UOL 22-02-2023 por Raimundo Bonfim e Benedito Roberto
Deslizamentos causaram mortes na Barra do Sahy, em São Sebastião Foto: Amanda Perobelli /REUTERS |
Montagem: Àbeiradourbanismo |
Este é o segundo artigo com que me deparo em poucos dias [1] anunciando o retorno dos trabalhadores aos escritórios centrais – sem falar do
fenômeno, também regularmente registrado neste blog, da persistente proliferação de
microapartamentos nos grandes centros urbanos e suas imediações.
É fato, no entanto, que o aumento significativo do trabalho
“híbrido” gerado, ou talvez mais exatamente, acelerado pela pandemia se soma ao
processo, já em curso há algum tempo, de obsolescência econômico-tecnológica de
uma parte considerável do estoque de imóveis comerciais urbanos, pondo em
movimento uma cadeia de distúrbios urbanísticos a que costumamos nos referir
como perda de “vitalidade” urbana, mas que são também distúrbios econômicos,
com sérias implicações para as cadeias de negócios centrais e as finanças e serviços públicos municipais. “A
cidade está num momento muito difícil, e pode levar a uma decadência da vida
urbana”, alertou Nabil Bonduki numa entrevista concedida à Veja S Paulo em
junho do ano passado.[2]
O exemplo mais emblemático de crise urbana legada pelas
mudanças de paradigma nas grandes cadeias produtivas é, quero crer, o de
Detroit, oportunamente citado por Bonduki em sua entrevista. Não ouso sugerir que as grandes metrópoles do século XXI passarão por crises
semelhantes, mas penso que o caso merece ser estudado... com lupa! Salta aos
olhos a contradição entre a durabilidade e a rigidez do capital cristalizado em edificações e infraestruturas urbanas e a fugacidade das
relações espaciais envolvidas nos processos informatizados de produção,
distribuição e consumo de bens e serviços. Significa que, mantidas as bases
atuais do desenvolvimento econômico, uma parcela crescente do parque
edificado comercial das grandes cidades se tornará, cada vez mais rapidamente,
obsoleta.
Retornando à pandemia, ela é uma conveniente cortina de
fumaça usada, muitas vezes, para obscurecer o papel da competição econômica
“normal” na geração das vastas deseconomias urbanas de nosso tempo.
Matérias como esta não falam de uma catástrofe iminente, mas refletem as preocupações dos urbanistas com a vitalidade dos centros urbanos e, com toda certeza, as apreensões dos proprietários de imóveis comerciais com a saúde de seu capital. Não surpreende que, num artigo aqui compartilhado há poucos dias, o construtor entrevistado tenha respondido à pergunta do título - "O que é preciso para transformar mais escritórios em habitação?" - com uma sugestão que lhe soa perfeitamente natural: subsídio público. Simples não?
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[1] "Junto com a reabertura da economia, a valorização das áreas mais centrais das cidades também volta a acontecer. Se durante a pandemia a busca era por espaços maiores, saindo das capitais, em 2022 o movimento é inverso. Muitas pessoas voltam a querer morar em regiões que têm acessibilidade maior a serviços, polos de emprego, centros de ensino, e com isso, há a valorização do aluguel", explica Oike. (..)”. “O que explica alta do aluguel residencial acima da inflação e o que esperar em 2023”.BBC News Brasil 04-02-2023, por Giulia Granchi. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64455893