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quinta-feira, 20 de abril de 2017

Outorga Onerosa: a determinação da contrapartida nos termos do Estatuto da Cidade

Reeditado em novembro de 2017

I - O valor da contrapartida em função de V, Cs e Cb

Reza o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10 de julho de 2001):
SEÇÃO IX 
Da Outorga Onerosa do Direito de Construir 
Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. 
§ 1o Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.
§ 2o O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana. 
§ 3o O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área. (..)

Admitindo-se, então, que

  • o máximo valor V exigível por contrapartida a um empreendimento imobiliário corresponde ao coeficiente de aproveitamento de terreno de serviço Cs,
  • a cada m2 construído corresponde igual quantidade de valor V
  • Cb é o coeficiente de aproveitamento isento de contrapartida por Outorga Onerosa,


deduz-se que

  • o excedente construtivo medido em coeficiente de aproveitamento é dado pela expressão [Cs - Cb]
  • a proporção do excedente construtivo sobre o total é dada pela expressão [1 - Cb/Cs]
  • o valor de contrapartida K que corresponde ao excedente construtivo [Cs - Cb] é dado pela expressão


K = V * (1 - Cb/Cs).


Ressalvada a precisão que se fará na parte III sobre o valor de referência V, este é o método correto de determinação do valor da contrapartida por OODC nos termos do Estatuto da Cidade, vale dizer K = f (V, Cs, Cb).

Pode-se traduzi-lo da seguinte maneira: Se V representa, digamos, o valor venal VV do terreno que ancora a totalidade da construção, a contrapartida K representa a porção do valor venal VV que corresponde ao excedente construtivo. Dito de outra forma, K é a valorização do terreno derivada do potencial construtivo excedente, relativamente ao valor de referência V.

Para se cobrar, a título de Outorga Onerosa, 10% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficiente de aproveitamento Cs=3, bastaria estipular Cb=2,7. Analogamente, para se cobrar 20% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficiente de aproveitamento Cs=1, bastaria estipular Cb=0,8.

A consistência do método se testa atribuindo à variável Cb os valores máximos e mínimos admissíveis:


  • Se Cb = 0 ⇒ K = V
  • Se Cb = Cs ⇒ K = 0

A contrapartida por OODC varia, de fato, necessariamente, entre zero e V.


II - Ajuste do método ao coeficiente básico Cb = 1

Com a adoção generalizada do Cb = 1 preconizado por um grande número de urbanistas de formação jurídica, o Cb perde o papel de “variável de ajuste” do valor da OODC.

Com Cb = 1, a contrapartida K tende a resultar, em regiões urbanas de alta densidade, em proporções demasiado elevadas do valor total V.

Torna-se necessário, então, introduzir um "fator de ajuste" Fa para conduzir K a valores econômica e politicamente praticáveis:


K = V * (1 - Cb/Cs) * Fa,


sendo este o método pelo qual se há de estipular o valor da OODC, nos termos do Estatuto da Cidade, quando o Cb não é a variável determinante da proporção de V a ser paga como contrapartida.

Para se cobrar, então, a título de Outorga Onerosa, 15% do valor V atribuído a terrenos edificáveis com coeficientes de aproveitamento Cs=4 e Cb=1 (excedente construído = 0,75 * Cs) seria neecessário estipular um fator de ajuste Fa=0,2.


K = V * (1 - 1/4) * 0,2 = V *0,15


O fator de ajuste Fa pode ser interpretado como multiplicador do patamar de isenção Cb, como desconto sobre o valor da terra V ou como uma combinação de ambos.


Clique na imagem para ampliar 



III - crítica do método do EC

Valor de mercado vs. valor residual

O Estatuto da Cidade não estabelece relação entre a Outorga Onerosa do Direito de Construir e a recuperação da renda da terra para fins de financiamento urbano.

A contrapartida surge como um “preço”, arbitrariamente estabelecido, do m2 de construção excedente ao coeficiente básico de aproveitamento do terreno.

Dá-se, no entanto, que a contrapartida total a ser paga deve necessariamente provir da economia do empreendimento e a ela se adequar. Decorre daí que ela não pode ser superior ao valor residual do terreno a incorporar.

