segunda-feira, 27 de maio de 2013

Habitação social no país dos sem-crédito

soluções diversas para um problema complexo
por Antônio Augusto Veríssimo, arquiteto e urbanista


O texto a seguir, de autoria do arquiteto Antônio Augusto Veríssimo, analisa os pressupostos utilizados pelo arquiteto Sérgio Magalhães para a produção de artigo, recentemente publicado em O Globo, com críticas ao programa governamental Minha Casa Minha Vida. Para elaborar esta análise, o autor se apoia nos conceitos da economia urbana sobre a formação do preço do solo, na trajetória recente das políticas habitacionais no continente latino-americano e em distintas experiências internacionais de combate ao déficit habitacional.

O artigo do arquiteto Sérgio Magalhães publicado em O Globo pode ser acessado pelo link
http://oglobo.globo.com/opiniao/minha-casa-no-pais-do-carro-zero-8223777



O Arquiteto Sérgio Magalhães publicou, no Jornal O Globo em 27/04/2013, artigo em que questiona a capacidade do Programa Minha Casa Minha Vida de dar respostas adequadas ao tema da habitação popular no Brasil. Ao modelo adotado pelo Governo Federal, contrapõe a proposta de implantação de um amplo programa de crédito à demanda que dê total liberdade de escolha às famílias, liberando-as do dirigismo e da tutela estatal. Para exemplificar o que considera um paradoxo, citou a facilidade com que se consegue hoje crédito farto e barato para a aquisição de um carro zero de livre escolha do consumidor. O artigo nos leva a acreditar que a simples disponibilidade de crédito para habitação daria conta de suprir a demanda que hoje busca na autoconstrução em favelas e loteamentos irregulares a solução para sua habitação.

O autor parece não levar em conta questões fundamentais para este tipo de análise: em primeiro lugar, as famílias que buscam resolver seu acesso a uma unidade habitacional em assentamentos irregulares não pertencem à mesma classe social dos demandantes por carro zero. Em segundo, o processo de produção da “mercadoria” habitação se dá em condições muito distintas do processo de produção de outros bens de consumo industrializados, como um automóvel, por exemplo.

Para ser ter uma ideia do descompasso entre as distintas demandas, vale lembrar que o déficit habitacional brasileiro é de 5,5 milhões de domicílios, sendo que cerca de 90% deste total está situado na faixa de renda familiar de 0 a 3 salários mínimos, faixa amplamente composta por população com acesso precário ao mercado de trabalho, que vive de ganhos eventuais, atividades à margem do mercado formal, ou de programas de transferência de renda. A maior parte, segundo os critérios das instituições financeiras, não é sujeito de crédito, não tendo, portanto, acesso ao mercado imobiliário formal; suas alternativas habitacionais, até poucos anos, se limitavam àquelas oferecidas pelo mercado informal (favelas, loteamentos irregulares, cortiços) ou ocupações em áreas de risco, edifícios abandonados, etc.)

Por outro lado, a produção da habitação não se dá da mesma forma que a de outros bens de consumo produzidos industrialmente. Além de seu ciclo produtivo ser muito longo, comparativamente a outros bens, e de seu alto valor agregado, existe uma condicionante fundamental que é a sua absoluta dependência de um insumo muito particular que é a terra urbanizada.

A terra não é um insumo como o aço, a madeira ou o plástico, que podem ser produzidos industrialmente em larga escala e estar disponíveis para transformação em outros bens em qualquer parte do território. A terra, especialmente quando urbanizada e bem localizada, é escassa e relativamente irreproduzível. Por esta condição, seu preço no mercado é principalmente valorado não pela quantidade de material e trabalho nela adicionada, e sim por seus atributos de localização em relação a outros bens imóveis na cidade. Por ser um bem escasso, o seu preço se forma como em um leilão, sem manter uma relação direta com a composição dos custos envolvidos na sua produção. Sendo assim, a simples concessão de crédito, sem um devido investimento em produção de novas áreas urbanizadas ou a revitalização para adensamento de áreas degradadas ou subutilizadas, só faria aumentar o preço da terra inviabilizando ainda mais o acesso dos mais pobres a uma habitação digna.

