235
[20] "La economía urbana neoclásica, nacida en los años sessenta, tenía como objetivo presentar el equilibrio de Von Thünen de acuerdo con un programa de maximización microeconómica." [ABRAMO P, Mercado y Orden Urbano - del caos a la teoría de la localización residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001 (material de uso exclusivo para fines académicos)]

Vance 1971 e os paradigmas da organização espacial urbana
[1] HARRIS C D e ULLMAN E L (1945), "The Nature of Cities". The Annals of the American Academy of Political and Social Science. 242: 7–17.
[2] RICHARDSON H W (1969), Economia Regional - Teoria da Localização, Estrutura Urbana e Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar 1975
[3] ABRAMO P (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87
[4] VANCE Jr J E (1971)
[5] VANCE Jr J E (1971)
[6] SCHUMPETER J A (1954): Historia del Análisis Económico 524-529. Barcelona: Editorial Ariel 1982.

Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese
[1] HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903
HAIG Robert, "Toward an Understanding of the Metropolis: Part I and Part II". Quarterly Journal of Economics, 40 (1926), 179-208 e 402-434
BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em BURGESS, E W e PARK R E, The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres
BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, an Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-38
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=mdp.39015005490290&view=1up&seq=17
[2] Entendida como aquela em que já predominam o trabalho assalariado e a produção para o mercado, mas não necessariamente a grande indústria.

Apontamentos: HURD 1903 - crescimento urbano axial e central
[1] VILLAÇA Flavio, Espaço Intra-Urbano no Brasil. FAPESP São Paulo 2001
[2] BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em PARK R E, BURGESS E W e MCKENZIE R D, The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p. 50.
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[3] CORREIA da SILVA J (2004), "Space in Economics — A Historical Perspective".
https://www.fep.up.pt/docentes/joao/material/space.pdf
[4] BATTY M, "The Linear City: illustrating the logic of spatial equilibrium". Comput.Urban Sci. 2, 8 (2022)
https://link.springer.com/article/10.1007/s43762-022-00036-z
[5] PARK R E, “The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment”, em  PARK R E, BURGESS E W e MCKENZIE R D, The City. The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p.12.
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[6] BORRERO OCHOA O, Economía Urbana y Plusvalia del Suelo. Bogotá: Bhandar Editores 2018, p. 65.
[7] [BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf
[8] JORGENSEN P, “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese”. À beira do urbanismo  (blog) 08-03-2021
[1] JORGENSEN P, “Distância, aglomeração, centralidade”. À beira do urbanismo (blog) 08-03-2021
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2021/03/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html
[2] "La ciudad moderna (..) es distinta de cualquier tipo de ciudad anterior (..) porque ha concentrado en ella los factores de producción sobre la base de un nuevo sistema económico basado en el capital”. HERCE VALLEJO Manuel, “Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista”. Café de las Ciudades, Abril 2021
https://cafedelasciudades.com.ar/sitio/contenidos/ver/459/las-infraestructuras-en-la-construccion-de-la-ciudad-capitalista.html
[2a] “Mas, dir-se-á, as leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam elas aplicadas no presente ou no passado. (..) É exatamente isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis abstratas não existem. (..) Segundo sua opinião, pelo contrário, cada período histórico possui suas próprias leis. Assim que a vida já esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado de determinado estágio a outro, começa a ser dirigida por outras leis. (..)” [Correio Europeu, Petersburgo, maio de 1872, p. 427-436; em MARX Karl, O Capital (Posfácio da 2a. Edição). São Paulo: Editora Nova Cultural 1996, p. 139]
[3] "(..) la ciudad es también un producto en sí misma, una sumatoria de mercancías inmobiliarias que añaden valor a la propiedad." HERCE VALLEJO Manuel, op. cit.
[4]“(..) antes de tudo, é preciso definir o que entendemos por centralidade. A definição, no caso, parte de uma referência espacial, ou seja, geográfica e de dimensão física: o centro é o núcleo original, o ponto de partida nodal e uma aglomeração urbana. O centro é, pois, o marco zero de uma cidade, o local onde tudo começou, o seu núcleo de origem. (..)” [PESAVENTO S J, “História, Memória e Centralidade Urbana" Rev. Mosaico, v.1, n.1, p.3-12, jan/jun 2008
https://seer.pucgoias.edu.br/.../mos.../article/view/225/179
[4a] Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [17] [Aspas dos autores] [CAPRETZ A e MANHAS M, "Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto (SP), 1887". I Simposio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011].
