quarta-feira, 26 de junho de 2024

Apontamentos: Derntl 2024 e o planejamento de Brasília nos anos 1970


DERNTL M F, “Brasília, capital ou metrópole? - O planejamento do Distrito Federal e de sua região na década de 19701”. RISCO - revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo, iau-usp V22 - 2024.
https://revistas.usp.br/risco/article/view/218379


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Magnífico trabalho de pesquisa sobre a história do planejamento urbano em uma situação excepcional: a metropolização, já na segunda metade do século XX, da capital nacional ex novo de um país de dimensões continentais com mais de 70 milhões de habitantes.

O relato dos debates institucionais dos anos 70 sobre a questão "capital vs. metrópole" tem um valor inestimável. Ao passo que o Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb, 1975) vê a capital como "uma cidade administrativa por excelência", assoberbada pelo afluxo de migrantes e o crescimento periférico, o ponto de vista contrário, defendido de uma ou outra forma por vários planejadores da época, é bem resumido por um coordenador de sessão, 
não identificado, do Seminário de Planejamento Governamental SEPLAG 1976, para o qual "a acentuada urbanização de áreas periféricas a um núcleo principal era fenômeno clássico de áreas metropolitanas" (p.12).

Chama a atenção, como forte indício da alienação constitutiva do urbanismo modernista face às leis do processo urbanizador capitalista, a posição expressa por Lucio Costa no I Seminário de Estudos dos Problemas Urbanos de Brasília, em agosto de 1974 (p. 11):

Ainda assim, para Lúcio Costa, o principal interesse era mesmo o Plano Piloto, pois, nas suas palavras, "o resto é grande demais para mim" (COSTA, 1974, p. 78).

Saltando à conclusão do trabalho, destaco a afirmação de que "o caráter ímpar de capital nacional planejada segundo um ideário modernista moldou sua expansão e impôs peculiares desafios a seu planejamento". 

Tal afirmação aponta, ao meu ver, para um aspecto crucial do problema, que transcende o escopo da contribuição mas é decisivo para a compreensão da trajetória e vicissitudes do planejamento urbano, na capital da República como em qualquer grande cidade: a interação permanente, mais ou menos conflituosa, entre os esforços de planejamento urbano e os fatos da urbanização de mercado, incluída a sua total ausência no âmbito da moradia popular, que o mercado habitacional brasileiro só muito mais tarde alcançaria, em alguma medida, com a criação do Minha Casa Minha Vida em março de 2009. 

Minha hipótese é que o planejamento modernista de Brasília de fato "moldou a sua expansão", mas pela negativa, isto é, relegando a priori para a periferia do Plano Piloto não apenas a população trabalhadora empregada na construção da capital e os migrantes pobres que a ela afluíram, objeto da expressa preocupação dos planejadores adeptos da "capital essencialmente administrativa", mas também a urbanização de mercado a ser presumivelmente gerada, com toda a sua cadeia de negócios derivados, pelo considerável potencial econômico constituído por uma burocracia estatal numerosa e excepcionalmente bem remunerada para os padrões nacionais, em todos os níveis de qualificação.

O urbanismo modernista teria, assim, obrigado as instituições de planejamento urbano e regional de Brasília e do Distrito Federal a se debruçarem sobre o embaraçoso problema de como organizar a inexorável metropolização de uma capital nacional ex novo que não foi concebida para, e resistia a, expandir-se.
 
Diria, pois, para melhor apreciação num estudo futuro, que "o caráter ímpar de capital nacional planejada segundo um ideário modernista" impôs à metrópole uma forma peculiar de expansão e os desafios de planejamento que lhe correspondem.  

2024-06-26

PS: Um estudo comparado Brasília / Belo Horizonte, focado na dualidade plano x mercado, poderá ser bastante instrutivo. Ofereço a ideia para quem queira nela se aventurar.

domingo, 23 de junho de 2024

Política urbana ou pirataria rentista?


Metrópoles 15-06-2024
https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/estadio-do-flamengo-percalcos-de-transferir-o-potencial-construtivo
Supervasco 19-06-2024
https://www.supervasco.com/noticias/imagens-do-projeto-de-reforma-de-sao-januario-aprovado-na-camara-394221.html
Montagem: Àbeiradourbanismo
É assim que a transferência do potencial construtivo, um instrumento de manejo de mais-valias fundiárias de grande utilidade em projetos de desenho urbano com acréscimo de espaço público - aplicado com sucesso, por exemplo, na implantação da 3a Perimetral de Porto Alegre -, está em vias de se tornar, no Rio de Janeiro, um maná especulativo de interesse dos grandes clubes de futebol e da incorporação imobiliária, com a bênção do prefeito Eduardo Paes e o Aprovo da Câmara dos Vereadores. 

