DERNTL M F, “Brasília, capital ou metrópole? - O planejamento do Distrito Federal e de sua região na década de 19701”. RISCO - revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo, iau-usp V22 - 2024.
https://revistas.usp.br/risco/article/view/218379
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Magnífico trabalho de pesquisa sobre a história do planejamento urbano em uma situação excepcional: a metropolização, já na segunda metade do século XX, da capital nacional ex novo de um país de dimensões continentais com mais de 70 milhões de habitantes.
O relato dos debates institucionais dos anos 70 sobre a questão "capital vs. metrópole" tem um valor inestimável. Ao passo que o Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb, 1975) vê a capital como "uma cidade administrativa por excelência", assoberbada pelo afluxo de migrantes e o crescimento periférico, o ponto de vista contrário, defendido de uma ou outra forma por vários planejadores da época, é bem resumido por um coordenador de sessão, não identificado, do Seminário de Planejamento Governamental SEPLAG 1976, para o qual "a acentuada urbanização de áreas periféricas a um núcleo principal era fenômeno clássico de áreas metropolitanas" (p.12).
Chama a atenção, como forte indício da alienação constitutiva do urbanismo modernista face às leis do processo urbanizador capitalista, a posição expressa por Lucio Costa no I Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília, em agosto de 1974 (p. 11):
Ainda assim, para Lúcio Costa, o principal interesse era mesmo o Plano Piloto, pois, nas suas palavras, "o resto é grande demais para mim" (COSTA, 1974, p. 78).
Saltando à conclusão do trabalho, destaco a afirmação de que "o caráter ímpar de capital nacional planejada segundo um ideário modernista moldou sua expansão e impôs peculiares desafios a seu planejamento".
Tal afirmação aponta, ao meu ver, para um aspecto crucial do problema, que transcende o escopo da contribuição mas é decisivo para a compreensão da trajetória e vicissitudes do planejamento urbano, na capital da República como em qualquer grande cidade: a interação permanente, mais ou menos conflituosa, entre os esforços de planejamento urbano e os fatos da urbanização de mercado, incluída a sua total ausência no âmbito da moradia popular, que o mercado habitacional brasileiro só muito mais tarde alcançaria, em alguma medida, com a criação do Minha Casa Minha Vida em março de 2009.
Minha hipótese é que o planejamento modernista de Brasília de fato "moldou a sua expansão", mas pela negativa, isto é, relegando a priori para a periferia do Plano Piloto não apenas a população trabalhadora empregada na construção da capital e os migrantes pobres que a ela afluíram, objeto da expressa preocupação dos planejadores adeptos da "capital essencialmente administrativa", mas também a urbanização de mercado a ser presumivelmente gerada, com toda a sua cadeia de negócios derivados, pelo considerável potencial econômico constituído por uma burocracia estatal numerosa e excepcionalmente bem remunerada para os padrões nacionais, em todos os níveis de qualificação.
O urbanismo modernista teria, assim, obrigado as instituições de planejamento urbano e regional de Brasília e do Distrito Federal a se debruçarem sobre o embaraçoso problema de como organizar a inexorável metropolização de uma capital nacional ex novo que não foi concebida para, e resistia a, expandir-se.
Diria, pois, para melhor apreciação num estudo futuro, que "o caráter ímpar de capital nacional planejada segundo um ideário modernista" impôs à metrópole uma forma peculiar de expansão e os desafios de planejamento que lhe correspondem.
2024-06-26
PS: Um estudo comparado Brasília / Belo Horizonte, focado na dualidade plano x mercado, poderá ser bastante instrutivo. Ofereço a ideia para quem queira nela se aventurar.