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf
[5] “Esta figura é uma representação ideal da tendência que tem toda cidade de se expandir radialmente a partir de seu distrito central de negócios – no esquema, ‘The Loop’ (I)”. BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em PARK R E, BURGESS E W e MCKENZIE R D, The City: Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres, p. 50.
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[6] “As cidades tendem a crescer ao redor de algum centro, em zonas concêntricas de uso do solo ordenadas de acordo com sua capacidade de pagar aluguel [ofertar renda], ligadas ao núcleo por meio de rotas radiais bem definidas que convergem para o centro”. BATTY M, "The Linear City: illustrating the logic of spatial equilibrium". Comput.Urban Sci. 2, 8 (2022)
https://link.springer.com/article/10.1007/s43762-022-00036-z
[7] “Growth in cities consists of movement away from the point of origin in all directions, except as topographically hindered, this movement being due both to aggregation at the edges and pressure from the centre. Central growth takes place both from the heart of the city and from each subcentre of attraction, and axial growth pushes into the outlying territory by means of railroads, turnpikes and street railroads. All cities are built up from these two influences, which vary in quantity, intensity and quality, the resulting districts overlapping, interpenetrating, neutralizing and harmonizing as the pressure of the city's growth bring them in contact with each other.” HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, cap I
[8] “Retail stores cluster together at convenient points for their customers and not because they do business with each other. The chief attracting power of such a retail section seems to be the insurance to customers against failure to find within the section what they seek. Undoubtedly the selection within this special district is normally better than that in all the rest of the city combined, and shoppers are saved the time, trouble and uncertainty of seeking through scattered shops. While one shop may attract a customer and another make the sale, such an interchange of customers is probably in the long run closely balanced. HURD R M, op.cit. Cap VI
[9] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
https://www2.ufjf.br/nugea//files/2014/09/Bradford-e-Kent_Teoria-dos-lugares-centrais-1.pdf
[10] WINGO L (1961): Transportation and urban land. Washington, DC: Resources for the Future.
[11] “For urban land, this process is more complex. (..) Very briefly, the method consists of assuming a price of land in the center of the city, and determining the prices at all other locations by the competitive bidding of the potential users of land in relation to this price." ALONSO W (1960), “A Theory of the Urban Land Market”, em Papers and Proceedings of the Regional Science Association, Vol 6, 1960
https://www.academia.edu/2161751/A_theory_of_the_urban_land_market
[12] CORREIA-DA-SILVA J , “Space in Economics – A Historic Perspective”, em Backhouse R, History of Economic Thought, Programa de Doutoramento em Economia, Faculdade de Economia do Porto, Universidade do Porto
https://www.fep.up.pt/docentes/joao/material/space.pdf
[12a] VANCE JR J E, “Land Assignment in the Precapitalist, Capitalist, and Postcapitalist City”. Economic Geography , Apr., 1971, Vol. 47, No. 2, pp. 101-120
[13] “The main argument of this paper may be presented in sharper focus at this point. It is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city”. VANCE JR J E, Op. Cit.
[14] “In many forms of business the clustering together of those transacting it finally crystalizes into an Exchange, which forms the centre of the district. Since the Exchanges are the result and not the cause of the special districts in which they are located, we must look back of them to find the causes for the location of various utilities.” [ HURD R M, op.cit. Cap VI]
[15] “In the most primitive situation of periodic markets no such thing as a shopping centre existed, indeed the whole notion was alien. A widening of a main street gave sufficient space for temporary stalls to be set up on market days. Even that amount of adaptation was not essential for mats or cloths could be laid on the floor, or on a trestle within any open space; the church-yard was a typical one, since it was a meeting place. (..) The demand for buildings was minimal, the power of the trader or merchant limited, and hence the city was dominated by the centres of political and religious control. Castle, or town hall, and cathedral or church, were the major buildings and retail trade only incidental to these formative elements.” CARTER H, An Introduction to Urban Historical Geography – cap 8 The Internal Structure of the City: the central area. Londres: Edward Arnold Publishers, 1983, pp. 150-170.
