quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Legado olímpico é a reestruturação do Caio Martins

(Notas para um projeto de reestruturação física e gerencial do Complexo Desportivo Caio Martins)

O destino do Complexo Esportivo Caio Martins é a oportunidade de o COB e os responsáveis federais e estaduais pela organização dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro demonstrarem a seriedade e honestidade de seus propósitos desportivos. 

E também de governantes e parlamentares mostrarem que o interesse público lhes fala mais alto do que as centenas de milhões que, como todos sabem e alguns esperam avidamente, poderiam brotar, como lava incandescente, do solo que ele ocupa.

A cidade de Niterói tem todo o direito de considerar que a completa reestruturação física e gerencial do Caio Martins é a única opção legítima para administradores federais, estaduais e municipais que se digam honestamente empenhados em fazer com que os Jogos Olímpicos de 2016  deixem um legado desportivo e urbanístico. 

Na verdade, dadas as vantagens geográficas da cidade de Niterói – de que falaremos adiante – e a localização do complexo, é bastante plausível que, transformado em Fundação municipal e movido por um projeto gerencial competente, o Caio Martins possa ser não apenas uma entidade economicamente autossuficiente, como uma referência nacional em educação e eventos desportivos. 

O complexo caio Martins tem cerca de 4 hectares e é composto basicamente de um ginásio, uma piscina olímpica e um estádio de futebol.

O fato de o atual ginásio e piscina olímpica não se prestarem e não serem adaptáveis ao padrão imposto pelo COI para a realização de competições olímpicas não significa que eles não possam servir plenamente ao desenvolvimento desportivo municipal, metropolitano e estadual mediante um modesto esforço de investimento que os responsáveis estaduais e federais, a julgar pela fábula que vem sendo gasta a fundo perdido na organização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos de 2016, para não falar do Panamericano de 2007, não têm condições morais de recusar.

Vale lembrar que a necessidade de instalações desportivas para as Olimpíadas não se resume aos locais de competição, mas incluem necessariamente quadras, campos, piscinas e instalações de apoio e treinamento.

Por outro lado, a operação do estádio de futebol não é mais compatível com a localização do complexo e muito menos se justifica, do ponto de vista da relação custo-benefício, o seu uso como campo de treinamento. Tanto melhor: a reestruturação física do Complexo permitiria  a transformação de toda a área do estádio de futebol em um conjunto de quadras e espaços desportivos integrados, por um lado, ao ginásio e piscina olímpica e, por outro, a uma grande área pública de lazer de uso geral. 

A reestruturação física e, tão importante quanto, gerencial, do Complexo Desportivo Caio Martins deverá permitir que ele seja utilizado no máximo de sua capacidade:

·  servindo de suporte permanente à pratica educacional desportiva de milhares de alunos da rede de ensino público e privado de Niterói, mediante convênios específicos;

·        servindo de suporte permanente a programas de formação acadêmica e equipes competitivas da Universidade Federal Fluminense mediante convênio específico;

·        servindo de suporte à prática desportiva dos funcionários de todas as empresas da região que quiserem utilizá-lo mediante contratos de uso específico;

·        servindo de local de treinamento e mando de jogos de equipes profissionais de esportes de quadra que a Fundação Caio Martins, em parceria com entidades estatais e privadas, consiga fomentar ou atrair para a disputa dos diversos campeonatos estaduais e nacionais.


A propósito deste último ponto, é preciso considerar que Niterói é uma cidade
  • com pequena extensão geográfica; o Caio Martins não está a mais de 20 minutos por ônibus de qualquer bairro a cidade
  • com elevado nível de renda média para os padrões brasileiros
  • com abundante oferta de serviços;
  • com uma universidade federal de alta qualidade e em franca expansão;
  • com ligação imediata com o Rio de Janeiro;
  • localizada, em condições de trafego normal, a 30 minutos de viagem por automóvel, em via expressa, dos dois aeroportos metropolitanos. 


Uma cidade totalmente adequada, portanto, a sediar equipes e jogos profissionais de esportes de quadra, objetivo alcançável mediante um modesto esforço de gestão por parte de uma futura Fundação Caio Martins junto a confederações, clubes, patrocinadores, clubes e atletas.

A concretização da municipalização do Complexo permitiria a convocação 
  •  de um concurso público de projetos arquitetônicos e urbanísticos para a reestruturação física do CDCM;
  • de um concurso público de projetos de gestão do CDCM;
Em resumo, o CDCM pode ser transformar numa instituição de referência da cidade de Niterói como equipamento público e como patrimônio arquitetônico e urbanístico – o equivalente desportivo do MAC.


2011-11-30


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Transferência Onerosa de IPVA

Eu achei que estivéssemos em campanha contra o aquecimento global, contra o congestionamento das cidades e contra os acidentes nas estradas.


