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quarta-feira, 20 de abril de 2022

Apontamentos: FARIA et al (orgs) 2022 - Urbanismo e Urbanização em Ribeirão Preto

Estes apontamentos são parte de um processo de estudo compartilhado. À beira do urbanismo está à disposição dos autores cujo trabalho aqui se comenta para suas considerações.

FARIA R, MIRANDA A L e RIZZATTI H (Orgs), Urbanismo e Urbanização em Ribeirão Preto - história e desenvolvimento. Editora FAU-UnB (a ser publicado)


Para além do valor intrínseco de cada contribuição individual, Urbanismo e Urbanização em Ribeirão Preto, cuja publicação está sendo anunciada para breve, há de ser um livro de grande relevância e utilidade para o estudo historicamente orientado da organização espacial urbana no Brasil.

Começo tirando o chapéu para a clarificação do título, “Urbanismo e Urbanização", objetos distintos, embora permanentemente entrelaçados, que a arraigada tradição idealista da história e da crítica urbanística reitera em confundir. Para ser ainda mais didático, eu diria “Urbanização e Urbanismo”. 

Nas palavras de FARIA,

(..) produto de um trabalho coletivo que se iniciou com a realização de um Seminário em fevereiro de 2020 no Centro Cultural Palace de Ribeirão Preto (..), com este livro nos colocamos no debate político sobre Ribeirão Preto a partir de nossos campos disciplinares. (..) Arquitetura, Urbanismo, História, Geografia, Planejamento Urbano-Regional são os lugares profissionais que estão na base estrutural de um conjunto de olhares cujas críticas trazem também um projeto-ideia de transformação dessa mesma realidade.

O livro contém nove artigos de autores diversos, organizados em três partes definidas pelas principais fases do processo urbanizatório - entendido como combinação de crescimento “espontâneo” e ação governamental. São elas:

PARTE A - Ribeirão Preto no Séculos XIX e XX: história, urbanismo e urbanização.

PARTE B - Ribeirão Preto no Séculos XX: planejamento e política urbana A COHAB-RP na produção do espaço urbano em Ribeirão Preto (SP).

PARTE C - Ribeirão Preto no Século XXI: planejamento estratégico, periferização e metropolização.

Imediatamente interessado na transição do núcleo urbano original, reconhecido como vila em 1871, para os primórdios da metrópole contemporânea, digamos até o ano de 1930, pude extrair, de uma rápida pesquisa de autores participantes do projeto, uma pequena coleção de ótimos materiais como a preciosa Tese de Doutorado de Débora ZAMBONI, 
A Territorialidade do Capital: da fazenda ao condomínio, desenhando a cidade (UFABC 2018), [1] e uma série de escritos de Adriana Capretz Borges da SILVA, pesquisadora da história dos bairros oriundos do Núcleo Colonial [Agrícola] Antônio Prado, tema de sua Dissertação de Mestrado (UFSC 2002) e do livro Campos Elíseos e Ipiranga: memórias do antigo Barracão, [2] - além de textos de autores não relacionados à publicação.

Ambas as pesquisas lançam luzes sobre a rápida conversão das pequenas propriedades rurais provenientes da colonização agrícola de fins do século XIX em loteamentos suburbanos proletários e semi-proletários da metrópole nascente, e a consequente diferenciação norte-sul que passa a caracterizar, daí em diante, a sua configuração sócio-espacial

Apesar das significativas diferenças, o processo de incorporação dos lotes do Núcleo Colonial Antônio Prado à malha (sub)urbana de Ribeirão Preto suscita de imediato o caso de Erechim - RS, cidade “planejada” nascida, em 1910, da transformação do 5o Distrito de Passo Fundo em colônia agrícola também destinada a imigrantes europeus. Um estudo comparado da história dessas duas cidades pode ser o passo seguinte à publicação, em breve neste blog, de um artigo sobre a cidade de Erechim - mais exatamente sobre a incorporação do Plano Torres Gonçalves ao processo de expansão urbana impelida pelo mercado de terras, benfeitorias e serviços.

Encerro esta nota com duas passagens de SILVA que, embora aparentemente irrelevantes, tocam num ponto que me parece crucial:

Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [3]
Embora a autora não mencione a fonte dessas informações, as aspas deixam pouca margem para dúvida: trata-se de um fragmento da nossa história urbana incrustado na linguagem. Permito-me especular que, por ocasião da criação do núcleo Antônio Prado, o “centro”, entidade geográfica distintiva da transformação das cidades mercantis-escravistas brasileiras em metrópoles, grandes e pequenas, ainda não existia para os ribeirão-pretanos; surgiria, nas décadas seguintes, do próprio processo de suburbanização a norte e oeste da "cidade" principalmente, mas também, em alguma media, a sul e leste. Vejamos se o livro nos esclarece.