Também não parece adequado afirmar que os programas habitacionais seguem a mesma cartilha desde os anos 40. Nas políticas tradicionais, entidades estatais cumpriam um importante papel na produção, desenhavam programas e projetos, atuavam como urbanistas e como construtores, especialmente com recursos do orçamento público. Funcionavam como provedores de habitações sociais para as famílias de baixa renda e faziam as vezes de entidades financeiras disponibilizando crédito para as famílias.

A partir dos anos 60, no rastro das reformas econômicas orientadas ao mercado e ao setor privado na América Latina por influência da “Escola de Chicago”, foram redefinidos os papeis dos setores públicos e privados na produção habitacional. O setor público assumiu o papel de gestor de um sistema de subsídios diretos à demanda e o privado a responsabilidade pela construção de habitações de interesse social, proporcionando crédito e financiamento em condições de mercado. No entanto, mesmo naqueles países onde a cartilha neoliberal foi seguida à risca, como é o caso do Chile, o sistema de crédito + subsídio não conseguiu alcançar os setores de mais baixa renda, sendo necessária a intervenção estatal com a contratação direta pelo estado de unidades habitacionais.

O Brasil, com o Programa Minha Casa Minha Vida, foi na mesma direção e segue este modelo híbrido que combina a produção de unidades habitacionais contratadas diretamente pelo Estado (vendidas a baixíssimo preço, ou mesmo doadas, para a faixa de 0 a 3 SM), com a produção de mercado para as faixas de 3 a 6 e 6 a 10 SM viabilizada pela concessão de crédito com taxas de juros diferenciadas para a oferta e subsídio direto à demanda.
 
Assim como no caso chileno, este modelo se mostrou muito eficiente para o alcance de metas quantitativas, geração de empregos e impulso da cadeia produtiva da construção civil; mas, por outro lado, apresentou problemas de natureza urbanística, arquitetônica e social, especialmente no estoque produzido para os estratos de mais baixa renda. Teve ainda um forte impacto sobre o mercado fundiário, provocando um acelerado aumento do preço da terra que exigiu recorrentes aumentos nos valores dos subsídios governamentais ofertados.

 As políticas habitacionais latino-americanas, via de regra, têm como fundamento o princípio de que cada família deve ser proprietária de sua habitação (“fazer do Chile um país de proprietários” era um slogan da ditadura Pinochet), na compreensão de que a casa própria desempenha um papel ideológico que transforma o trabalhador em “aliado da ordem”, não havendo incentivos em nossos países para a oferta legal de imóveis de aluguel. No mercado informal, no entanto, especialmente nas favelas, é crescente a oferta de unidades para aluguel; solução mais adequada para imigrantes recém-chegados em busca de trabalho e para jovens em início de suas vidas, fora a casa materna.

Há países que apostam em outras estratégias para garantir moradia para essa demanda não atendida pelo mercado imobiliário formal. Europa e América do Norte têm, na produção de unidades para aluguel, fortemente subsidiada e dirigida pelo Estado, a principal ferramenta para a solução do déficit habitacional. Mais recentemente, nestes mesmos países, e como política de Estado, muito se tem investido no fomento à produção de empreendimentos de renda mista que abrigam, sem diferenciação na aparência ou na qualidade da construção, famílias de distintas classes de renda no seu interior - uma política que tem produzido resultados muito positivos.

Na própria América Latina surgem iniciativas muito promissoras, como no caso colombiano, que apontam para a utilização articulada de instrumentos de política urbana que viabilizam, sem custo para a coletividade, a produção de solo urbanizado destinado a habitação social e de mercado integrada a espaços produtivos, culturais, educativos e de lazer, bem servidos por transporte e infraestrutura.