Devo ter sonhado, porque de repente aparece na TV uma enxurrada de anúncios de novos  SUVs.

Outro dia, na serra, depois de ser ultrapassado repetidas vezes, em curvas, viadutos e acostamentos, por essas bestias, cheguei à certeza de que a influência desses veículos, que têm potência de caminhão e dirigibilidade de automóvel, sobre seus usuários constitui um perigo para a coletividade – além de uma ofensa ao planeta e um desrespeito às cidades. 

Para que não fique dúvida, vejam ao lado o que surgiu de repente na garagem do meu prédio. Agora imaginem uma fila desses mastodontes querendo andar na Noronha Torrezão, em Niterói – uma importante via de ligação espremida entre colinas, de mão e contramão, onde a prefeitura permite construir edifícios de uso residencial e comercial de 20 pavimentos.

Eu proponho um novo instrumento urbanístico: a “Transferência Onerosa de IPVA”: cada candidato a usar um SUV na cidade deverá comprar 50% do IPVA de 20 automóveis 1.0 - além de pagar o seu, é claro.

ADENDO (em 05/12): a proposta de TO-IPVA acaba de ser expandida: o proprietário do SUV poderá, alternativamente, adquirir 50% do IPVA de 50 smart-cars, 100 motocicletas ou doar 1000 bicicletas às comunidades carentes. 

2011-11-25

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Embriaguez de mercado


Deu na Exame 
17-11-2011, por Giuliana Napolitano

A maior alta de imóveis do mundo
Uma pesquisa exclusiva mostra que os preços dos imóveis no país subiram 25% em 12 meses, um recorde global. Em dois anos, o aumento passou de 50%. Ficou caro?
Imagem: Internet
Autor n identificado
Em junho de 2010, quando EXAME publicou sua primeira pesquisa anual sobre o mercado imobiliário brasileiro, muitos tiveram a impressão de que aquela euforia havia atingido um teto impossível de superar: de acordo com os números, levantados pelo instituto Ibope Inteligência, o Brasil tinha o terceiro mercado mais aquecido do planeta, somente atrás de Hong Kong e Singapura.
Um ano depois, eis aqui a constatação: sim, era possível. O mercado imobiliário brasileiro viveu, em 2010, um período de euforia sem paralelo em sua história. Mais de 1 milhão de casas e apartamentos foram financiados no ano, duas vezes mais do que em 2008. As vendas nunca foram tão velozes. 
Em média, um novo prédio leva quatro meses para ser completamente vendido nas principais capitais do país, três vezes mais rápido do que cinco anos atrás — e há dezenas de casos de condomínios que são comercializados num único fim de semana, alguns em poucas horas. 
O segundo levantamento EXAME/­Ibope traduz em números esse aquecimento: os preços dos imóveis novos subiram 26% nos últimos 12 meses em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Os usados aumentaram 24% no mesmo período. 
A alta média, de 25%, foi a maior do mundo, segundo dados de 37 países levantados pela consultoria especializada Global Property Guide. Em dois anos, os imóveis brasileiros valorizaram 52% — apenas o riquíssimo mercado de Hong Kong teve desempenho melhor.
A incrível escalada de preços de imóveis no Brasil é explicada por um inédito descompasso entre oferta e demanda. (Continua)

2011-11-21


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Ajude um niteroiense a chegar ao metrô da Carioca


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Dizer asneira é um direito democrático inalienável, sagrado mesmo, eu ousaria dizer; um sacrifício necessário. Assim como perder gols regularmente é o preço da glória artilheira, dizer asneiras é a sina dos opiniáticos e dos consultores: só não dizem nunca asneiras os verdadeiramente sábios e os burocratas empedernidos – os primeiros porque são raros e, em geral, modestos demais para abrir a boca, os segundos porque, embora numerosos, jamais se arriscam: se atêm, por natureza, ao terreno seguro do já assentado e à opinião dos chefes. 

Digo isso porque esta pequena crônica foi inspirada por uma asneira colossal, expelida por um desafortunado profissional da opinião abalizada. Faz alguns anos, em uma reunião de trabalho numa importante organização pública, ao ser inquirido sobre a validade de uma estação do Metrô na Praça XV o desavisado especialista em transportes urbanos respondeu: “Não é relevante; as mais recentes pesquisas O-D (origem-destino) mostram que a maioria das pessoas que saem das barcas se dirige às imediações da própria Praça XV”.

Mergulhão da Praça XV
Ora, como poderia ser diferente - apenas pensei, por estar de "penetra" na reunião -, se da Praça XV só se pode sair a pé ou pegando ônibus tresloucados num subterrâneo fétido, sujo, escuro, inseguro e desconfortável – que sequer foi feito para integrar o sistema de transporte urbano do Rio, mas para desobstruir a vista do Paço Imperial?