____
[1] ZAMBONI D P, A territorialidade do capital: da fazenda ao condomínio, desenhando a cidade. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território da Universidade Federal do ABC. Santo André, 2018.
http://lepur.com.br/wp-content/uploads/2019/01/Debora-Prado-Zamboni_Tese_2018.pdf

[2] SILVA A C B, Campos Elíseos e Ipiranga: memórias do antigo Barracão. Ribeirão Preto SP: Editora COC 2006

[3] MANHAS A C e MANHAS M P, “Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto SP 1887. I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011, p. 6.
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf

2022-04-20

quarta-feira, 30 de março de 2022

Primórdios da urbanização de mercado no Brasil: Ribeirão Preto


I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011, por MANHAS Adriana Capretz e MANHAS Max Paulo,
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf


Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto, SP, 1887 
Figura 03 - Detalhe dos acessos de Ribeirão Preto para o Núcleo Colonial Antônio Prado em 1887. Fonte: SILVA, 2006.

(..)

Entre 1887 e 1893 foram feitos 200 requerimentos para lotes, e os títulos definitivos já começaram a ser solicitados em 1890, quando o requerente já estava instalado em seu lote havia dois anos. Da mesma forma, um último concessionário foi registrado no ano de 1893, sendo que no ano de 1892 não foi feito nenhum pedido nem transferência, pois, nessa época, estavam sendo expedidos os títulos definitivos. Analisando os “Títulos de Propriedade” concedidos entre 1892 e 1893, verifica-se que 162 colonos adquiriram seus títulos em 1892 e sete deles no ano seguinte.

Inicialmente, os lotes do núcleo colonial funcionavam apenas como chácaras, abastecidas pelos córregos da região, onde os imigrantes produziam milho, arroz, feijão, fubá e criavam animais, utilizando-se da estrada de ferro Mojiana para escoar a produção para outros municípios. A propriedade havia sido adquirida sob condição de cultura e morada efetiva e outras obrigações que deveriam ser rigidamente cumpridas, com a pena de perda do lote pelo não cumprimento - conservação dos marcos dos lotes; construção de residência de pelo menos “quatrocentos palmos quadrados”; plantio de “mil braças quadradas” em até seis meses após a designação do lote; residência de pelo menos um ano antes da obtenção do título definitivo do lote e o pagamento integral antes de sua concessão.

Chamam a atenção, contudo, algumas características da diversificação das atividades urbanas praticadas na área do núcleo colonial, que não necessariamente tinham vínculo com a produção cafeeira: até a década de 1920, verificou-se um número elevado de estabelecimentos comerciais de secos e molhados, levando a acreditar que se tratava da comercialização dos excedentes da pequena produção. Além disso, foram encontrados registros de pequenas indústrias alimentícias e de gêneros de primeira necessidade, sendo que algumas atingiam com seus produtos um mercado regional, como a cerveja produzida pela Livi & Bertoldi, fábricas de caramelo (para atender a produção de bebidas) e as diversas fábricas de sabão e cadeiras cujos registros foram também encontrados. Da mesma forma, havia uma multiplicidade de segmentos de serviços e manufatureiros que serviam como suporte da produção e circulação de mercadorias, como os motoristas de “carros de aluguel” e as oficinas de carroças. No ramo da construção, além da concentração de mão-de-obra especializada, decorrente da quantidade de imigrantes que já exerciam o ofício principalmente na Itália, observou-se a presença de olarias e depósitos de materiais.

Ao lado de atividades agrícolas, comerciais, industriais e de prestação de serviços, os moradores do núcleo também encontraram na venda de terras uma nova fonte de renda após a emancipação em 1893, quando os lotes originais puderam ser comercializados sem a intervenção do Estado. Com isso, o patrimônio público que era formado por suas terras foi transferido para o domínio privado e deste momento em diante, a distinção antes existente entre os lotes urbanos e rurais desapareceu, pois o valor da terra passou a ser determinado pelo mercado imobiliário. A partir daí, a classe trabalhadora pôde a adquirir lotes inteiros ou frações destes junto aos primeiros proprietários, para a formação de chácaras ou para a construção de casas para moradia ou aluguel, embora não alcançassem grandes preços devido à localização suburbana e à falta de investimentos públicos. As seções que possuíam mais fácil acesso ao núcleo urbano principal, que eram a sede e a terceira seção, foram “reloteadas” antes das demais, abrigando as mais diferenciadas atividades econômicas, não significando, entretanto, que tenham recebido serviços de infraestrutura urbana prontamente. Ambas constituíram logo nos primeiros anos o bairro conhecido por “Barracão”. A área correspondente a esta terceira seção, juntamente com o bairro Retiro (que já existia às margens do córrego Retiro) era chamada “Barracão de Baixo”, para distinguir do “Barracão de Cima”, que correspondia à área da sede, próxima à linha da Ferrovia Mojiana. Posteriormente, o Barracão de Baixo passou a se chamar Campos Elíseos e o Barracão (de Cima) teve seu nome alterado para Ipiranga somente na década de 1960. (..)

2022-03-30