https://archive.org/det.../introductiontour0000cart/mode/1up

A renda da terra e a organização espacial urbana: notas
[1] "Em geral, a base da distribuição dos usos comerciais é puramente econômica: a terra é arrematada pela maior oferta e o ofertante aquele que pode obter dela o maior ganho. Observe-se que quanto melhor a localização maior a quantidade de usos que ela pode ter, consequentemente a maior a quantidade de ofertantes. A base do valor da terra de uso residencial, por sua vez, é social, não econômica – ainda que também arrematada pela maior oferta: os ricos escolhem as localizações que mais lhes agradam, os de rendimentos médios procuram estar o mais perto deles que consigam, e assim por diante na escala de riqueza, ficando os trabalhadores mais pobres nas piores localizações, como as adjacências de fábricas, ferrovias, docas etc., ou longe da cidade." HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, pp. 77-8. [Tradução PJ] https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up
[2] “A competição entre pretendentes com diferentes funções de oferta de renda define os padrões de uso do solo, correspondendo o aproveitamento econômico da terra ao seu maior e melhor uso. Este conceito, baseado na técnica da avaliação imobiliária, postula simplesmente que a atividade que extraia o maior benefício de uma dada localização é aquela que provavelmente fará por ela a maior oferta de renda. (..) Enquanto houver um uso superior competindo pela localização, o proprietário receberá uma oferta maior pelo terreno. Quando cessarem as ofertas, o terreno terá alcançado o seu 'maior e melhor uso'." SMOLKA O e GOYTIA C, “Land Markets”, em The Wiley Blackwell Encyclopedia of Urban and Regional Studies 15-04-2019, Wiley Online Library. [Tradução PJ] https://doi.org/10.1002/9781118568446.eurs0176
[2a] Até então, o indiscutível paradigma científico e acadêmico da moderna organização espacial urbana era a série histórica dos três modelos de estrutura urbana proposta por Harris e Ullman em 1945: Círculos Concêntricos/Burgess 1925, Setores Radiais/Hoyt 1939 e Núcleos Múltiplos/Harris e Ullman 1945, sobre os quais assim se pronunciou o economista regional H Richardson em 1969: "Esses três conceitos de estrutura urbana não são diametralmente opostos uns aos outros. Cada conceito provavelmente tem alguma importância para explicar a estrutura de qualquer cidade. (..) As mesmas concepções teóricas gerais, como a tentativa de minimizar os custos de atrito tomada como princípio organizacional, são aplicáveis em graus variáveis a todas as três concepções da estrutura de uma cidade." RICHARDSON H W (1969), Economia Regional - Teoria da Localização, Estrutura Urbana e Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar 1975[3] ALONSO W, Location and land use; toward a general theory of land rent. Cambridge: Harvard University Press, 1964.
[4] ALONSO W, “The Historic and the Structural Theories of Urban Form: Their Implications for Urban Renewal”. Land Economics Vol. 40, No.2 (May, 1964), pp. 227-231. University of Wisconsin Press.
https://docs.google.com/document/d/1-bHp274ABR8iKw3TvP4Et2Z6YOpjQbOq1ppaSC4mczk/edit?usp=sharing
[5] HAIG R, “Toward an Understanding of the Metropolis”, Quarterly Journal of Economics, May 1926; BURGESS E W, “The Growth of the City”, em The City, R. E. Park and E. W. Burgess (Eds.),Chicago, Illinois: University of Chicago Press, 1925; HOYT H, The Structure and Growth of Residential Neighborhoods in American Cities. Washington D.C.: Federal Housing Administration, 1937, p. 116.
[6] VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, 101-20.
https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true
[7] "A relevância contemporânea do modelo de Von Thunen reside na sua adaptação à economia urbana, que permitiu o estudo da renda urbana e suburbana e da localização das famílias e atividades econômicas nas cidades. (..) A característica fundamental da economia urbana refletida no modelo é a necessidade que têm as famílias de ir ao centro para trabalhar usando um sistema radial de transportes. (..) Uma falha [fault] dessa abordagem é pressupor [it assumes] algo que está por ser explicado [we want to explain]: a existência do centro comercial urbano [urban central market]." CORREIA da SILVA J (2004), "Space in Economics — A Historical Perspective". [Tradução PJ]
[8] "(..) Very briefly, the method consists of assuming a price of land in the center of the city, and determining the prices at all other locations by the competitive bidding of the potential users of land in relation to this price." ALONSO W (1960), “A Theory of the Urban Land Market”, em Papers and Proceedings of the Regional Science Association, Vol 6, 1960
[9] Cf. ABRAMO P, "1.5 O equilíbrio dos três mercados de Alonso: a ordem espacial de Von Thunen ampliada", em Mercado e Ordem Urbana - Do Caos à Teoria da Localização Residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-82.