Compartilho com os leitores uma experiência pessoal: na época em que precisava fazer uma visita mensal ao IASERJ, na Praça Cruz Vermelha, eu me mudei para Niterói. E como se vai de Niterói à Praça Cruz Vermelha? Desalentado com a perspectiva de passar horas dentro de um ônibus no corredor polonês Ponte-Francisco Bicalho, para depois ter de saltar na altura da Praça da República e caminhar um longo trecho final, decidi ir de barca. Afinal, a Cruz Vermelha é logo ali. Quem sabe eu descobriria algum ônibus na Praça XV, ou no Castelo, que me deixasse lá? Pur(t)a asneira! Acabei indo a pé, primeiro por entre os escolhos do trecho Pça XV-Carioca, depois pelo interminável deserto modernista da Av. Chile e, finalmente, pela sua continuação protomodernista, o plano pós-agacheano inacabado (como o da Rua da Lapa) da Henrique Valadares. Cheguei vivo, é claro, porém (era verão) suado como um estivador e queimado de sol como um vendedor de picolé. 
Av. Chile

Agora suponha o leitor que, mesmo com a péssima qualidade atual do serviço de barcas, houvesse na Pça XV uma estação de Metrô para a Carioca, Cruz Vermelha e Estácio e que o Mergulhão fosse uma estação de BRT com opções para as Zonas Norte e Sul.  Qual seria a opção de milhares de pessoas que diariamente gastam horas em viagens de ônibus pela ponte Rio-Niterói para chegar aos seus destinos no Rio de Janeiro? (Semana passada uma amiga me disse que gasta 2h30m diariamente só para ir de Itaipuaçu a Botafogo - de carro até São Francisco e depois... ônibus!!! E ela trabalha quase dentro da Estação do Metrô!) Eu apostaria o meu HD com o amigo transportista! 

Na verdade, qualquer estrutura que meramente facilitasse ao usuário das barcas chegar ao Metrô da Carioca teria um impacto tão claro na decisão dos niterioenses que a atual concessionária do transporte na Baía de Guanabara seria obrigada, como um técnico de futebol que perde três partidas seguidas, a pedir o chapéu e entregar o serviço a mãos mais competentes e empreendedoras. 

Antes, porém, de postar um artigo com uma explicação urbanística de porque considero de uma cegueira asnática e inaudita, típica do desplanejamento contemporâneo, a decisão de jogar para as calendas gregas a ligação metroviária Estácio-Carioca-Pça XV, eu me arrisco a sugerir aos meus leitores uma solução banal para ajudar os pobres niteroienses a chegar ao metrô da Carioca sem ter de dar a volta pelo Caju: uma simples esteira rolante sobre a Praça do Expedicionário e os canteiros centrais da rua Almirante Barroso e começo da Av. Chile. (Na verdade, essa solução aumentaria ainda mais a renda média por habitante de Niterói, com centenas de novos moradores funcionários da Petrobrás, Caixa Econômica e BNDES).  

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Aos que supõem cara, ou complicada, a manutenção da esteira rolante, eu digo: esqueçam-na! Façam apenas uma passarela metálica, leve e bonita (será impossível?), a ser desmontada quando venha o Metrô, mas que poupe ao cidadão a corrida de obstáculos que é a caminhada entre a Pça XV e a Carioca e lhe permita sair com seu bilhetinho integrado de dentro da Estação das Barcas e chegar em sete minutos de caminhada tranqüila à Estação da Carioca. Na Europa e em Nova York, acho até que em Buenos Aires, há enlaces de metrô mais longos do que isso. É claro, teria de ter um concurso de projeto – o que não foi feito no caso do arquejante (!) viaduto metroviário da Francisco Bicalho (que, como disse uma amiga, nem redondinho é) nem no da arcaica (!) superpassarela da Estação Cidade Nova. 

Se essa idéia, caro leitor, parece-lhe uma asneira urbanística, faça o favor de pô-la na minha cota democrática, como fiz com a opinião do fellow transportista. Acho que eu, tanto quanto ele, ainda tenho algum crédito na praça.

2011-11-18

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Grande Projetos Urbanos, por Cuenya 2011

Publicado em Carajillo de la Ciudad, Año 3 - Octubre 2011, por Beatriz Cuenya*
https://cafedelasciudades.com.ar/carajillo/10_art1.htm

Grandes proyectos y sus impactos en la centralidad urbana


Introducción

Este trabajo examina las mega operaciones de renovación urbana de iniciativa pública, mediante las cuales áreas relegadas se reconfiguran como nuevas centralidades: entornos construidos, destinados a albergar infraestructuras y servicios de alto nivel, dirigidos a una demanda de alto poder adquisitivo, que usualmente excede el ámbito local para incluir a empresas, usuarios e inversores nacionales e internacionales. 

