STURTEVANT L, “Separating Fact from
Fiction in Research on Inclusionary Housing Programs”. National Housing
Conference May 2016.
https://www.nhc.org/wp-content/uploads/2017/10/Separating-Fact-from-Fiction-to-Design.pdf
Um feliz acaso me encontrou em Washington DC por ocasião da palestra “Separating Fact from Fiction to Design Effective Inclusionary Housing Programs”[1], proferida no National Building Museum pela pesquisadora norte-americana Lisa Sturtevant. Seu conteúdo pode ser acessado pelo leitor em artigo recém-publicado pela autora sob o mesmo título.[2]
Interior do National Building Museum Washington D.C. |
O marco mais geral da exposição, objeto das palavras de abertura, foi um revelador apanhado estatístico da relação cada vez mais crítica entre a renda das famílias e os gastos de aluguel nas grandes cidades norte-americanas - um inequívoco efeito, creio, do aumento consistente da pobreza relativa e absoluta no país, catapultado pelo estouro da bolha imobiliário-financeira em 2007-8.
"Cota de habitação social" e "cota de solidariedade” são termos brasileiros para o instituto norte-americano do Inclusionary Housing (IH), um instrumento de política habitacional que consiste na imposição legal ao incorporador imobiliário, ou incentivo mediante compensações normativas e fiscais, de que certa porcentagem do total de unidades residenciais construídas em um empreendimento corresponda a produtos mais baratos - e menos rentáveis - do que aqueles que a demanda estaria propensa a adquirir naquela localização. Ele atua pelo duplo viés da oferta privada de unidades de habitação social e da integração sócio-espacial das famílias adquirentes.
A aplicação e o desenho dos programas de IH são prerrogativas dos governos locais, portanto bastante variados. Em algumas localidades, a exigência de unidades IH depende do tamanho do empreendimento; em outras, os empreendedores têm a opção de recolher valor correspondente ao custo do IH a um fundo de financiamento de habitação social; outras mais o aplicam em troca de compensações, como acréscimos de densidade (edificabilidade), flexibilização de parâmetros edilícios e isenção de taxas.
Apesar de inexistirem estatísticas seguras do total de unidades produzidas pelo sistema IH, as melhores estimativas apontam para um número entre 129 e 140 mil desde 2010, envolvendo mais de 500 unidades administrativas locais, 27 estados e o Distrito de Columbia, com destaque para a Califórnia e a Região Metropolitana de Washington DC.
Avaliando a questão crítica de se os programas de IH causam a redução da produção total de habitações e/ou a elevação dos preços dos imóveis, Sturtevant alerta para a baixa confiabilidade das pesquisas que concluíram que sim. Em suas próprias palavras, “as pesquisas mais rigorosas sobre os programas de IH não registraram qualquer impacto sobre a produção habitacional e efeitos apenas modestos, se não irrelevantes, sobre os preços.
A parte mais importante da exposição trata dos fatores que contribuem para o sucesso, ou fracasso, de programas de IH, deduzidos pela autora de sua próprias pesquisas e relatos de outras experiências.
. O primeiro e principal fator é o ímpeto do próprio mercado de incorporações. Programas de IH são estruturalmente dependentes desse mercado, portanto de sua situação local ou conjuntural. Muitas iniciativas locais foram negativamente afetadas pela crise de 2007-8, ao passo que programas aplicados em regiões de forte demanda de mercado, como a RM de Washington DC, têm sido bastante bem sucedidos.
. Programas de IH de aplicação compulsória (83% do total) são em geral mais bem-sucedidos que os de aplicação voluntária, cujo sucesso depende, como se pode imaginar, de incentivos como o aumento da edificabilidade e outros tipos de compensação. Em março de 2016, a Câmara Municipal de Nova York aprovou a conversão de seu programa de IH voluntário em compulsório, “criando o mais ambicioso programa de IH do país”.
. Programas de IH, voluntários ou compulsórios, são mais bem-sucedidos, ou enfrentam menos resistência, quando associados a bônus compensatórios como aumentos da edificabilidade (os preferidos), aceleração de licenças, redução de exigências construtivas (e.g. vagas de estacionamento) e isenção de taxas.
. A previsibilidade do programa de IH, isto é, a clareza e estabilidade de suas regras, são fundamentais para o cálculo de rentabilidade dos empreendimentos, portanto o sucesso do programa.
. Embora à custa do objetivo de integração socioespacial, a flexibilidade no cumprimento da obrigação de IH mediante construção de unidades de em outros terrenos ou recolhimento do valor correspondente a um fundo de habitação pode contribuir significativamente para o sucesso dos programas em face de situações adversas como o alto custo da terra na localidade, a resistência comunitária ao aumento de densidade e a insuficiente capacidade administrativa do governo local.
Sturtevant conclui sua exposição asseverando que programas de IH podem ser componentes eficazes de políticas habitacionais locais em uma conjuntura de escassez de recursos federais para a habitação social. A integração socioespacial das famílias beneficiárias é vista como vantagem comparativa desse tipo de programa em face de alternativas quantitativamente mais relevantes.
Ela resume:
"Em geral, os programas de IH mais eficazes tendem a ser os de caráter compulsório, aplicados a mercados habitacionais dinâmicos e desenhados com regras claras, compensações econômicas adequadas e um leque de alternativas para o cumprimento da obrigação."
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Aos interessados em formar uma visão mais completa do tema, recomendo a leitura do Policy Focus Report (2016) do Lincoln Institute of Land Policy, a cargo de Rick Jacobus, intitulado “Inclusionary Housing: Creating and Maintaining Equitable Communities [3] e da contribuição de Costa, Albuquerque e Rampazio, “Cota de solidariedade: comparando políticas entre cidades norte americanas e São Paulo”, de 2015. [4]
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NOTAS
[1] “Separando fatos e ficção: como construir programas eficazes de inclusão habitacional”.
[1] “Separando fatos e ficção: como construir programas eficazes de inclusão habitacional”.
[2] Sturtevant, Lisa. “Separating Fact from Fiction in Research on Inclusionary Housing Programs”. National Housing Conference maio 2016.
https://www.nhc.org/wp-content/uploads/2017/10/Separating-Fact-from-Fiction-to-Design.pdf
[3] Jacobus, Rick. “Inclusionary Housing: Creating and Maintaining Equitable Communities". Policy Focus Report, Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge 2015
https://www.lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/inclusionary-housing-full_0.pdf
[3] Jacobus, Rick. “Inclusionary Housing: Creating and Maintaining Equitable Communities". Policy Focus Report, Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge 2015
https://www.lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/inclusionary-housing-full_0.pdf
[4] Albuquerque G H B, Pereira da Costa A B P e Rampazio L F. “Cota de solidariedade: comparando políticas entre cidades Norte Americanas e São Paulo”. PARC v. 6, n. 1, UNICAMP 2015.
2017-06-24