Adivinhem para onde vai o potencial construtivo dito "não utilizado" a ser transferido dos terrenos dos novos estádios localizados no bairro - que já foi aristocrático e industrial e agora poderá se tornar "futebolístico" - de São Cristóvão: para a Barra da Tijuca, a Meca imobiliária do Rio de Janeiro, ora bolas!

E como se não bastasse, os novos estádios de Flamengo e Vasco da Gama, que são as maiores torcidas do Rio de Janeiro (a do Flamengo é, de longe, a maior do Brasil), ficam a cerca de 1km um do outro e a menos de 2km… do Maracanã - que, ao custo de bilhões jamais amortizados, e sob o patrocínio do mesmíssimo prefeito Eduardo Paes, foi reconstruído duas vezes neste século: para os Jogos Pan Americanos de 2007 e para os Jogos Olímpicos de 2016! 

Montagem: Àbeiradourbanismo
2024-06-23

Sobre os percalços do complexo desportivo do Maracanã no século XXI, leia:
“Julio Delamare e Célio de Barros: NÃO à destruição dos bens do patrimônio desportivo e educacional brasileiro”. À beira do urbanismo 01–04-2013.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2013/03/julio-delamare-e-celio-de-barros-nao.html

quarta-feira, 19 de junho de 2024

PEC das Praias: O capital no século XXI


ICL Notícias 18-06-2024
https://iclnoticias.com.br/pec-das-praias-recorde-uniao-taxas-bolsonaro/

Montagem: àbeiradourbanismo

Ou seja, o foro e a taxa de ocupação funcionam como um IPTU federal e o laudêmio como um ITBI federal, ambos incidentes sobre os terrenos de marinha (33m da linha de preamar médio de 1831), que são propriedade da União.


Pode-se discutir se esses institutos são ou não resquícios de instituições monárquicas: em Petrópolis - RJ, muitas operações de compra-venda de imóveis estão até hoje sujeitas ao pagamento de laudêmio aos descendentes da Coroa portuguesa, por isso conhecido como "taxa do príncipe".


No caso dos terrenos de marinha, contudo, a cobrança de foro e taxa de ocupação, além do laudêmio sobre as transferências de domínio, é o mínimo que se pode exigir da ocupação de áreas de propriedade da União, herdadas da Colônia e do Império, mas conservadas pela República e consagradas pela Constituição de 1988 como bens públicos. À parte aspectos centrais como o controle estatal da costa e garantia do acesso público às praias, os ônus incidentes sobre a ocupação privada de terrenos de marinha constituem, na prática, uma forma peculiar de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas no plano federal.  


Um dos objetivos da PEC das Praias é acabar com esse ônus sobre a propriedade costeira. Outro é acabar com a jurisdição federal sobre o uso dessas áreas, facilitando a privatização em massa do litoral brasileiro. Com a agravante da devolução, aos foreiros das áreas de marinha, dos valores pagos a título de foro e taxa de ocupação nos últimos 5 anos (PEC 3 / 2022 Art. 3). Outro ainda, eu diria, a julgar por quem inventou essa PEC e pela corja que a defende, é abrir a porteira para a grilagem generalizada de terras litorâneas a exemplo do que já ocorre na Amazônia.


Nos três casos, trata-se de pura e simples pirataria rentista, típica dos tempos que estamos vivendo.


2024-06-19

Acesse o texto integral da PEC das praias pelo link
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151923

domingo, 2 de junho de 2024

Estava demorando!


BBC Brasil 25-05-2024
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn00wykl901o

Gigante de consultoria em gestão e negócios com atuação em quatro continentes, a Alvarez & Marsal (A&M) é a primeira empresa de porte global na área de capital de investimentos a incorporar-se à reconstrução de Porto Alegre após a enchente.

A Prefeitura da capital, responsável pela contratação da A&M, enfatiza a experiência da empresa na resposta aos efeitos do furação Katrina, em 2005, nos Estados Unidos. Foi justamente esse episódio, porém, que suscitou mais críticas à companhia, associando-a a políticas de desregulação e privatização de serviços públicos. Esse receituário foi batizado pela escritora canadense de esquerda Naomi Klein de “capitalismo de desastre”.


No Brasil, onde está presente desde 2004, a empresa é alvo de considerações semelhantes, mesmo antes de apresentar qualquer proposta como ocorre em Porto Alegre. A A&M diz que seu objetivo é fazer um diagnóstico da situação da infraestrutura local e propor formas de financiar a reconstrução. A companhia garante que segue rigorosamente termos de contratos com clientes e práticas de mercado. (..)


2024-06-02