 

Projeto Puerto Norte, Rosario, ARG

Los grandes proyectos de este tipo expresan un nuevo paisaje físico y social de la centralidad urbana, en el contexto de la globalización. Ellos sintetizan los importantes cambios que han experimentado las metrópolis modernas en la organización espacial de las actividades, en el diseño del entorno construido, en los estilos de consumo y de vida de la población – particularmente de las elites – así como en los modos de gestión pública del este entorno durante los últimos 30 años.

La literatura sobre globalización y reestructuración económica proporciona un poderoso marco conceptual para analizar e interpretar las principales causas que han conducido a multiplicar estos nuevos artefactos urbanos en la mayoría de las grandes metrópolis. Se sabe menos acerca de cómo se construyen localmente estos proyectos que dan lugar a “nueva geografía urbana” y cuáles son sus impactos. Esto implica interrogarse sobre los intereses que modelan las prácticas de los agentes y explican los comportamientos urbanos que han surgido debido a la reestructuración económica postfordista.

El propósito de este trabajo es, en primer lugar, argumentar que los grandes proyectos producen modificaciones claves en la estructura de la centralidad urbana. En segundo lugar, identificar cuáles son los intereses dominantes que contribuyen a promover esos cambios. Finalmente delinear algunos conflictos que allí se derivan. El análisis se basa en la literatura sobre las nuevas formas urbanas que surgen con la globalización, y en estudios propios sobre grandes proyectos impulsados en Argentina en las dos últimas décadas: Puerto Madero y Proyecto Retiro, en Buenos Aires. Y Puerto Norte en Rosario. (Continua)

Acesse o artigo completo pelo link
https://cafedelasciudades.com.ar/carajillo/10_art1.htm

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* Arquitecta. Doctora en Urbanismo, Delft University of Technology, The Netherlands. Investigadora y Directora del Centro de Estudios Urbanos y Regionales – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CEUR-CONICET). Buenos Aires, Argentina.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Duas ou três coisas que sei dela (a Outorga Onerosa do Direito de Construir): a natureza residual do valor da terra

No primeiro artigo da série Outorga Onerosa do Direito de Construir, postado em 23-5-2011, eu a defini como “contrapartida [cobrada pelo município] no licenciamento de construções que intensifiquem o uso do solo além de certo limiar, sobrecarregando as infraestruturas e promovendo a sobrevalorização da terra”. Disse, também, que esse tema é um “excelente veículo para o debate sobre a formação e repartição da renda do solo urbano”. Prossigamos, pois.

Para entender como funciona a OODC é preciso ter em mente a natureza residual do valor da terra.

A terra, insumo sine qua non da produção de habitações e outros produtos imobiliários, é um bem natural e irreprodutível. E como não se trata, neste caso, da terra bruta, mas de terra urbanizada e bem localizada em relação aos demais recursos urbanos (comércio, serviços, amenidades), estamos falando de um insumo irremediavelmente escasso, um bem de “oferta fixa”.

Assim sendo, o seu preço, que em nenhum caso pode ser estipulado com base em custos de produção e margens de lucro, dado que a terra não se produz, tampouco resulta de ajustes sucessivos entre quantidades demandadas e ofertadas, dado que a terra não se reproduz, é produto de um processo de alocação determinado pelas ofertas (de renda) sucessivamente mais altas – um vasto leilão social sem leiloeiro.

Quanto vale, então, um terreno urbano?

Os avaliadores de imóveis chamam de método direto de avaliação de um terreno aquele que se baseia na pesquisa de preços já praticados (método comparativo de mercado): um imóvel vale tanto quanto outros já negociados na região, que possam ser considerados similares, por si sós ou mediante técnicas de “homogeneização”, ou ainda, mais modernamente, que possam ser ajustados a uma curva de regressão matemática. Com isto, permanece aberta a questão: como se formou o preço desses outros imóveis? Como estimar, por outro lado, o preço de um terreno urbano isolado em um contexto de raras transações?

A resposta se obtém pelos métodos que os avaliadores chamam de indiretos, baseados no princípio da renda que os terrenos, ou imóveis, são capazes de gerar. Esses métodos têm a virtude de explicar como se formam os preços da terra urbana. 

Em se tratando da incorporação imobiliária de terrenos situados em áreas urbanizadas, o método mais utilizado é aquele chamado de residual dedutivo, que estabelece o preço máximo admissível de transação de um terreno. 

A figura abaixo representa a estrutura geral do método residual dedutivo de avaliação de terrenos urbanos, "espelho" da estrutura do empreendimento imobiliário mais rentável (questão crucial à qual teremos de retornar) que o terreno é capaz de abrigar num momento dado, composta de receita, custos, retorno de capital e, finalmente, renda da terra.