Políticas habitacionais baseadas na concessão de crédito e subsídios à demanda para aquisição de habitação de mercado são eficientes quando endereçadas a trabalhadores minimamente integrados ao mercado de trabalho formal, capazes de comprovação de renda regular, mas possuem limitações que as impedem de prover moradia adequada para as faixas de mais baixa renda da população. Um exemplo recente é o caso da Costa Rica. Este país, que historicamente mantinha taxas reduzidas de déficit habitacional (comparativamente aos demais da região centro-americana), assiste hoje a um rápido crescimento dos assentamentos informais no seu território, provocado por um crescimento dos níveis de pobreza de sua população e pela absorção de mão de obra imigrante com inserção precária no mercado de trabalho e sem acesso aos mecanismos de crédito oficiais.

A questão do déficit de moradias é complexa e não será equacionada sem uma adequada compreensão de suas condicionantes econômicas, sociais, políticas e culturais. Além disso, as especificidades do mercado imobiliário o distingue dos demais ramos de produção de bens de consumo; por este motivo, políticas que visam a garantia de uma habitação segura para as famílias de mais baixa renda deverão seguir caminhos distintos daqueles utilizados para se viabilizar o acesso a outros bens de consumo industrializados, como um carro zero, por exemplo.

Exemplos exitosos existem e estão disponíveis para serem conhecidos, avaliados e, se for o caso, adaptados à nossa realidade. O que não podemos é ficar presos a modelos únicos que desconsideram a diversidades das situações envolvidas. 

 Antônio Augusto Veríssimo, Maio de 2013  

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Grandes Projetos Urbanos: Parque das Nações, Lisboa

Deu no tvi 24
22-05-2013, por Claudia Costa

Parque das Nações, uma ilha de bem estar ou de caos urbano?
O Parque das Nações foi criado de raiz há 15 anos em Lisboa. Sendo uma zona sem paralelo na cidade, nomeadamente na ligação ao rio, não está a salvo de críticas. O «boom» de construção habitacional tornaram a zona numa das mais movimentadas de Lisboa, pelo menos, na hora de ponta. 

(..) Atualmente vivem na zona da antiga Expo mais de oito mil prédios onde moram mais de 14 mil pessoas, segundo os dados dos últimos Censos. Visto como muitos como uma zona nobre da cidade, especialmente para morar, o certo é que comprar casa no Parque das Nações continua a não ser para todas as bolsas. Atualmente o preço de um apartamento ronda os 2.685 euros por metro quadrado e das vivendas os 2.550 euros por metro quadrado, segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).
(..) Para José Rio Fernandes, especialista em Urbanismo e Geografia Urbana da Universidade do Porto, o Parque das Nações não deixa de ser um projeto de sucesso, mas o que funciona «menos bem» é a «relação deste espaço com a envolvente», porque, considerou, «este espaço respira mal» com o resto da cidade e, constitui-se «quase como uma ilha, uma ilha de conforto e de qualidade e de elevadas densidades construtivas», disse à Lusa.
O especialista admite que existe ali construção em excesso e admitiu também que o planeamento daquele espaço esteve «muito condicionado por questões de natureza financeira». José Rio Fernandes defendeu ainda que a zona devia ser «menos shopping, mais comércio de rua, mais comércio independente e menos comércio de grande marca».

Já o arquiteto Manuel Salgado, que fez parte do plano de urbanização do Parque das Nações, defendeu que a construção podia ter ido ainda mais além, por exemplo, com implementação com uma urbanização de luxo. «Eram iniciativas que podiam ter sido muito importantes para requalificar a zona oriental e estender o "efeito Expo"», referiu à Lusa. (Continua)

Ver também
“Intervenções urbanas na cidade de Lisboa”. Pavilhão de Portugal (blog) 16-11-2009


 2013-05-24

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Chique no último

Deu n'O Globo
Em 18-05-2013, por Ines Garçoni
Vidigal atrai moradores ilustres e ganha status de favela chique

Foto (detalhe): Fabio Seixo / O Globo 
(..) No passado, o Arvrão foi quartel-general dos traficantes, e hoje é o principal exemplo do que pode se tornar o Vidigal num futuro muito próximo. As transformações impulsionadas pela instalação da UPP, que neste domingo completa 16 meses, ganharam ritmo acelerado nos últimos tempos.

