Por Antônio Augusto Veríssimo, Arquiteto e Urbanista
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Teleférico da Favela de Santo Domingo, Medellín.
Foto do autor
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Em outubro
de 2009 chegou ao Rio de Janeiro um grupo de professores e estudantes de um
curso de pós-graduação da universidade norte americana de Colúmbia [1]
. Este grupo [2]
era formado por arquitetos de diversas partes
do mundo e tinha por objetivo conhecer uma favela típica do Rio e para esta
propor soluções arquitetônicas e urbanísticas que pudessem ser aplicadas
efetivamente. A favela escolhida foi o Morro da Providência, para onde a
Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de sua Secretaria Municipal de
Habitação, já desenvolvia um projeto de urbanização a cargo de um escritório de
arquitetura contratado. Outro motivo para a escolha foi o fato de a
favela estar localizada na área de intervenção do Porto [3]
, embora fora da operação consorciada em termos financeiros. Cabe salientar que
deste grupo faziam parte também representantes [4]
da empresa austríaca
Doppelmayer, a maior fabricante de teleféricos do planeta.
Como era de se esperar, a “proposta urbanística” apresentada
ao Secretário de Habitação em 20 de outubro de 2009 pelo grupo de professores e
estudantes daquela universidade previa a implantação de um teleférico ligando a
Central do Brasil à favela e desta a área portuária, junto à Cidade do Samba.
No dia 22 de outubro a proposta elaborada pelos estudantes foi publicada no
Jornal O Globo (ver imagem abaixo) [5], que destacou uma simulação gráfica do teleférico planando sobre o Morro da
Providência. Por esta ocasião, como já citado, estava em curso um projeto de
urbanização que visava à complementação das intervenções já realizadas
anteriormente pelo Programa Favela Bairro e por outra ação do município
denominada “Museu Aberto da Providência". Cabe ressaltar que, em nenhuma
das propostas desenvolvidas ou em desenvolvimento para o local, era aventada a
hipótese de construção de um teleférico, embora a ideia de um plano inclinado
interligando a Praça Américo Brun ao Largo da Capela, no interior da comunidade,
já integrasse os planos da Prefeitura.
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Fonte: Jornal O Globo |
A imagem publicada do teleférico ganhou a adesão imediata do Prefeito, que
determinou que a implantação do teleférico fosse incorporada ao projeto de
urbanização em execução para o local. Imediatamente, sob a consultoria dos
representantes locais da empresa Doppelmayr, iniciaram-se os estudos técnicos
para a construção do teleférico no Morro da Providência.
Não obstante a inexistência de estudo técnico que comprovasse a necessidade,
viabilidade ou sustentabilidade da implantação desse equipamento, foram
iniciados de forma acelerada os projetos e outras providências para sua
construção, tendo sido definido o prazo limite para sua entrada em operação o
mês de setembro de 2012. Para a viabilização dessa empreitada, foram realizadas
reuniões com representantes da empresa austríaca que culminaram com a vinda, ao
Rio de Janeiro e à Secretaria Municipal de Habitação, do seu presidente, o Sr.
Michael Doppelmayr. Representantes daquela empresa passaram a assessorar o
escritório responsável pelo projeto de urbanização e a equipe técnica da SMH,
especialmente na elaboração dos termos de referência e orçamento para a
licitação e aquisição dos equipamentos.
Cumpridas as etapas de projeto e elaboração dos demais documentos, procedeu-se
à licitação das obras. Apresentou-se à licitação o Consórcio Rio Faz, formado
pelas empresas Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia, que são também as
detentoras do contrato para urbanização de toda a área portuária, polígono onde
está inserido o Morro da Providência. Como este consórcio foi o único
concorrente a ser apresentar ao pleito, ganhou a obra pelo maior preço
possível. (A obra estava orçada em R$ 119 milhões e o Consórcio a levou por R$
131 milhões.)
Logo após ganhar a licitação, em janeiro de 2011, o consórcio anunciou que
executaria a implantação do teleférico adquirindo equipamentos fabricados pela
empresa francesa POMA, a maior concorrente da austríaca Dopplemayr. O argumento
utilizado pelo consórcio para essa decisão era o de que a empresa francesa já
possuía uma obra executada na cidade, o teleférico do Morro do Alemão, obra sob
a responsabilidade do mesmo consórcio. Outro argumento era o de que, assim como
no Morro do Alemão, a empresa concessionária do transporte ferroviário, SUPERVIA,
acabaria também assumindo a operação do teleférico do Morro da Providência e
não se justificava ter aquela operadora que lidar com duas tecnologias e
fornecedores distintos, o que oneraria a operação e manutenção do sistema. Cabe
lembrar que, na ocasião, a Odebrecht, uma das integrantes do consórcio
construtor das obras de urbanização do Alemão e Providência, havia também
assumido o controle acionário da SUPERVIA.