É nesse método, o mesmo utilizado pelos incorporadores para estimar a viabilidade e lucratividade de seus empreendimentos, que nos basearemos para construir um modelo explicativo do significado econômico da edificabilidade dos terrenos urbanos e, consequentemente, da Outorga Onerosa do Direito de Construir.

O máximo valor de transação admissível do terreno onde será construído o edifício da figura é dado pela subtração, à receita total que ele irá gerar com a venda das unidades (Valor Geral de Vendas ou, simplesmente, VGV), dos custos totais do empreendimento e do custo, ou retorno, de capital (geralmente expresso como proporção do VGV). Na indústria da incorporação costuma-se designar o retorno de capital pelo termo Taxa Mínima de Atratividade (TMA), que é a taxa mínima de retorno do capital abaixo da qual o empreendimento não é economicamente viável, ou interessante, do ponto de vista do empreendedor. 

O resto, ou resíduo, da subtração acima descrita constitui, precisamente, a renda da terra gerada por este empreendimento. O valor residual apurado é o máximo preço que qualquer incorporador pagará pelo terreno. Comprando o terreno por um preço acima do valor residual, o incorporador estaria renunciando ao retorno mínimo admissível do seu investimento de capital. Inversamente – e este é o fator crítico da indústria da incorporação –, comprando o terreno por um preço abaixo do valor residual o incorporador estará obtendo um lucro extraordinário em forma de renda da terra.

O preço de transação de um terreno destinado à incorporação equivale, pois, a um termo de repartição, entre o proprietário original e o proprietário "intermediário", vale dizer o incorporador, conforme os respectivos níveis de informação e capacidade de negociação, do valor residual total do empreendimento, que não é outra coisa que o somatório das rendas que pagarão por ele os proprietários futuros, isto é, os compradores finais dos produtos imobiliários.

A questão é: se o valor residual do terreno que repartem entre si o proprietário e o incorporador não provém de outro atributo que a urbanização e as vantagens locacionais dos bens imóveis que ele poderá receber no espaço urbanizado, nada mais justo - e economicamente necessário! - que ao menos uma parte desse residuo seja capturado pela coletividade, representada pelo poder municipal, para financiar a própria urbanização. 

A Outorga Onerosa do Direito de Construir é uma das formas pelas quais a coletividade pode participar da repartição da renda da terra na indústria da incorporação imobiliária, tema que discutiremos com maior detalhe  em uma proxima postagem.  

2011-11-02

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Tentando entender a Operação Urbana Porto do Rio...

A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, em São Paulo, tem um desenho relativamente fácil de entender: investidores em geral, quase sempre incorporadores imobiliários, compram Certificados de Potencial Construtivo Adicional (CEPACs) para adiantar à prefeitura o dinheiro que ela investirá, etapa por etapa, no plano de obras que valoriza a área onde se utilizarão os próprios CEPACs. 

Os CEPACs interessam aos incorporadores porque custam, no momento da compra, uma fração (geralmente a metade) do lucro extraordinário (renda da terra) teoricamente gerado pela construção excedente que eles representam e uma fração ainda menor do lucro efetivamente gerado no momento de sua aplicação, devido à valorização imobiliária causada pelo aumento quantitativo e qualitativo da demanda na região beneficiada pelas obras.

A julgar, porém, pelo que se lê no saite do Porto Maravilha, link Transparência, Relatório Trimestral de abr-jun/2011, a Operação Urbana do Porto do Rio tem um formato sui generis:

No final de Maio o Edital para o Leilão dos CEPACs da Operação Urbana Porto Maravilha foi aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários. As principais regras estabelecidas foram: o Leilão seria realizado em lote único e indivisível, ao preço unitário mínimo  de R$ 545,00; a CDURP se compromete a vender para o vencedor do Leilão terrenos que correspondam ao consumo de 60% do estoque dos CEPACs em três anos. Considerando que já há disponibilidade de 25% do estoque para atender aos imóveis privados, a CDURP se compromete ainda a estimular empreendimentos imobiliários que demandem  a destinação  dos restantes 15%. Em contrapartida, o vencedor do Leilão assume todo o custo da Operação Urbana, avaliado em R$ 8 bilhões ao longo de 15 anos; o vencedor do leilão se obriga a vender CEPACs para todo empreendedor que tiver projeto aprovado pela SMU.
(...)
O Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha, que tem como cotista o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e gerido pela Caixa, arrematou o lote único de 6.436.722 CEPACs, ao custo unitário de emissão (R$545,00), num valor total de R$ 3.508.013.490,00. [1]

Ou seja, a Caixa Econômica Federal (CEF) arrematou todos os CEPACs em lote único, supõe-se que para revender às incorporadoras, mas as obras de infraestrutura e urbanização do bairro não serão feitas pela prefeitura com os 3,5 bilhões adiantados pela CEF, e sim com outros 8 bilhões que a mesma CEF terá de despender: (‘o vencedor do Leilão assume todo o custo da Operação Urbana, avaliado em R$ 8 bilhões ao longo de 15 anos’.)