Este ano, compraram casas no morro o artista plástico Vik Muniz, a produtora de cinema Jackie De Botton, o casal Cello Macedo e Zazá Piereck, do Zazá Bistrô e Devassa, e o empresário e consultor Rene Abi Jaoudi. Já estão em obras o hostel Favela Nova, com seis quartos, restaurante e clube de jazz, do casal Laetitia Lafayette e Lucas Tavares (ela francesa, e ele, carioca), e o hotel Mirante do Arvrão, da sociedade entre o arquiteto Hélio Pellegrino e o empresário Antônio Rodrigues, dono do Belmonte. Com cinco suítes, cinco quartos de camas múltiplas e um bar, trata-se do maior investimento privado na favela e deve ser inaugurado em julho. Além dos empreendedores, tem crescido o número de moradores egressos de outras paragens, atraídos por aluguéis mais baratos que os da “cidade grande” e pelo clima de interior, como o músico pernambucano Otto, o arquiteto paraibano Pedro Henrique de Cristo, o produtor cultural paulista James Cesari e a atriz carioca Nêga, entre outros. (Continua)


2013-05-20

sábado, 11 de maio de 2013

Quadros de uma exposição

Deu no Museum of the City of New York  23 jan-15 set 2015
http://www.mcny.org/exhibitions/current/Making-Room.html
Maquete da edificação sugerida
Making Room: New Models for Housing New Yorkers showcases innovative design solutions to better accommodate New York City’s changing, and sometimes surprising, demographics, including a rising number of single people, and will feature a full-sized, flexibly furnished micro-studio apartment of just 325 square feet – a size prohibited in most areas of the city.  Visitors to the exhibition will see models and drawings of housing designs by architectural teams commissioned in 2011 by Citizens Housing & Planning Council, in partnership with the Architectural League of New York. The exhibition also presents winning designs from the Bloomberg administration’s recently launched pilot competition to test new housing models, as well as examples set by other cities in the United States and around the world, including Seattle, Providence, Montreal, San Diego, and Tokyo. 
Graffitti do blogueiro perplexo sobre painel da exposição

Aproveitando o ensejo, não deixem de assistir a esta incrível filmagem da execução de Quadros de Uma Exposição, de Modest Mussorgsky (versão orquestral de Maurice Ravel), sob a regência de Carlo Maria Giulini - a inquestionável estrela do espetáculo.
Capa da 1a edição da obra




2013-05-11 (Saudade, velho; foste tão cedo!)

domingo, 5 de maio de 2013

Mirror mirror on the wall, who's the smallest and most profitable of them all?

Deu na Bloomberg Newsweek, em 14-03-2013*
por  Venessa Wong
Micro-Apartments in the Big City: A Trend Builds

Imagine waking in a 15-by-15-foot apartment that still manages to have everything you need. The bed collapses into the wall, and a breakfast table extends down from the back of the bed once it’s tucked away. Instead of closets, look overhead to nooks suspended from the ceiling. Company coming? Get out the stools that stack like nesting dolls in an ottoman. (...) And these boîtes aren’t just for singles. The idea is to be more efficient and eventually to offer cheaper rents.
Micro-apartments, in some cases smaller than college dorm rooms, are cropping up in North American cities as urban planners experiment with new types of housing to accommodate growing numbers of single professionals, students, and the elderly.
(..)
To foster innovation, several municipalities are waiving zoning regulations to allow construction of smaller dwellings at select sites. In November, San Francisco reduced minimum requirements for a pilot project to 220 square feet, from 290, for a two-person efficiency unit. In Boston, where most homes are at least 450 sq. ft., the city has approved 300 new units as small as 375 sq. ft. With the blessing of local authorities, a developer in Vancouver in 2011 converted a single-room occupancy hotel into 30 “micro-lofts” under 300 sq. ft. Seattle and Chicago have also green-lighted micro-apartments.
(..) 

E o benefício, como não poderia deixar de ser, é do usuário: praticidade, inovação e, eventually, aluguel mais barato. 


* Leia a íntegra do artigo em  http://www.businessweek.com/articles/2013-03-14/micro-apartments-in-the-big-city-a-trend-builds