Recordo que, a certa altura, um ativista interessado no mecanismo da Outorga Onerosa exclamou: "Não consigo entender a fórmula". E eu respondi: "Não se preocupe. Eu também não".
Tratava-se de um método de cálculo baseado... no Custo Unitário Básico - CUB - da construção civil!
Nestas notas eu tento mostrar como, mediante a aplicação combinada de (1) distintos redutores aplicados ao “preço de referência” do m2 de potencial construtivo excedente (valor de mercado) e (2) distintas proporções entre Coeficiente Básico e Coeficiente de Máximo de aproveitamento de terreno, a captura, nas Operações Urbanas Consorciadas, de proporções da mais-valia do solo que deixariam H. George* inflado de orgulho pode se transformar, na Outorga Onerosa do Direito de Construir, em recuperação de bagatelas que o fariam corar de vergonha.
De maneira surpreendente até para mim mesmo, construí essas notas a partir do “preço do m2 excedente” em lugar de derivá-las da razão contrapartida/renda total, isto é, do geral para o particular, como venho fazendo rotineiramente. No final deu no mesmo, mas trilhar esse caminho foi um tremendo desafio: o "preço do m2 excedente" é um peixe liso, difícil de agarrar, ainda mais num rio turvado por múltiplas combinações de coeficientes básicos e máximos de aproveitamento de terreno e todo gênero de fatores de desconto.
O conceito de “preço de referência” aqui utilizado é o corolário de uma explicação bastante simples que encontrei para a notória diferença de ordem de grandeza entre preços de m2 excedente e valores de contrapartida por m2 nas OUCs (CEPACs) e na OODC, a despeito de sua natureza comum. Ele é o parâmetro em que podemos basear a formação do "preço do m2 de potencial construtivo excedente”: nas OUCs como preço mínimo levado aos leilões de potencial construtivo, na OODC como preço máximo subordinado aos efeitos redutores do "valor venal do IPTU" e dos fatores de “planejamento”, de “interesse social” etc.
Passei batido, admito, pela discussão do conteúdo do "m2", que tomo a priori como unidade de produto imobiliário, não de construção, pela razão elementar de que esta não tem preço nem valor - que dirá residual! Criar um "fator de ajuste" a mais para converter "m2 construídos" em "m2 privativos" seria abusar da paciência do leitor.
Dedico especial atenção à relação entre o preço do m2 excedente e o coeficiente básico de aproveitamento de terreno. Por só ser cobrado à parcela do produto total que excede a proporção Cb/C, o "preço do m2 excedente" tem existência fugidia. No frigir dos ovos, o que conta é a "contrapartida por m2 produzido”, unidade de custo da concessão onerosa para o incorporador-proprietário. Se, no limite, Cb=0, a contrapartida será paga sobre 100% do produto; se Cb=C, a contrapartida será ZERO porque não haverá produto (nem renda) excedente. O coeficiente básico de aproveitamento de terreno exerce, portanto, o papel de "patamar de isenção" do encargo, o “redutor de segunda ordem” do valor das contrapartidas.
Por se tratar, aqui, de um estudo da mecânica interna da concessão onerosa de potencial construtivo, eludi a questão dos seus efeitos sobre os preços dos terrenos, para cuja investigação me falta, aliás, a devida competência. Dou por verdadeira a noção básica, extraída da teoria, de que a imposição de encargos sobre a renda fundiária gerada nos empreendimentos reduz o valor residual a ser repartido entre proprietário e incorporador, consequentemente o preço de transação dos terrenos. Efeitos de contrapartidas muito pequenas podem ser difíceis de detectar empiricamente. Mas dificilmente, creio, eles poderiam escapar ao olho clínico do investigador das transações de terrenos afetos às OUCs paulistanas.