Ora, se a CEF comprou o lote único de CEPACs por R$ 3,5 bilhões e ainda terá de arcar com R$ 8 bilhões em obras urbanas, devemos entender que, para todos os efeitos práticos, ela comprou os 6,437 milhões de Certificados por R$11,5 bilhões, vale dizer, pagou R$1787,00 por CEPAC. Como a CEF é um banco, não uma incorporadora imobiliária, para obter um lucro de, digamos, 15% sobre o capital investido na OUC ela teria de vender cada CEPAC aos incorporadores pelo significativo valor médio de R$ 2055,00, equivalente a 3,77 vezes o preço nominal de aquisição!

E o que acontece com um incorporador que tem de comprar, por R$2055,00, 1 CEPAC que representa, na melhor da hipóteses, 1m2 privativo a vender ao consumidor final?

Eu estimo que este incorporador, supondo que pague ao proprietário do terreno somente o preço proporcional ao coeficiente básico, terá de gerar um produto imobiliário com preço de venda mínimo de R$6850,00 o m2 privativo (cota de terreno estimada em 30% do Valor Geral de Vendas- VGV) para poder obter um retorno de capital igual à taxa de atratividade mínima de 15% e lucro extraordinário em forma de renda da terra igual a zero (100% absorvido na compra dos CEPACs).

Neste caso, a OUC do Porto do Rio terá realizado 3 milagres:

1) Os proprietários de terrenos não se comportaram como proprietários,  monopolistas do insumo sine qua non, mas como meros cotistas (coeficiente básico) da incorporação.

2) A CEF aplicou 8 bilhões em renda da terra recuperada na urbanização de um imenso bairro de classe B e obteve um retorno de capital de 15% sobre o total de R$ 11,5 bilhões despendidos. 

3) Os incorporadores foram verdadeiramente “georgeanos” (adeptos de Henry George) ao construir um bairro inteiro para ganhar nada mais que um retorno de capital igual à taxa de atratividade mínima de 15% sobre o VGV (renda da terra igual a zero)!

“Milagres não existem. O seu raciocínio tem de estar errado”, diz o pequeno duende encarapitado no meu ombro direito. “Volte 3 casas, pense direito e comece novamente”.

Vejamos.

Uma hipótese alternativa é a de que o Porto Maravilha não está planejado como um bairro de classe B, mas como um Puerto Madero carioca (classes B+ e A e endereços de negócios chiques), com preço de venda do m2 privativo mínimo de, digamos R$10 mil, caso em que os incorporadores estariam pagando, pelo CEPAC a R$2055,00, cerca de 50% da cota de terreno (estimada em 40%) de cada m2 vendido.

Neste segundo caso, cada CEPAC aplicado pelo incorporador pelo menos cobre o seu custo e retorna outro tanto em renda da terra, à parte o retorno de capital de 15% sobre o VGV do empreendimento. É perfeitamente possível, em alguns casos – parece que a prefeitura de São Paulo vende aos incorporadores, por Outorga Onerosa do Direito de Construir,  1m2 adicional no Itaim Bibi por R$ 2800,00. Mas há demanda desse padrão para todo o Porto do Rio? As classes B+ e A topam mesmo migrar para lá? O mercado imobiliário internacional ajuda a segurar essa onda?

“Você está obviamente equivocado, seu pateta! A CEF é macaca velha, sabe o que faz. O seu esqueminha é que está furado”, diz o duende. “Esta não é uma operação urbana igual às de São Paulo. Aqui os coeficientes variam de 2 a 12! Volte dez casas, leia a lei com atenção, repasse as regras da incorporação imobiliária e comece outra vez.”

Ok. Tenho de estudar mais. Vamos por outro caminho.

O que a prefeitura vai fazer com o dinheiro dos CEPACs se é a CEF que vai bancar as obras de infraestrutura e urbanização? Resposta tentativa: comprar terrenos (depois de aplicar o IPTU progressivo, se supõe) para entrar como sócio menor (coeficiente básico) da CEF nos empreendimentos.

Mas o relatório diz: 

‘A CDURP se compromete a vender para o vencedor do Leilão terrenos que correspondam ao consumo de 60% do estoque dos CEPACs em três anos’.

Quer dizer, então, que a CEF pagou 3,5 bilhões à prefeitura na compra de CEPACs, assumiu o compromisso de custear mais 8 bilhões em obras e ainda terá de comprar terrenos ao município?

