quarta-feira, 26 de julho de 2023

Apontamentos: Vance 1971 e os paradigmas da organização espacial urbana

VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, 101-20.
https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true

Série histórica dos modelos de estrutura espacial
da cidade moderna segundo Harris e Ullman 1945
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(..) The several theories that seek to describe the physical structure of cities furnish us with universals. Yet each stands as a partial but insufficient truth. The natural physical tendency for accretion to a city to take place in annular rings makes the concentric-zone theory logical and observable in part. The capitalist notions of the filtering down of housing from the fortunate to the deprived and the ascription of standing in society on the basis of location of residence furnish the basis for the partial truth that growth takes place along the lines of radiating sectors. Furthermore, the historical spread of cities to engulf areas that possessed pre-urban qualities that might persist after incorporation into the city, and the need for differentiation within large functional assemblages, encouraged the creation of multiple-nucleations of activity. The existence of this set of theories of partial truth indicates that what we deal with is not a simply-sufficient paradigm but rather a series of explanations, which in combination approach completeness. If such a combination of descriptive mechanisms is necessary to account for the pattern of land use in cities, it seems unlikely that any single land assignment system has shaped all cities at all times. (..)



A citação acima, pinçada do texto clássico de Vance Jr, não é seguramente a que melhor resume o seu conteúdo. Mas nos remete a um aspecto crítico do estudo da organização espacial urbana: o seu status epistemológico.

Vance deixa entrever que, na década de 1970, o paradigma científico da organização espacial urbana ainda era a síntese dos “três modelos históricos” de estrutura urbana proposta por Harris/Ullman em 1945 (Círculos Concêntricos/Burgess 1925, Setores Radiais/Hoyt 1939 e Núcleos  Múltiplos/Harris & Ullman 1945). [1]

A conclusão de Vance a esse respeito é análoga à síntese do economista espacial Harry Richardson, apresentada em seu livro Economia Regional [2], de 1969. Comparem:

“Esses três conceitos de estrutura urbana não são diametralmente opostos uns aos outros. Cada conceito provavelmente tem alguma importância para explicar a estrutura de qualquer cidade. (..) As mesmas concepções teóricas gerais, como a tentativa de minimizar os custos de atrito tomada como princípio organizacional, são aplicáveis em graus variáveis a todas as três concepções da estrutura de uma cidade.” [Richardson 1969]

“The several theories that seek to describe the physical structure of cities furnish us with universals. Yet each stands as a partial but insufficient truth. (..) The existence of this set of theories of partial truth indicates that what we deal with is not a simply-sufficient paradigm but rather a series of explanations, which in combination approach completeness.’ [Vance 1971]

Congelado desde 1945 no esquema geográfico dos “três modelos” de Harris/Ullman, o paradigma científico da organização espacial urbana parece ter sido progressivamente substituído, a partir da década de 1970, pelo modelo alonso-thuneniano (1964) da economia espacial neoclássica [3], mais afeito, talvez, à ascensão das ideias e políticas neoliberais do último quarto do século XX. 

A exemplo de Burgess, Alonso explica a distribuição geral dos usos do solo urbano como um conjunto de círculos concêntricos, derivados, porém, das ofertas de renda dos agentes individuais (famílias e firmas) pelas localizações mais vantajosas (convenientes para as famílias e lucrativas para os negócios) sob os critérios da quantidade de espaço e da distância ao centro urbano.

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O texto de Vance explicita essa tendência histórica com a ideia de que o fato distintivo do surgimento da cidade capitalista é a apropriação privada da renda da terra urbana como fonte de riqueza pessoal: 

The main argument of this paper (..) is simply that the treatment of urban land as a source of income, which came in with the general conceptual baggage of the capitalist system as it developed, fundamentally transformed the morphology of the city. (..) For us the essential point is that of the use to which property was put. (..) Ownership was divorced from use and a class of capitalists arose that had little to do directly either with the productive and trading activities of the town or with the conduct of its government. [4]

Pouco adiante, ele irá completar esse percurso reivindicando o modelo de Alonso como paradigmático do estudo da moderna localização residencial:

William Alonso's Location and Land Use deals with that choice [housing decisions of the affluent] in a scholarly frame arguing that the craving of the wealthy for space accounts for their shift to the city's edge. [5]

Se por um lado a abordagem de Vance tem o mérito indiscutível de postular a historicidade das estruturas urbanas, por outro o trânsito de Ernest Burgess a William Alonso parece lhe cobrar um preço, que é precisamente o apagamento da perspectiva histórica característico da cultura científica da economia espacial. Vance descreve as formas de adjudicação da terra urbana nas sociedades que chama de pré-capitalista, capitalista e pós-capitalista, mas não se debruça sobre os processos de transição entre essas etapas e o modus operandi de suas forças motrizes. 

Seu postulado sobre o fundamento da cidade capitalista padece, a meu juízo, de um lacuna histórica crucial: assim como a renda agrícola de Von Thunen (1826) [6] supõe a produção para o mercado situado na cidade central, portanto totalmente desembaraçada dos vínculos feudais, também a renda urbana de Alonso (1964) não pode provir, como por encanto, da mera propriedade privada da terra: ela supõe a riqueza oriunda da produção generalizada de mercadorias, vale dizer da produção agrícola e manufatureira para o mercado, baseada no trabalho assalariado, e sua livre circulação nas cidades a partir de núcleos comerciais desembaraçados das obrigações senhoriais, separados das lojas dos artesãos feudais numa primeira etapa e, mais tarde, das residências dos próprios comerciantes. 

Tema para postagens subsequentes, dedicadas ao espinhoso, porém fascinante, problema da transição do burgo feudal a urbe capitalista. 

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NOTAS

[1] HARRIS C D e ULLMAN E L (1945), "The Nature of Cities". The Annals of the American Academy of Political and Social Science. 242: 7–17.
[2] RICHARDSON H W (1969), Economia Regional - Teoria da Localização, Estrutura Urbana e Crescimento Regional. Rio de Janeiro: Zahar 1975
[3] ABRAMO P  (2001) Mercado e Ordem Urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, pp. 65-87  
[4] VANCE Jr J E (1971)
[5] VANCE Jr J E (1971)
[6] SCHUMPETER J A (1954): Historia del Análisis Económico 524-529. Barcelona: Editorial Ariel 1982.

2023-07-26

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Data venia


El País 08-07-2023
https://elpais.com/economia/negocios/2023-07-08/el-mercado-del-alquiler-de-casas-se-enfrenta-al-reto-migratorio.html
España necesita migrantes por el envejecimiento de la población. En la mayoría de los casos, su única opción es arrendar, pero tendrán dificultades para acceder a una vivienda asequible

Não seria mais correto dizer
"El reto migratorio se enfrenta al mercado de alquiler"?   
2023-07-16