[10] BRADFORD M G e KENT W A, Geografia Humana e Suas Aplicações (Tradução do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Supervisão de Raquel Soeiro de Brito e Paula Bordalo Lema)
[11] “(..) Probably the most important movement within a city as it grows is the gathering together of those carrying on the same kind of business into special districts. (..) The chief attracting power of such a retail section seems to be the insurance to customers against failure to find within the section what they seek. Undoubtedly the selection within this special district is normally better than that in all the rest of the city combined, and shoppers are saved the time, trouble and uncertainty of seeking through scattered shops. While one shop may attract a customer and another make the sale, such an interchange of customers is probably in the long run closely balanced.(..) Formerly it was held that the further a retail store was removed from a competitor the better, but this has been found to hold true only of those small stores which depend for business on the immediate neighborhood. (..)” HURD R M, "Chapter VI - Distribution of utilities", em Principles of City Land Values, New York: Record and Guide, 1903
[12] Concepção marcadamente ideológica, característica da economia neoclássica, popularizada por Margareth Thatcher em 1987 com a fala: "(..) Mas, o que é a sociedade? Não existe essa coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos e famílias (..). Essa coisa de sociedade não existe". O Globo 11-04-2013, por D Magnoli.
[13] "La manufactura del metal y de la pequeña siderurgia estaban muy ligadas a sus emplazamientos, ya que precisaban la energía hidráulica para el funcionamiento de las fraguas y las forjas; por ello no podían prescindir, sin más, del campo como emplazamiento de la producción de mercancías manufacturadas." [KRIEDTE P, “La ciudad en el proceso de protoindustrialización europea". Manuscrits: Revista d’història moderna No. 4-5, 1987, p. 176]
[14] "As soon [the coal] became a principal raw material of industry - replacing water power in textiles after 1780 for instance - it tended to concentrate industry where supplies could ber made available: on the coalfields themselves, and then adjacent to bulk transport (..) only canals". [HALL P, Urban and Regional Planning. Londres: Routledge 1992, p. 14.]

Apontamentos: Marshall 1897 e as economias de aglomeração
[1] WIKIPEDIA, "Economies of Agglomeration" 08-02-2025.
https://en.wikipedia.org/wiki/Economies_of_agglomeration
[2] MARSHALL A, Principles of Economics - An introductory volume. Fourth Edition. MacMillan & Co., Limited. St Martin's Street, London. New York The MacMillan Company, 1908., pp 267-77.
https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.460749/mode/1up
[3] Idem.
[3a] HOOVER E M (1948), The Location of Economic Activity. New York: McGraw-Hill, 1948. Chapter 8. The Economic Structure of Communities, p. 116-144
https://docs.google.com/document/d/1MYIFm6SNi-8PEQkdem1cgTB3wxyfT7NeiG4R1QY7ggc/edit?usp=sharing
[4] KRUGMAN P, "Increasing Returns and Economic Geography". The Journal of Political Economy, Vol. 99, No. 3. (Jun., 1991), pp. 483-499
https://www.jstor.org/stable/2937739
[4a] PUGA D, “The magnitude and causes of agglomeration economies”. Journal of Regional Science Vol. 50, No. 1, 2010, pp. 203–219
https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/36847516/the_magnitude_and_causes_of_agglomeration_economies-libre.pdf
[5] MARSHALL A, op.cit.
[6] PIKETTY T, O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca 2014, p 118
[7] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, p. 83

https://archive.org/details/principlesofcity00hurd

[8] MARSHALL A, op.cit.
[8a] O pequeno aumento dos rendimentos familiares em troca do significativo aumento da taxa de exploração do trabalho, neste caso, faz lembrar o atualíssimo barateamento da habitação centralmente localizada em troca da redução da metragem, que aumenta substancialmente o preço / aluguel da fração ideal correspondente a cada m2 privativo, portanto a rentabilidade do negócio.
[9] KRUGMAN P, op. cit.
[10] MARSHALL A, op.cit.
[11] MARSHALL A, op.cit.
[12] HURD R M, op.cit. Cap VI
[13] HOOVER E M, op. cit.
[13a] STEINBECK J (1952), A Leste do Éden - V. 1. São Paulo: Abril Cultural 1984, p.17
[13b] BORRERO OCHOA O, Economía Urbana y Plusvalia del Suelo. Bogotá: Bhandar Editores 2018, p. 65.
[14] “A renda da terra e a organização espacial urbana: notas”. À beira do urbanismo (blog) 14-08-2024, por Pedro Jorgensen (editado 09-03-2024)
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/08/
[15] “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese (2)”. À beira do urbanismo (blog) 28-01-2024, por Pedro Jorgensen.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/01/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html
[15a] Título do livro de Marshall Berman, de 2007, inspirado na frase “Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas.”, do Manifesto do Partido Comunista escrito por K Marx e F Engels em 1848.