O valor residual VR, lucro do empreendimento excedente à Taxa Mínima de Atratividade (TMA) considerada pelo incorporador, ou à soma custo de capital + lucro econômico mínimo admissível, é o máximo preço que este poderia, teoricamente, pagar pelo terreno ao seu proprietário. Num ambiente hipotético em que se considere a recuperação integral da renda da terra, VR é também o máximo valor conceitualmente admissível da contrapartida por OODC.

Algumas fórmulas de cálculo da OODC estabelecem como valor de referência da contrapartida V o “valor de mercado” do terreno objeto da incorporação. Embora a totalidade do valor de mercado seja “renda da terra”, ou “resíduo” do valor de venda dos produtos que ela abriga, a recíproca não é verdadeira: o valor de mercado não representa a totalidade da renda ou resíduo.

O valor de mercado VM é o preço provável da compra-venda do terreno para incorporação, o que equivale a uma parcela do valor residual total - sendo 50% uma proporção razoável em regiões de intensa renovação urbana, onde o comprador precisa comprar tanto quanto o vendedor precisa vender; dito de outra forma, onde se dá alguma concorrência entre compradores e vendedores de terrenos.

Outras fórmulas utilizam o valor venal estabelecido na Planta de Valores, utilizada para fins do Imposto Predial e Territorial Urbano. Por motivos que não cabem discutir aqui, o VV é um valor de mercado cronicamente defasado, que especialistas admitem equivaler, em muitos casos, a algo como 50% do valor de mercado, isto é, 1/4 do resíduo total VR.

A renda total é o "valor residual" VR, aquele pelo qual o incorporador revende o terreno, em forma de frações ideais, aos adquirentes de unidades imobiliárias, e cuja apropriação, na maior proporção possível, constitui a alma do seu negócio: a parte do valor residual do terreno não paga ao ex-proprietário como preço de transação e não recuperada pela coletividade como Outorga Onerosa do Direito de Construir, instituto que materializa a "obrigação de urbanizar", se converte em lucro extraordinário do incorporador.

Portanto atenção: ao recair sobre o resíduo, o ônus da Outorga Onerosa reduz o montante a ser repartido entre o incorporador e o proprietário do terreno a incorporar, consequentemente o preço de transação e daí o próprio valor de mercado VM dos terrenos incorporáveis. Moral da história: é o valor de mercado VM que depende do valor da OODC, não o contrário. Toda "fórmula" de OODC que adota VM como variável independente é viciosa por "circularidade".

Sendo assim, a nossa fórmula geral passa a ser




K = VR * (1 - Cb/Cs) * Fa




Construção bruta vs. produto imobiliário

O valor residual de um terreno resulta da subtração dos custos totais, incluído o de capital, ao Valor Geral de Vendas da combinação mais rentável de produtos imobiliários que ele pode receber. O VGV é o somatório dos preços de todos as unidades imobiliárias colocadas à venda - mais exatamente produzidas, dado que unidades podem ser cedidas em pagamento ao proprietário do terreno - e o "m2 privativo médio” a unidade de produto imobiliário ao redor da qual gravita toda a economia do empreendimento.

O “m2 construído” não é a unidade mais adequada para estudo, cálculos e determinação da contrapartida por Outorga Onerosa do Direito de Construir como instrumento de recuperação da renda do solo pela razão elementar de que ele não tem preço de venda nem resíduo.

O uso do VR (ou Vr/m2) como unidade de valor da Outorga Onerosa recomenda que conceitos como “m2 construído” e “excedente construtivo” sejam computados com base em m2 privativos médios e que o "coeficiente de aproveitamento do terreno" seja entendido como "líquido", isto é, referido à área privativa total do empreendimento.


O coeficiente básico Cb

O Estatuto da Cidade estabelece o coeficiente básico de aproveitamento do terreno como "patamar de isenção" da cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir.

O conceito de coeficiente básico provém do instituto francês do plafond de densité (Cb = 1), cuja razão de ser e trajetória não cabem no escopo desta discussão. 

O Cb é um mecanismo de regulação do valor da contrapartida por OODC esculpido na linguagem técnica do próprio urbanismo: quanto mais próximo o Cb do coeficiente de serviço Cs, menor o excedente construtivo e, portanto, menor a contrapartida a ser paga pelo empreendedor.