“Afinal, o que o município vai fazer com os 3,5 bilhões da receita de CEPACs, convertidos, ao que parece, em receita da venda de terrenos à própria CEF?”, pergunta o duende do meu ombro esquerdo que, entediado, até agora só observara. “Doar ao nosso querido Fluminense FC para a compra do Centro de Treinamento Banana Golf?”

Demônio inconveniente! Voltando: a conclusão é que a CEF entra no negócio monopolizando todos os CEPACs, executando todas as obras e comprando (quase) todos os terrenos!

Surge então uma terceira hipótese: a OUC Porto do Rio será um grande “Minha Casa Minha Vida” em que a CEF entra como superincorporadora estatal que terceiriza empreendimentos a incorporadoras privadas remunerando-as “a peso de CEPACs” inflados pela valorização da terra.

“Mas então”, insiste o segundo duende, “para que o nome pomposo de Operação Urbana Consorciada da Região Porto do Rio? De que consórcio se trata, afinal, se a CEF é a dona de tudo? Não seria melhor chamar logo de Projeto PORTOCEF”?

Seria, sim. E como entender, por outro lado, esse dispositivo que diz ‘O vencedor do leilão (leia-se a CEF) se obriga a vender CEPACs para todo empreendedor que tiver projeto aprovado pela SMU.’ Como assim? No escuro? Já combinaram o preço? E se o empreendimento não pagar o preço dos CEPACs?

“Bah, tudo isso são sandices!”, retorna o primeiro duende. “Você está por fora. Não entende nem nunca vai entender nada de negócios. Volte 20 casas e comece novamente, mas só depois de consultar os universitários, porque a minha paciência se esgotou. Aliás, quer um conselho ainda melhor? Pára de bancar o Nero Wolfe das Operações Urbanas e volta logo p’raqueles seus exercícios de urbanismo literário”.

Sensato...

“Só uma perguntinha...”, diz o segundo duende, “Não seria mais simples o saite do Porto Maravilha ter uma página bem didática explicando em que consiste essa Operação Urbana? Como funciona, quem entra com o quê, quem faz o quê e quem sai com o quê? É segredo comercial? É segredo de Estado? Tem diferença?”

Cartas para a redação, por favor.

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domingo, 23 de outubro de 2011

Do PL da vereadora Rabello ao monopólio da CEF: notas sobre a OUC do Porto do Rio

A propósito da minha manifestação de apoio ao PL da vereadora Sonia Rabello, do PV, que destina 10% da receita da prefeitura do Rio de Janeiro com a venda dos CEPACs na área do Porto do Rio a urbanização e habitação social em duas AEIS anexas, chegou-me por e-mail a seguinte ponderação de uma amiga petista:
“Os Certificados já foram todos adquiridos pela Caixa [Econômica Federal – CEF]. Não sei se um projeto de lei municipal pode incidir sobre uma ação da CEF, no caso dos 10%, já que ela [a] CEF vai vendê-los, é claro.”
É claro que há aqui um mal-entendido, cujo esclarecimento me dá, no entanto, uma boa oportunidade de refletir sobre a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio.

Vejamos. 

Primeiro, cabe esclarecer, a CEF adquiriu os CEPACs do Porto Maravilha à prefeitura do Rio. 

O Projeto de Lei da vereadora propõe que a prefeitura, não a CEF, aplique 10% do valor arrecadado nas AEIS mencionadas. 

O que a vereadora propõe, portanto, é que o dinheiro arrecadado pela prefeitura (não os CEPACs da CEF), seja usado (10%) para subsidiar habitação social em dois setores, aliás bastante pouco valorizados, do espaço da OUC do Porto do Rio.

Ficaria assim minimamente assegurada a aplicação social da renda do solo recuperada pelo município, no âmbito da OUC, aspecto que, até onde posso perceber, a prefeitura virtualmente eliminou do projeto do “Porto Maravilha” na virada do governo. 

Aplicar a renda do solo recuperada pela municipalidade em habitação e urbanização social é muito diferente de aplicar em itens de valorização para o próprio projeto principal, voltado para habitação e espaços comercias “de mercado”. Trata-se, simplesmente, da diferença entre aplicar a renda recuperada para meramente promover a espiral de valorização da área ou para obter algum efeito redistributivo associado.

É certo que a viabilidade da própria OUC depende da aplicação da renda da terra recuperada por antecipação (via CEPACs) em itens de infraestrutura e urbanização que garantam a espiral de valorização do perímetro. Mas não é menos certo que o caráter minimamente redistributivo dessa recuperação depende ou bem de um plano urbanístico que contenha em si mesmo um zoneamento do tipo “inclusivo”, com obrigações para os incorporadores de mesclar empreendimentos de máxima rentabilidade como empreendimentos de rentabilidade “social” – como era o Plano sugerido pelo IPP e a consultoria francesa de 2008 – ou bem de medidas como a da vereadora Sônia Rabelo, que “carimba” parte da receita gerada pelos CEPACs para aplicação em projetos sociais em algum lugar do perímetro ou imediações. 