[15b] Assim como todos aqueles nascidos de "movimentos deliberados de grande escala" antecipados por Marshall, como os modernos distritos industriais, os shopping centers e as 'novas centralidades' urbanas do terceiro quarto do século XX, tão bem exemplificadas por La Défense, em Paris, e Canary Wharf, em Londres.
[16] MARSHALL A, op.cit.
[17] “Donut effect”, ou “efeito rosquinha”, é o nome atribuído pelos economistas Arjun Ramani e Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford, à notável queda dos preços do solo nos grandes centros dos Estados Unidos, e correspondente aumento dos preços suburbanos ocasionados, primordialmente, pela maré do trabalho remoto durante a epidemia de Covid-19. Ver RAMANI A e BLOOM N, “The donut effect: How COVID-19 shapes real estate”. Institute for Economic Policy Research, January 2021.
https://siepr.stanford.edu/publications/policy-brief/donut-effect-how-covid-19-shapes-real-estate

A renda da terra e a cidade feudal: notas
[1] “The main argument of this paper (..) is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city. (..) The introduction of capitalism transformed the meaning of urban land. In place of land occupation primarily for the pursuit of a trade there came the viewing of land as property, most significant for its continuing economic return. Ownership was divorced from use and a class of capitalists arose that had little to do directly either with the productive and trading activities of the town or with the conduct of its government.” [VANCE Jr J E (1971), "Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47,101-20.
https://www.jstor.org/stable/143040
[2] Para Le Goff, "The towns were born not only out of the reawakening of trade, but also out of the growth of agriculture in the west, which was beginning to supply urban centres with a better supply of food and manpower." [LE GOFF J, Medieval Civilisation, p. 73–74]
[3] "O centro das cidades é por vezes tortuoso. É um dédalo de ruelas. Essa desordem provém da marca feudal muitas vezes impressa no solo urbano. Os limites dos feudos e das censives, espaço sobre o qual o senhor cobra um imposto em dinheiro, o censo, explicam-no frequentemente." [LE GOFF J, O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes 1992, pp. 29-4.
[4] "(..) la puerta produjo, sin normas especiales de distribución en zonas, los barrios económicos de la ciudad; y como no había solamente una puerta, la naturaleza misma del tráfico procedente de diferentes regiones tendió a descentralizar y diferenciar las zonas comerciales.” [MUMFORD L (1961), La Ciudad en la Historia, Capítulo X. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, pp. 503-24]
[5] Para muitas cidades medievais, com efeito, é um problema alcançar a unidade a partir da multiplicidade dos núcleos que a princípio se justapuseram ou, em todo caso, da freqüente dualidade que opõe uma cidade antiga, a cité, cidade episcopal, senhorial, com grande proporção de eclesiásticos, a uma nova aglomeração nascida do artesanato e do comércio, o burgo. [LE GOFF J, op. cit.] [Itálico PJ]
[6] “Clear locational controls are apparent in another trade, that of the blacksmiths for they were mainly engaged in shoeing horses and clearly positioned adjacent to the main town gates where journeys started and finished.” [CARTER H, An introduction to urban historical geography - "Chapter 8 The Internal Structure of the City: the central area". London: E. Arnold 1983]
[7] (..) A cidade medieval é policêntrica. (..) O que estrutura a cidade é um certo número de lugares e monumentos que determinam até certo ponto o ordenamento das casas e das ruas e, sobretudo, a circulação. (..) Três elementos inscrevem na planta das cidades alsacianas um traço particularmente importante: o castelo senhorial, as igrejas e os mercados. Estes dois últimos elementos, aliás, estão às vezes associados (..). [LE GOFF J, op. cit]
[8] “En efecte, és detectable, en nombroses ciutats medievals, l'existhncia d'un centre "doble" que, de fet, hereta, en molts casos, el ben conegut esquema de formació histórica "ciutat-burg": per una banda, un nucli polític, administratiu i religiós, entorn al qual s'acostuma a trobar l'area de residencia dels privilegiats (clergues, noblesa urbanitzada, oligarquies urbanes ennoblides...); per l'altra, un centre comercial i actiu, nucleat sovint entorn a l'antic burgus format a redós del primer mercat fora muralles, que inclou tant el comerq diari que abasteix la ciutat i la seva area d'influencia, com les activitats mercantils orientades cap a les transaccions a llarga distancia.”[ESPUCHE A G e GUÀRDIA M B , “"Transició” y ciutat: les transformacions de l’estructura del espai”. Manuscrits: revista d’història moderna, [en línia], 1987, Núm. 4, p. 143-70