Com a adoção do "coeficiente básico único e unitário" em um grande número de cidades brasileiras, o Cb perde a função de variável reguladora do valor da contrapartida com a agravante de gerar, via de regra, "excedentes de renda" impensáveis para o status atual da indústria da incorporação: numa zona urbana de alta densidade onde o coeficiente máximo de serviço é Cs = 5, o excedente ao Cb =1 determina contrapartidas equivalentes a 4/5 do valor de referência V! Esse efeito indesejado é, então, compensado pela adoção de reguladores alternativos que atendem pelos nomes de "redutor", "fator social", "fator de planejamento" etc.

Não nos iludamos: quaisquer que sejam as virtudes do Cb =1, elas são algebricamente violadas sempre que o método de cálculo da contrapartida adota um valor de referência V < VR e/ou introduz um fator de ajuste que faça aumentar o valor de Cb, seja dito “social” ou “de planejamento”.

Além disso, o valor real da OODC - para o empreendedor como para a coletividade - não é o “preço do m2 excedente”, mas quanta OODC o empreendimento paga, ao final, por m2 privativo produzido. Se um empreendimento de 1000m2 construídos/ produzidos pagou, a título de outorga onerosa, R$ 300,00 por cada um de 400m2 declarados “excedentes”, num total de R$ 120.000,00, terá pago R$ 120,00 por m2 construído/ produzido; igual valor teria pago se lhe fosse cobrado, a título de outorga onerosa, R$ 200,00 por cada um de 600m2 declarados “excedentes” ou R$ 120.000,00 por 1 único m2 declarado "excedente".

Em suma, as "fórmulas de cálculo" da Outorga Onerosa se converteram em uma babel metodológica que dificulta enormemente, se é que não impede, a "transferência de tecnologia" das cidades que arrecadam razoavelmente para aquelas que arrecadam pouco ou nunca o fizeram.

O modo mais simples e transparente de aplicar-se a Outorga Onerosa do Direito de Construir é a imposição da contrapartida à totalidade dos m2 privativos produzidos no empreendimento. Iguala-se, assim, o valor da contrapartida ao custo do empreendedor. Nos termos do Estatuto da Cidade, isto significa, em todos os casos, considerar Cb = 0. Daí,


K = Vr * 1 * Fa


A taxa de recuperação do resíduo

Com Cb = 0, o "fator de ajuste" se converte em "taxa de recuperação do resíduo", mais exatamente do “valor residual da fração de terreno que corresponde a cada m2 privativo médio produzido”.


K = Vr * Tr


A Tr não se pode calcular: respeitada a relação entre rentabilidade do empreendimento e progressividade da contrapartida, ela há de ser a maior possível considerados os limites teóricos e práticos, econômicos e políticos, da recuperação da renda da terra na indústria da incorporação.

E são esses limites - não as "fórmulas de cálculo"! - o aspecto crítico a que nós, gestores urbanos adeptos do instrumento da Outorga Onerosa precisamos, urgentemente, dedicar os nossos melhores esforços.



2017-04-30


Leia também, neste blog,

Outorga Onerosa do Direito de Construir: por um novo marco metodológico
http://abeiradourbanismo.blogspot.com.br/2017/05/outorga-onerosa-do-direito-de-construir_10.html


sexta-feira, 17 de julho de 2015

CEPAC e Outorga: primo rico, prima pobre

Notas sobre as modalidades de recuperação de mais-valias do solo resultantes de acréscimos de edificabilidade

Malba Tahan, o Príncipe da Pérsia,
dá a sua versão da concessão onerosa 
de potencial construtivo
Um enfático convite para ajudar no debate público do Plano Urbanístico Regional de Pendotiba, Niterói, me fez retornar - remando contra a corrente, por ter deixado o tema de lado há bastante tempo - à questão da Outorga Onerosa do Direito de Construir, com a qual ainda tenho pendências pelo fato de não enxergar a natureza residual do valor do solo em nenhuma discussão e, principalmente, em nenhum procedimento de cálculo adotado Brasil afora.

Recordo que, a certa altura, um ativista interessado no mecanismo da Outorga Onerosa exclamou: "Não consigo entender a fórmula". E eu respondi: "Não se preocupe. Eu também não". 

Tratava-se de um método de cálculo baseado...  no Custo Unitário Básico - CUB - da construção civil! 

