https://istoedinheiro.com.br/setor-da-construcao-pede-que-zoneamento-em-sp-libere-mais-predios-e-mais-altos/
Montagem:Àbeiradourbanismo |
"Aumentar a oferta de moradia", "reverter a periferização", "diminuir os tempos de viagem ao centro da cidade", "controlar o espraiamento urbano", "evitar que as pessoas sejam obrigadas a morar em bairros distantes dos polos de emprego" são mantras com que a indústria da incorporação imobiliária brasileira vem tentando obter as boas graças da opinião pública para a ofensiva desencadeada nos últimos anos contra os esforços de planejamento e regulação urbana materializados nos Planos Diretores municipais das grandes cidades.
Trata-se, no entanto, de algo bem mais simples: a competição cada vez mais acirrada entre capitais de investimento pela rentabilidade de suas operações de financiamento imobiliário.
É o que se depreende da preocupação manifestada pelo CEO J Melnik, da incorporadora Melnik, que acabara de abrir seu capital na Bolsa de Valores, ao secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, numa live transmitida pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul em 28-10-2020:
“O descrédito que existe entre grupos de fora do Estado é tão grande que tivemos que fazer uma série de defesas em relação a nossa praça. Eles [os fundos que investem em empresas de capital aberto] não acham normal ter que fazer tantos lançamentos, mas o VGV que a gente consegue fazer é infinitamente menor que outras capitais. Enquanto outras empresas precisam fazer três, nós temos que fazer dez”.[1]
A queixa de que em Porto Alegre a incorporadora precisava de três lançamentos para perfazer o Valor Geral de Vendas de um único lançamento em outras praças talvez se refira ao mercado paulistano, onde o Plano Diretor, para promover o adensamento urbano ao longo dos eixos servidos pelo Metrô, permitiu a construção de grandes torres de apartamentos de pequeno tamanho e altíssima rentabilidade por m2 privativo.
Não se trata aqui, portanto, da competição abstrata entre margens de lucro de incorporadoras de distintas praças, mas da margem de lucro que incorporadoras de distintas praças podem oferecer a capitais de investimento que não são de praça alguma: circulam em todas as metrópoles do país e, quem sabe, até do exterior; capitais cujo objetivo é, meramente, a sua própria valorização, e em nenhum caso a oferta de moradias necessárias para a redução do déficit habitacional, o combate à periferização, a revitalização dos centros urbanos obsolescentes, a redução das distâncias aos locais de trabalho etc.
Mais adiante na mesma live, o CEO lança mão do mantra mais popular entre os adeptos do liberalismo urbanístico: o “adensamento”:“Se não mexermos no adensamento, a cidade vai consumir seu solo rapidamente. Ela tem um limite”, comentou Melnick. “Então, talvez, nós possamos, em uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema, resolver esses gargalos e destravar a cidade para o caminho do adensamento”.
Se alguma dúvida pairava sobre a existência de uma "ofensiva política contra os Planos Diretores", ou pela subordinação de suas atualizações ao comando das incorporadoras, ela desaparece ante a frase “uma janela de oportunidade que estamos vivendo, que é o entendimento do lado da Prefeitura mais alinhado com o nosso tema”.
O balanço é positivo, porque nós teremos uma regra mais clara. Mas estamos ainda longe de contar com um planejamento urbano que busque ter um adensamento mais profundo. Sem esse adensamento, a cidade vai se espraiando, as pessoas estão indo para moradias cada vez mais distantes da região central. Em outras cidades do mundo tem prédios de 30 a 40 andares, enquanto nós aqui estamos discutindo se pode ter prédio de 7 ou 8 em determinadas regiões. Com um gabarito nesse nível, a situação me preocupa. O adensamento permite redução de custos com infraestrutura, tem melhora na qualidade de vida, as pessoas perdem menos tempo com deslocamento e tem mais acessos a transporte. Ainda vejo com preocupação os problemas que o baixo adensamento vai continuar provocando em São Paulo no longo prazo. [3]
Concluo citando trecho de uma postagem por mim escrita e publicada neste blog em 13-04-2022 sob o título "Solo urbano: escassez e planejamento": [4]
(..) A alegação recorrente de que as restrições normativas "encarecem o solo por limitar a oferta" é uma falácia que esconde a natureza segmentada do mercado imobiliário e o papel preponderante dos proprietários - via de regra os próprios incorporadores - na limitação da oferta de terrenos. Terrenos no Centro urbano só excepcionalmente são destinados, pela via do mercado, a imóveis residenciais de "baixo padrão"; indiferente à imensa procura dos demandantes de poucos recursos por residências nessa parte da cidade, seu proprietário tende a retê-lo à espera da oportunidade de cedê-lo ao empreendimento mais rentável que fareje no horizonte, que em economia da urbanização atende pelo nome de "maior e melhor uso" - comercial-financeiro ou, no melhor dos casos, residencial rotativo de área mínima, alta densidade e elevado preço por m2.
O mesmo vale para outras áreas da cidade. Bairros pericentrais com boas condições de acessibilidade ao centro comercial e de negócios podem passar anos "reservados" para o uso residencial de segmentos populacionais mais abastados, independentemente da pressão de demanda de segmentos menos "aptos" em termos de oferta de renda. (..) a reivindicação de “liberação da oferta” do jugo das restrições normativas não visa a produção de habitações para quem precisa, mas concentrar a produção imobiliária destinada a cada segmento da "demanda efetiva" em uma quantidade menor de terrenos - para aumentar a rentabilidade de cada empreendimento! (..)
2023-12-27
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[1]“Como um restrito grupo de empresários mudou a lógica do planejamento urbano de Porto Alegre”. Sul21 07-11-2023, por Lidiane Blanco
https://sul21.com.br/especiais/como-um-restrito-grupo-de-empresarios-mudou-a-logica-do-planejamento-urbano-de-porto-alegre/
[2] Idem.
[3] “'As pessoas estão indo para moradias cada vez mais distantes da região central', diz ex-Secovi”. Terra 20-12-2023, por Circe Bonatelli
https://www.terra.com.br/economia/as-pessoas-estao-indo-para-moradias-cada-vez-mais-distantes-da-regiao-central-diz-ex-secovi,ac675a27cc83a0bccd001976769cde293473tlgz.html
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2022/04/solo-urbano-desmistificar-escassez.html