Logo chegaram os consultores da POMA para assumir a orientação da elaboração
dos projetos executivos do teleférico. Após já estarem praticamente definidos
os projetos e especificações dos equipamentos para início da aquisição, uma
nova reviravolta ocorre com a divulgação, em matéria jornalística publicada no
Jornal O Dia, em 07/12/2011, da informação de que no mês de janeiro de 2012
deveriam chegar ao porto do Rio os primeiros equipamentos para a montagem do
teleférico do Morro da Providência produzido - não se espantem - pela Doppelmayer.
Esta notícia tomou de surpresa os técnicos da Secretaria de Habitação, do
escritório de projetos e, sobretudo, os engenheiros e funcionários de campo do
próprio consórcio construtor.
A construção do teleférico, assim como toda a obra de urbanização do Morro da
Providência, foi objeto de muitas polêmicas e conflitos com os moradores e com
o próprio consórcio construtor, o que resultou em grande atraso nas obras,
tendo sido o teleférico entregue ao público somente no mês de junho de 2014.
Em função de não ter sido possível o ajuste prévio da concessão da operação do teleférico com a Supervia, coube à CEDURP, instituição administradora da Operação Urbana do Porto assumir provisoriamente a operação do equipamento, o que lhe custa, estimativamente, cerca de R$ 12 milhões anuais.
Teleférico: equipamento de transporte ou peça publicitária eleitoral?
Não obstante o grande impacto midiático e na paisagem das obras do teleférico,
estes não parecem ser a melhor alternativa para o transporte de massa,
especialmente para o atendimento de comunidades com as características das
favelas do Rio de Janeiro, pois trata-se de equipamento dedicado unicamente ao
transporte de pessoas, com evidentes limitações para o cumprimento de outras
funções de transporte e mobilidade, tais como o transporte de mercadorias,
mudanças, materiais de construção, bicicletas, pessoas com dificuldades de
locomoção, lixo, etc. Neste sentido, parecem muito mais adequados equipamentos
do tipo plano inclinado, tal como utilizado no morro de Santa Marta.
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providencia-sera-interligado-ao-brt-transbrasil-rio.html
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Dois estudos recentemente realizados sobre sistemas de teleféricos colocam em dúvida a adequação deste tipo de meio de transporte de massa em favelas. O primeiro, realizado pelo Prof. Werner Kraus da Universidade Federal de Santa Catarina conclui que:
“O problema da irrelevância do teleférico para a mobilidade dos moradores é verificada na instalação mais conhecida do Brasil, qual seja, o Morro do Alemão na cidade do Rio de Janeiro. Com um volume diário em cerca de 12 mil viagens [6], representa solução de transporte para menos de 10% dos (..) moradores do local”.
O segundo estudo, desenvolvido pelos Professores Peter Brand e Júlio Dávila, [7]
da Escola de Planejamento Urbano-Regional da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Nacional da Colômbia, Sede Medellin, concluiu que, tendo em vista
essas limitações, a maioria dos usuários regulares do teleférico implantado
pioneiramente em favela daquela cidade são trabalhadores do mercado formal, que
os utilizam basicamente em seu deslocamento de ida e retorno do trabalho
(movimento pendular), continuando os demais habitantes a utilizar os meios
tradicionais (micro-ônibus, motocicletas, ou caminhar) para seus afazeres
diários. Concluem estes pesquisadores que os teleféricos têm mais êxito no sentido
simbólico do que no uso prático, tendo em vista seu alto impacto visual e
atratividade política.
O impacto simbólico dos teleféricos, associados os interesses políticos e
comerciais envolvidos, todos suportados por eficientes lobbies e intensas ações
midiáticas, tem tornado quase hegemônica a ideia de que os teleféricos são uma
solução eficiente para a questão do transporte e mobilidade nas favelas. Mas,
salvo melhor juízo, no caso carioca ainda faltam estudos consistentes que
possam comprovar esta hipótese. Por enquanto, fica a sensação de que a cidade
(e por consequência o bolso do contribuinte carioca), foi pego em uma armadilha midiática suportada por uma eficaz ação pedagógica de resultados.
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NOTAS
[1]Columbia University
[2]O grupo era liderado pelos Professores Alfredo Brillenbourg integrante. do
Urban Think Thank, e pelo austríaco Hubert Klumpner, (Adjunct Professor / Director SLUM-Lab _The Graduate School of
Architecture, Planning and Preservation.
[3]Operação Urbana do Porto Maravilha.
2015-02-10