Nestas notas eu tento mostrar como, mediante a aplicação combinada de (1) distintos redutores aplicados ao “preço de referência” do m2 de potencial construtivo excedente (valor de mercado) e (2) distintas proporções entre Coeficiente Básico e Coeficiente de Máximo de aproveitamento de terreno, a captura, nas Operações Urbanas Consorciadas, de proporções da mais-valia do solo que deixariam H. George* inflado de orgulho pode se transformar, na Outorga Onerosa do Direito de Construir, em recuperação de bagatelas que o fariam corar de vergonha.

De maneira surpreendente até para mim mesmo, construí essas notas a partir do “preço do m2 excedente” em lugar de derivá-las da razão contrapartida/renda total, isto é, do geral para o particular, como venho fazendo rotineiramente. No final deu no mesmo, mas trilhar esse caminho foi um tremendo desafio: o "preço do m2 excedente" é um peixe liso, difícil de agarrar, ainda mais num rio turvado por múltiplas combinações de coeficientes básicos e máximos de aproveitamento de terreno e todo gênero de fatores de desconto. 

O conceito de “preço de referência” aqui utilizado é o corolário de uma explicação bastante simples que encontrei para a notória diferença de ordem de grandeza entre preços de m2 excedente e valores de contrapartida por m2 nas OUCs (CEPACs) e na OODC, a despeito de sua natureza comum. Ele é o parâmetro em que podemos basear a formação do "preço do m2 de potencial construtivo excedente”: nas OUCs como preço mínimo levado aos leilões de potencial construtivo, na OODC como preço máximo subordinado aos efeitos redutores do "valor venal do IPTU" e dos fatores de “planejamento”, de “interesse social” etc.

Passei batido, admito, pela discussão do conteúdo do "m2", que tomo a priori como unidade de produto imobiliário, não de construção, pela razão elementar de que esta não tem preço nem valor - que dirá residual! Criar um "fator de ajuste" a mais para converter "m2 construídos" em "m2 privativos" seria abusar da paciência do leitor. 

Dedico especial atenção à relação entre o preço do m2 excedente e o coeficiente básico de aproveitamento de terreno. Por só ser cobrado à parcela do produto total que excede a proporção Cb/C, o "preço do m2 excedente" tem existência fugidia. No frigir dos ovos, o que conta é a "contrapartida por m2 produzido”, unidade de custo da concessão onerosa para o incorporador-proprietário. Se, no limite, Cb=0, a contrapartida será paga sobre 100% do produto; se Cb=C, a contrapartida será ZERO porque não haverá produto (nem renda) excedente. O coeficiente básico de aproveitamento de terreno exerce, portanto, o papel de "patamar de isenção" do encargo, o “redutor de segunda ordem” do valor das contrapartidas. 

Por se tratar, aqui, de um estudo da mecânica interna da concessão onerosa de potencial construtivo, eludi a questão dos seus efeitos sobre os preços dos terrenos, para cuja investigação me falta, aliás, a devida competência. Dou por verdadeira a noção básica, extraída da teoria, de que a imposição de encargos sobre a renda fundiária gerada nos empreendimentos reduz o valor residual a ser repartido entre proprietário e incorporador, consequentemente o preço de transação dos terrenos. Efeitos de contrapartidas muito pequenas podem ser difíceis de detectar empiricamente. Mas dificilmente, creio, eles poderiam escapar ao olho clínico do investigador das transações de terrenos afetos às OUCs paulistanas. 

Pela mesma razão não abordo o problema do coeficiente básico “único e unitário”, que só consigo entender como peça-chave de um cenário de recuperação quase-georgeana da renda da terra, incompatível com quaisquer outros “coeficientes de desconto”. 

Todas as cambalhotas que fui obrigado a dar para não perder a pista do meu objeto vão acompanhadas de cálculos numéricos derivados de um empreendimento hipotético - submetido a uma versão ultrassimplificada, mas de grande utilidade analítica, do método involutivo de avaliação de terrenos urbanos.

Avatar preferido do blogueiro
tenta decifrar o enigma de
Mlle  O.O.D.C.
Tateando, de parágrafo em parágrafo, mas sem nunca perder de vista o alicerce do valor residual do solo, procurei assentar alguns tijolos a mais na construção de uma crítica teórica dos métodos brasileiros de recuperação de mais-valias do solo por acréscimo de edificabilidade. Espero que ela esteja correta no essencial e que ajude a esclarecer coisas que nossos atuais procedimentos de cálculo tornam bastante obscuras! 