https://raco.cat/index.php/Manuscrits/article/view/23116
[9] “Os habitantes das metrópoles comerciais importavam de países mais ricos mercadorias refinadas e artigos de luxo caros, alimentando, assim, a vaidade dos grandes proprietários fundiários, que, com grande avidez, compravam essas mercadorias e as pagavam com grandes quantidades de produtos naturais de suas propriedades. Por isso, naquela época o comércio de grande parte da Europa consistia no intercâmbio da própria produção bruta por produtos manufaturados de nações mais civilizadas." [SMITH Adam (1776), Wealth of Nations. Londres, Aberdeen, 1848], livro III, cap. 3 p. 267, cit.em Marx K, O Capital, Livro III Boitempo cap 20 - Considerações Históricas Sobre o Capital Comercial, Nota 47]
[10] “Braudel suggests that families rarely remained in trade for more than three generations before buying their way into the old ruling class”. [HARMAN C, “From feudalism to capitalism". International Socialism Winter 1989, pp. 35–87]
[11] "Thomas Payn, a Warwick burgess who bore the ephemeral title of ‘mayor’, held a dozen burgages for low rents from the Earl of Warwick and from a number of ecclesiastical landlords, as well as three of which he was principal landlord. His rent income from his sublettings was nearly four times as great as the rent he had to pay out." [HILTON R H 1967,  "Some problems of urban real property in the middle ages”. In Socialism, capitalism and economic growth; essays presented to Maurice Dobb. Cambridge: Cambridge University Press, 1967
[12] “£1 was the most common tenement rent and, as the averages show, tenements were generally let at considerably higher rents than cottages. Higher still, as one would expect, were the rents of tenements with shops, inns and bakeries and the principal tenement, whilst the shops without dwelling places were the cheapest buildings to rent, an index of their small sizes and flimsiness.” [LANGTON J, “Late Medieval Gloucester: Some Data from a Rental of 1455”. Transactions of the Institute of British Geographers Vol. 2, No. 3, Change in the Town (1977), pp. 259-277. The Royal Geographical Society (with the Institute of British Geographers)
https://www.jstor.org/stable/621831
[13] LE GOFF J, op. cit.
[14] HILTON RH 1967, op. cit.

Cidade feudal, cidade mercantilista, cidade capitalista: notas
[1]  MUMFORD L,  La Ciudad en la Historia. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, Cap. XII, La Estructura del Poder Barroco, p. 579
[2] Idem, p. 577
[3] Idem, p. 577
[4] Idem, p. 614
[5] LANGTON J, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27.
[6] “A renda da terra e a cidade feudal: notas”. À beira do urbanismo (blog), 26-11-2024, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/11/a-renda-da-terra-e-cidade-feudal-notas.html
[7] “Os habitantes das metrópoles comerciais importavam de países mais ricos mercadorias refinadas e artigos de luxo caros, alimentando, assim, a vaidade dos grandes proprietários fundiários, que, com grande avidez, compravam essas mercadorias e as pagavam com grandes quantidades de produtos naturais de suas propriedades. [SMITH Adam (1776), Wealth of Nations. Londres, Aberdeen, 1848], livro III, cap. 3 p. 267, cit.em Marx K, O Capital, Livro III Boitempo cap 20 - Considerações Históricas Sobre o Capital Comercial, Nota 47]
[8] “Entre ese resurgimiento [do século XII] y el resurgimiento clásico del siglo XV había tenido lugar un gran desastre natural: la Peste Negra del siglo XIV, que eliminó entre una tercera parte y la mitad de la población, según los cálculos más moderados.” MUMFORD L,  La Ciudad en la Historia. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, Cap. XII, La Estructura del Poder Barroco, p. 579
[9] "A cidade medieval é policêntrica. (..) O que estrutura a cidade é um certo número de lugares e monumentos que determinam até certo ponto o ordenamento das casas e das ruas e, sobretudo, a circulação. (..) Três elementos inscrevem na planta das cidades alsacianas um traço particularmente importante: o castelo senhorial, as igrejas e os mercados. Estes dois últimos elementos, aliás, estão às vezes associados. [LE GOFF J, O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes 1992, pp. 29-34.]
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3883019/mod_resource/content/1/LE%20GOFF%20jacques-o-apogeu-da-cidade-medieval.pdf
[10] “An analysis of the sample of 1665 demonstrates quite clearly, then, that (..) If it was not, perhaps, ‘many centred’, Newcastle was definitely ‘four sectored’: certainly, there was not a single ‘centre’ around which all activities were organized as they are around a central business district." [LANGTON J, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27].
