quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Fix e Arantes 2022: mercado de terras em São Paulo c.1900

FIX M e ARANTES P F, “São Paulo, cem anos de máquina de crescimento urbano”. Estudos Avançados no. 36 (105), 2022 pp. 185-209

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Este artigo atravessa diferentes camadas históricas na metrópole paulistana, recolhendo pistas sobre operações imobiliárias de grande envergadura decisivas para o padrão de acumulação e segregação socioespacial que se constituiu em São Paulo, a partir do início do século XX. (..) 


Nosso ponto de partida é a operação imobiliária realizada pelo capital financeiro internacional em associação com agentes públicos e privados locais, em terras que correspondiam a mais de um terço da área da cidade, sob liderança da Companhia City. Essa ação, que se iniciou na década de 1910 e atingiu seu auge entre 1920 e 1930, transformou qualitativamente os processos de apropriação, produção e consumo do espaço urbano em São Paulo. Entre as ações esparsas de loteadores avulsos e operações monopolistas transnacionais, passando por diversos outros arranjos, constituíram-se novas frentes de valorização do capital, com regras, agentes e dinâmicas próprias, na transição de São Paulo de cidade à metrópole. Essas frentes abarcam, além de loteamentos e edificações, obras públicas e sistemas de transporte, energia, comunicação, saneamento, drenagem urbana etc.


A produção do espaço urbano em sua complexidade e diversidade de atores e processos é, sem dúvida, um capítulo relevante do avanço da mercantilização das esferas da vida, da importação de padrões de consumo e da disseminação da forma-mercadoria. Por meio de estratégias monopolistas ou concorrenciais, articulando terras e capitais em circunstâncias mais ou menos reguladas ou alavancadas pelo Estado, o urbano converte-se no imobiliário. O economista Carlos Lessa, em texto do início dos anos 1980, alertou seus colegas sobre a importância da temática “circuito imobiliário” para colaborar na compreensão do desenvolvimento capitalista no Brasil, que não se explicaria apenas pela óptica da industrialização (Lessa, 1981). (..)

Nos anos anteriores a 1922, esboçava-se uma virada na forma de atuação do mercado imobiliário em São Paulo. Até então, os incipientes mercados de terras e da construção avançavam sobre chácaras lindeiras ao centro histórico, com loteamentos avulsos e fragmentados. Com desenho de ruas em grelha, mesmo em terrenos irregulares, tratava-se, em geral, da iniciativa de capitalistas individuais, sem urbanistas contratados. O crescimento urbano por multiplicação de loteamentos desconexos ainda é ainda um protomercado imobiliário, [3] um circuito pouco estruturado, sem plano, sem articulação com crédito e com uma baixa presença de agentes especializados. (..)

Um dos loteadores convencionais até então mais conhecidos de São Paulo e vereador por quatro mandatos era o pai de Oswald de Andrade, o Sr. José Nogueira de Andrade, que abria desde 1890 bairros na zona oeste sobre chácaras e sítios, na região de Pinheiros e Cerqueira César. O filho, Oswald, não apenas acompanhava os negócios do pai, mas tornou-se ele mesmo proprietário de terras e imóveis, dos quais obtinha boa parte da sua renda. Entretanto, sem a mentalidade de empreendedor, era capaz de “queimar” um quarteirão inteiro de lotes para abrir uma praça, como ocorreu em 1919, quando a seu pedido a Câmara Municipal aprovou a criação da famosa praça de Pinheiros, que depois seria batizada em homenagem ao pintor Benedito Calixto (CMSP, 2018).

A era dos loteadores tradicionais e dos negócios imobiliários restritos ao comando da burguesia local iria ser radicalmente transformada nas décadas de 1910 e 1920, com o surgimento da Cia. City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited, fundada em 1911 com sede em Londres por iniciativa do banqueiro franco-belga Edouard Fontaine de Lavelaye, em sociedade com banqueiros ingleses, os irmãos Bolton (Souza, 1988, p.36). (..)


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NOTA
[3] Odette Seabra comenta diversos desses loteamentos e destaca a presença da City como dado importante para refletir sobre “o volume de negócios que tinham na terra a sua principal forma de ganhos”. Sobre a “promoção fundiária surgida em São Paulo a partir de fins da década de 1870”, dinamizada após 1889, com a mudança no regime político, integrando investimentos no fundiário e transportes, ver Bueno (2016, p.147), entre outros.


2025-12-31