domingo, 25 de fevereiro de 2024

São Paulo, o nascimento da metrópole (1)

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O mapa ao lado, produzido pela Companhia Cantareira e Esgotos no ano de 1881, talvez seja o mais emblemático da meteórica transformação da São Paulo colonial-imperial, classificada por Cândido Malta Campos como “núcleo provinciano de segunda categoria antes de 1870”, em Centro da metrópole capitalista radiada.

O marco distintivo desse processo é o advento da indústria dos loteamentos periféricos destinados a adquirentes com capacidade de endividamento - vale dizer os estratos sociais de médios e altos rendimentos -, parcialmente servidos por bondes de tração animal (elétricos só a partir de 1900), mas também influenciados pela presença das estações ferroviárias Luz (1868) da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí) e São Paulo (1872, futura Júlio Prestes), da EF Sorocabana, peças-chaves da cafeicultura capitalista que subjaz à rápida transformação de São Paulo.

Essa primeira expansão periférica se faz acompanhar da expansão do próprio núcleo colonial-imperial para abrigar tanto os novos proletários que buscam os cortiços para fugir ao custo dos deslocamentos urbanos quanto os novos comércios, serviços e pequena indústria que, em muitos casos, substituem as residências dos comerciantes nos sobrados recém-valorizados.

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Assinalei sobre o mapa de 1881 as primeiras áreas loteadas referidas por Candido M Campos* – Santa Ifigênia entre Aurora e Duque de Caxias, Morro do Chá e Campos Elíseos, onde começam a se estabelecer os comerciantes abastados e os novos capitalistas agrícolas.

A construção, na Chácara do Carvalho, futuro bairro da Barra Funda, do palacete do conselheiro Antônio Prado - grande cafeicultor, presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, sócio da Prado & Chaves, maior casa exportadora nacional, presidente do Banco de Comércio e Indústria de São Paulo, senador vitalício do Império, deputado por São Paulo (1869-1872), Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (1885-1888), Ministro das Relações Exteriores (1888) e prefeito de São Paulo (1899-1911) - assinala, talvez, o ápice desse primeiro impulso suburbanizador paulistano, à qual se seguiria a formação de novos bairros em todas as demais direções.

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Transparece aqui a noção hurdiana (1903) de crescimento urbano [capitalista] 
central e axial simultâneo e reciprocamente determinado, em todas as direções disponíveis, claramente materializado não mais de 10 anos depois nas urbanizações de Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade, Mooca, Brás, Pari, Luz e Bom Retiro (mapa de 1890).

A inauguração do Viaduto do Chá em 1892 viabilizará a expansão do centro urbano nascente para o lado Oeste do Anhangabaú, às expensas da área residencial do Morro do Chá, seguindo a direção de preferência dos estratos sociais mais abastados. Na direção oposta, onde em 1881 já se delineia a ocupação residencial ao redor da estação ferroviária do Brás (1867), mais tarde surgirá o lado proletário da centralidade metropolitana paulistana.

O compacto arruamento colonial-imperial (mapa 1881) propicia à centralidade em formação as condições ideais para o desenvolvimento da aglomeração comercial e sua subsequente especialização – o centro financeiro do “Triângulo”, o mais antigo e tradicional da cidade, onde até hoje opera a Bolsa de Valores.

Sintomático, talvez, dessa etapa formativa da centralidade capitalista, é o fato de que a planta de 1890, que segundo o pesquisador Eudes Campos** tinha por objetivo “orientar os forasteiros”, contendo por isso ruas de largura uniforme, indicação dos principais edifícios e pontos de parada dos bondes da Companhia Ferro Carril de São Paulo, não traz a inscrição “CENTRO” para indicar a área da cidade colonial-imperial, a essa altura já caracterizada como origem de uma expansão urbana nitidamente radiada, qualitativamente distinta, em forma e conteúdo, do crescimento vegetativo dos séculos precedentes.

2024-02-28
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* CAMPOS Candido Malta, Os rumos da idade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Senac 2002. Edição do Kindle.

** CAMPOS Eudes, “São Paulo antigo: plantas da cidade”. Informativo Arquivo Histórico Municipal, 4 (20): set/out.2008
https://www.academia.edu/37066912/S%C3%A3o_Paulo_antigo_plantas_da_cidade