[11] "The inn was a place in which corn might be factored, bills exchanged and bonds entered into, forwards in commodities bought and sold and information on the state of trade passed on, and as such a focus it developed and flowered between 1500 and 1700"; [Patten J, English towns, 1500-1700. Folkestone [England]: Archon Books 1978 p. 202.
https://archive.org/details/englishtowns15000000patt/page/22/mode/2up
[12] "la puerta produjo, sin normas especiales de distribución en zonas, los barrios económicos de la ciudad; y como no había solamente una puerta, la naturaleza misma del tráfico procedente de diferentes regiones tendió a descentralizar y diferenciar las zonas comerciales. Como consecuencia de esta disposición orgánica de las funciones, la zona interior de la ciudad no estaba recargada por tráfico alguno, pues solo circulaba el generado por sus propias necesidades." [destaque meu]. [MUMFORD L, op. cit. p. 512]
[13] MARX K, O Capital Livro III, Cap 20 Considerações Históricas sobre o Capital comercial.
[14] HARMAN C, “From feudalism to capitalism". International Socialism Winter 1989, pp. 35–87.
[15] “En tanto que la ciudad de viejo estilo estaba dividida en manzanas y plazas, y luego rodeada por una muralla, la nueva ciudad fortificada estaba proyectada ante todo como fortificación, y la ciudad propiamente dicha debía caber dentro de esta camisa de fuerza. (..) De hecho, el hacinamiento se había iniciado en las capitales ya antes del siglo XVII. (..) Pero, en el siglo XVII, estas prácticas se universalizaron: se inició la construcción sistemática de altos edificios de viviendas, que tenían cinco o seis pisos en la vieja Ginebra o en París, y a veces ocho, diez o más en Edimburgo." [MUMFORD L, op.. cit. pp. 600-602]
[16] "La mayoría de los palacios renacentistas de Florencia fueron construidos en angostas calles romanas y medievales." [MUMFORD L, op.. cit. p. 585]
[17] “El significado original de «puerto» deriva de este portal [medieval]; y a los mercaderes que se establecían en este «puerto» se les solía llamar «porteros», hasta que transmitieron el nombre a sus sirvientes”. [MUMFORD L, op.. cit. p. 512]
[18] Ver WIKIPEDIA, "Eincentes de Paris", 22-02-2025
[20] “Braudel suggests that families rarely remained in trade for more than three generations before buying their way into the old ruling class”. [HARMAN C, “From feudalism to capitalism". International Socialism Winter 1989, pp. 35–87]
[21] VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, 101-20.
[22] "El paso de una economía de productos a una economía de dinero (..)"; "El crecimiento de la ciudad comercial constituyó un proceso lento, pues tropezó con resistencias, tanto en la estructura como en las costumbres de la ciudad medieval; aunque sacó partido de la regularidad barroca, siendo en realidad parcialmente responsable de ella, no le servían para nada las extravagancias de la ostentación principesca. Pero el resultado final del capitalismo consistió en introducir las modalidades del mercado, en forma universal, en todos los sectores de la ciudad: en adelante ninguna parte de la ciudad sería inmune al cambio, siempre que este significara lucro. Como ya hemos visto, este cambio se inició en la ciudad medieval, con el desarrollo del comercio a larga distancia." [MUMFORD L,  op. cit., pp. .608, 684]
[23] "De hecho, el hacinamiento se había iniciado en las capitales ya antes del siglo XVII. (..) Pero, en el siglo XVII, estas prácticas se universalizaron: se inició la construcción sistemática de altos edificios de viviendas, que tenían cinco o seis pisos en la vieja Ginebra o en París, y a veces ocho, diez o más en Edimburgo. Esta presión de la competencia por el espacio obligó a aumentar los precios de la tierra en las capitales políticas. [MUMFORD L,  op. cit., pp. 601,602]
[24] “Accepting the emergence of the capitalist system some time in the sixteenth century, we should then begin to discern the changes within cities. (..) The land assignment practices may be dealt with fairly quickly. In the place of the civic and social practices of earlier times, the capitalist city came to depend particularly upon the notion of the land-rent gradient. That trend surface might center either on a single peak or upon a number of fairly similar peaks.” [VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, pp. 107-108]