Penso em transformar essas notas - partindo (1) do postulado de que 100% do preço da terra é mais-valia e (2) de uma síntese descritiva do surgimento do Valor Residual na incorporação imobiliária conforme o método residual dedutivo de avaliação - em um “passo a passo” didático e ilustrado, muito mais acessível ao leigo do que vai aqui, para publicação em à beira do urbanismo. Depois, retornar ao demais afazeres, que se atrasam. 

Acho que vale a pena dizer ao leitor menos paciente, desde o início, que a inesperada conclusão dessas notas é: 


“Esclarecido o problema de qual proporção da renda do solo gerada nas incorporações imobiliárias a coletividade pode, deve ou consegue legitimamente reclamar, poderíamos, quem sabe, substituir todo esse jogo de tira-e-põe, divertido, porém desnecessariamente complicado, pelo método muito mais simples de se aplicarem contrapartidas com base em uma TABELA DE PERCENTUAIS PROGRESSIVOS SOBRE OS PREÇOS MÉDIOS DOS M2 PRIVATIVOS COLOCADOS À VENDA NOS ESTANDES.

Introdução 

Consideremos um empreendimento residencial com preço de venda médio do m2 privativo = R$ 6.000,00. E suponhamos que, destes R$ 6.000,00, 25% (para arredondar as contas), são para pagar a fração ideal de terreno. Ou seja, R$ 1.500,00 é o valor residual da fração de terreno que “ancora” 1m2 de produto imobiliário. Os restantes 75% se repartem em retorno de capital (15%, ou Taxa Mínima de Atratividade) e custo total de produção (60%).  


No Brasil, toda a política de recuperação de mais-valias imobiliárias por acréscimo de edificabilidade consiste na concessão de potencial construtivo por um preço que, ainda que poucos se dêem conta, equivale - feitas as conversões necessárias - a certa porção do valor residual do terreno subjacente.(Continua)


Leia o artigo completo clicando em 


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[*] Henry George, escritor, economista e político estadunidense (1839 –1897), autor de Progresso e Pobreza (1879), defendia a supressão dos impostos sobre as atividades produtivas em favor da taxação integral da renda da terra, um bem natural irreprodutível cuja propriedade exclusiva, além de privilégio imerecido e economicamente injustificável, seria um obstáculo ao pleno desenvolvimento da indústria e a causa fundamental da pobreza.  

2015-07-17

sábado, 23 de março de 2013

Sobre o coeficiente de aproveitamento básico dos terrenos urbanos


Sem tempo nem inspiração para produzir uma contribuição técnica, ofereço aos leitores a reprodução adaptada de uma mensagem que enviei, há algumas semanas, a um amigo urbanista, contendo reflexões pessoais sobre a natureza do Coeficiente de Aproveitamento Básico dos terrenos urbanos.