[25] “De fato, as principais ruas que, partindo da Bolsa, deixam a cidade em todas as direções, estão ocupadas, dos dois lados, por lojas da pequena e da média burguesias, que têm todo o interesse em mantê-las com aspecto limpo e decoroso. É verdade que tais lojas se relacionam de algum modo com os bairros que estão em suas traseiras (..). É o que acontece, por exemplo, com a Deansgate, que parte em linha reta da igreja velha para o sul; no princípio, é ladeada por boas lojas e fábricas; seguem-se lojas de segunda categoria e algumas cervejarias; mais ao sul, quando deixa o bairro comercial, tem pelos lados negócios mais pobres, que, à medida que se avança, tornam-se sujos e intercalados por tabernas; enfim, na extremidade sul, a aparência das lojas não permite qualquer dúvida sobre seus fregueses: operários, só operários O mesmo se passa com a Market Street, que sai da Bolsa em direção ao sudeste: de início, (..). Sei perfeitamente que essa disposição urbana hipócrita é mais ou menos comum a todas as grandes cidades; também sei que os comerciantes varejistas, pela própria natureza de seu negócio, devem ocupar as ruas principais; sei igualmente que nessas ruas, em toda parte, encontram-se edificações mais bonitas que feias e que o valor dos terrenos que as rodeiam é superior ao daqueles dos bairros periféricos. (..) em Manchester, a urbanização, menos ainda que em qualquer outra cidade, não resultou de um planejamento ou de ordenações policiais: operou-se segundo o acaso.” [ENGELS F (1845), “As grandes cidades” (2a parte - Manchester). Em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra p. 90. São Paulo: Boitempo 2008]
[26] “Lo que las compañías navieras descubrieron en el siglo XIX, con su explotación de los pasajeros de proa, ya lo habían descubierto mucho antes los propietarios de terrenos: las ganancias máximas no se obtenían facilitando comodidades de primera clase para los que podían pagarlas a buen precio, sino hacinando en tugurios a aquellos cuyos peniques eran más escasos que las libras para un rico.” [MUMFORD L,  op. cit., p. 695]
[27] "Las nuevas fortificaciones no solo alejaron demasiado de la ciudad los suburbios, los jardines y las huertas, relegandolos a distancias a las que solo podrían llegar cómodamente los ricos, que podían permitirse el lujo de andar a caballo: los espacios abiertos en el interior fueron rápidamente cubiertos por la edificación, ya que la población era expelida de las tierras adyacentes por el miedo y la ruina o bien por la presión del cercamiento y el monopolio de la tierra." [MUMFORD L,  op. cit., p. 601]
[28] "El alojamiento en tugurios de una gran parte de la población, y no tan solo de los mendigos, ladrones, trabajadores ocasionales y otros descastados, se convirtió en la modalidad característica de la ciudad en crecimiento del siglo XVII". [MUMFORD L, op. cit., p 601]
[29] "O nome que esses beneficiários dos privilégios urbanos vão usar de preferência, burgenses, apenas continuará designando uma parte da população das cidades, mas a palavra francesa que o traduz, borjois, batizará uma classe social, a burguesia, que triunfará no século XIX com o capitalismo e uma nova revolução urbana, a da cidade, nascida da revolução industrial." [LE GOFF J, op. cit., pp. 29-34.]

Traçado ortogonal, cidade radial
[1] Britannica 1963 V 5 p 816, “City Planning”
[1a] MUMFORD L (1961), “Capítulo XIV - Expansión Comercial y Disolución Urbana, 4. Los especuladores y el trazado de la ciudad”. La Ciudad en la Historia, Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., pp.701-709. [300-304 no link abaixo]
https://istoriamundial.files.wordpress.com/2013/11/la-ciudad-en-la-historia_lewis-mumford.pdf
[2] JORGENSEN P, “Porto Alegre cidade radiocêntrica (1)”. À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019. https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html
[3] HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up
[4] BURGESS E W, “The Growth of the City: An Introduction to a Research Project", em BURGESS, E W e PARK R E, The City:Suggestions for Investigation of Human Behavior in the Urban Environment, The University of Chicago Press, 1984: Chicago e Londres
http://shora.tabriz.ir/Uploads/83/cms/user/File/657/E_Book/Urban%20Studies/park%20burgess%20the%20city.pdf
[5] BURGESS E W, "Urban Areas", em SMITH e WHITE, Chicago, An Experiment in Social Sciences Research, Chicago: University of Chicago Press 1929, pp 113-138
[6] JORGENSEN P, “Porto Alegre cidade radiocêntrica (1)”. À beira do urbanismo (blog) 09-04-2019. https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2019/04/porto-alegre-cidade-radiocentrica-1.html
[7] HURD R M, Principles of City Land Values. New York, Record and Guide 1903
https://archive.org/.../principlesofcity.../page/n4/mode/1up