A propósito das contrapartidas por OODC irrisórias e até negativas nas áreas de baixa densidade de Niterói, eu penso que isso resulta da injustificada imposição de um limite mínimo =1 ao Coeficiente Básico. 
Ora, do ponto de vista da Outorga Onerosa do Direito de Construir, o Cb é apenas o patamar de isenção, tradicionalmente tomado como =1 por representar o “solo natural” por oposição ao “solo criado”; em outras palavras, Cb=1 seria o “coeficiente natural” representativo da terra como valor de uso
Como, porém, Cb=1 implica que a proporção 1/C da renda da terra não está sujeita a cobrança, se um terreno tem 10.000m2, C=1 e Cb=1, temos que os quase 10.000 m2 privativos que ele pode abrigar (+/- equivalentes a 10.000 m2 brutos construídos), ainda que vendidos a peso de ouro, não pagarão contrapartida por  OODC porque não há valorização por acréscimo de edificabilidade relativamente ao "coeficiente natural". 
Eis uma  excelente razão para não se cobrar OODC numa das regiões que mais gera renda do solo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (e onde as baixas densidades geram mais custo para a coletividade): a Barra da Tijuca. As incorporadoras agradecem! 
No entanto, eu arrisco dizer que o Cb que melhor representa o valor de uso da terra não é Cb=1, mas Cb =Taxa de Ocupação, porque não estamos falando de natureza bruta, mas de natureza urbanizada! 
Um terreno urbano real é como um campo de futebol, onde, a despeito dos 105m de comprimento, só pode haver jogo, a qualquer instante da partida, entre as duas “linhas de impedimento”. 
De modo análogo, não se pode edificar fora de um perímetro que atenda à TO. O solo natural efetivamente edificado em qualquer empreendimento urbano é S*TO. Sob este critério, os únicos empreendimentos isentos de OODC seriam aqueles em que C=<TO. E, afinal, do ponto de vista da OODC, a área total do terreno é apenas a unidade de medida da quantidade de construção (para ser exato, o valor da OODC tampouco é função direta dos m2 construídos, mas dos m2 privativos à venda no estande). 
De todo modo, creio que esta só é uma questão relevante porque o Estatuto da Cidade determina que a OODC se cobre ao “acréscimo de valorização” suscitado pela diferença entre Cb e C, donde D=[1-(Cb/C)]*VR, sendo VR o valor residual do terreno para o empreendimento em questão. (É aqui que a nossa tradição de Solo Criado, inspirada por sua vez no plafond de densité francês, entra com o "princípio" do Cb=1). 
Do ponto de vista da pura recuperação da renda para pagar pela infraestrutura e serviços urbanos que a propiciam (no passado ou no futuro), poderíamos ter Cb=0, donde a valorização seria = 100% do valor residual e o “preço” da OODC seria = ao que eu chamo de TRR (Taxa de Recuperação da Renda), o verdadeiro preço da Outorga Onerosa e busílis de toda essa discussão.
Do ponto de vista das regras do Estatuto da Cidade, a maneira mais simples de operar a OODC em uma cidade já legislada é estipular o Coeficiente básico de tal modo que D=[1-(Cb/C)]*VR produza a OODC requerida. Em outras palavras, em uma cidade ou bairro com C=4, a adoção de Cb=3 resulta em recuperar-se 25% da renda total sem precisar de nenhum “coeficiente de planejamento” ou qualquer outro tipo de redutor. Na verdade, qualquer Cb>0 já é, por si próprio, um redutor. 
Em Niterói, fizemos, porém, o contrário: criamos Cs ainda maiores, com Cb=2 e até Cb=5 e aplicamos redutores suplementares chamados “fatores de correção”. Resultado, a OODC, mesmo quando aparentemente envolve “muito dinheiro”, equivale a uma pequena fração da renda da terra gerada no empreendimento.
O resultado de estimativas que fiz a respeito é, sob mais de um aspecto, estarrecedor! Em um empreendimento vizinho meu, na Rua Vereador Duque Estrada, o incorporador pagou cerca de 1% da valorização por acréscimo de edificabilidade, equivalente a menos de 0,64% da renda total estimada! Num imenso edifício de 16.500 m2 privativos recém-concluído na Rua João Pessoa, Jardim Icaraí, o incorporador pagou algo como 6,7% da valorização, equivalente a 4,6% da renda total.  
Para fins de comparação, eu estimo, com base nas simulações apresentadas pelo prof. Paulo Sandroni em seu Blog, que no bairro de Arthur Alvim, zona leste de São Paulo, onde os preços de venda são bem menores do que os de Santa Rosa e Jardim Icaraí, o empreendedor pagaria por Outorga Onerosa algo como 47,5% da valorização por acréscimo de edificabilidade, equivalente a cerca de 31% da renda total! 
No caso de lugares de alta renda e baixa densidade, como lotes de 10.000m2 e C=1, ou C=1,5, a adoção de Cb=TO (um número fracionário) permite estabelecer um acréscimo de renda relevante sujeito a OODC que poderá ser, em seguida, “politicamente regulado” pelo que eu chamo de “Fator de Recuperação da Valorização”. Dando nome aos bois, o FRV conduz a valorização determinada pela diferença entre o Cb e C a patamares politicamente factíveis. 
Desde já, eu opino que todas as cidades brasileiras deveriam convergir para o critério de recuperar 50% do acréscimo de renda suscitado pela diferença entre Cb e C, sendo Cb, de preferência, =TO. (O Estatuto da Cidade não impõe Cb=1). É claro que este critério daria um baita susto no “mercado” (leia-se as incorporadoras), que de imediato se declarariam falidas!
Todo incorporador iria, querer, a partir daí, que o Cb estivesse sempre bem pertinho de C e assim começaria a verdadeira discussão, ainda pendente, sobre a OODC: que porcentagem da renda gerada nos empreendimentos imobiliários de alta densidade pode a coletividade legitimamente reclamar?
2013-03-23