Ao final, o PL da vereadora dá à situação um aspecto similar ao das antigas Operações Interligadas paulistas: cobrar uma contrapartida de um plano de desenvolvimento urbanístico-imobiliário privado – no caso público, mas essencialmente privatista – para aplicar em urbanização e habitação social em benefício das populações circunvizinhas.

Nada disso, até aqui, tem a ver com a CEF, que entra no assunto como investidor-proprietário de certificados de potencial construtivo, vale dizer, como potencial incorporador. O papel da CEF é, até aqui, o mesmo dos investidores privados que, nas OUCs de São Paulo, adquirem os lotes de CEPACs colocados à venda, com preços ajustados, a cada etapa de desenvolvimento do projeto. E é aqui que começam as indagações mais intrigantes.

Primeiro, fica claro que a CEF assumiu um duplo papel: o de proprietária privada monopolista de todo o direito de construir na região da Portuária (à exceção dos coeficientes básicos) e também, portanto, de virtual agente público condutor do desenvolvimento do projeto. Com a venda de todo o potencial construtivo em um único lote a um agente público federal, a prefeitura do Rio de Janeiro, na prática, federalizou o projeto em troca da antecipação de toda (?) a receita de Outorga Onerosa do Direito de Construir na região, trocada pelos CEPACs adquiridos pela CEF. Em outras palavras, a prefeitura do Rio de Janeiro pode ter alienado a condução de seu mais importante projeto urbanístico a uma entidade – estatal, é verdade – de financiamento imobiliário. 

Em segundo lugar, ao vender a totalidade do potencial construtivo em um único lote a prefeitura do Rio renunciou também à possibilidade de ajustar tanto o planejamento de execução do projeto quanto o preço dos CEPACs de acordo com o ritmo de desenvolvimento das obras e da valorização de cada pedaço do perímetro. Caberá, daqui por diante, à CEF, exercer o papel de “regulador” da quantidade de CEPACs em circulação no mercado em face do nível da demanda, de maneira a evitar, por exemplo, a queda de seu preço, e ditar todos os aspectos fundamentais do projeto. 

(O adeus à autonomia municipal neste caso parece confirmar uma antiga tradição da prefeitura do Rio de Janeiro, de permitir, por exemplo, que o Metrô decida a totalidade dos aspectos urbanísticos envolvidos na sua implantação, de traçados e estações a elementos de engenharia no espaço público.)

Terceiro, tudo indica que a CEF entrou na operação, em comum acordo com a prefeitura e os incorporadores, como agente privado intermediário no mercado de CEPACs de maneira a assumir todos os riscos! Muito provavelmente, o leilão foi "pra inglês ver". Nenhum capitalista privado teve de adiantar um tostão para a prefeitura fazer qualquer obra. Se o Porto fracassar no mercado (coisa em que não creio, pelo menos por completo, dada a real escassez de terrenos nas proximidades do Centro do Rio) é a CEF que fica com o mico. 

Por outro lado, se o Porto for um sucesso de mercado, a CEF ficará com um lucro fabuloso. Nesse caso, a recuperação pública de renda do solo (dado que a CEF é um banco estatal) será dada pela exata proporção com que a CEF reparta esse lucro com os incorporadores, vale dizer, da relação entre o preço a que ela revender os CEPACs e o preço que o usuário final pagará pela terra (cota de terreno do m2 privativo adquirido). O que a CEF adiantou à Prefeitura é, na verdade, somente uma parte da renda potencial do solo a ser gerada na área. A "recuperação" pública (embora não municipal) da renda do solo só termina quando a CEF revender os CEPACs aos verdadeiros incorporadores e sua exata dimensão (proporção da renda) só se saberá quando for feita a venda do produto final. Eis um tema fascinante para os pesquisadores da Outorga Onerosa no Brasil.

Parece claro, também, que a CEF, como investidor estatal e principal agente da política habitacional do governo, tem a faca e o queijo na mão para interpretar a normativa municipal de modo a promover a habitação social na área. Produzir uma certa quantidade de imóveis menos rentáveis do que o mercado compraria, em benefício de um segmento determinado da demanda, é uma prerrogativa do proprietário dos CEPACs. Teríamos aqui um “segundo tempo”, agora federal, de aplicação social da recuperação da renda da terra na região portuária. Eu espero que a CEF o faça, assim contribuindo, dentre outras coisas, com uma certa heterogeneidade sócio-econômica na região – coisa que, aparentemente, o atual plano da Prefeitura vê com horror.

Passando a outro foco, eu não consigo encontrar, no saite do Porto Maravilha, um plano urbanístico minimamente completo para a área. Dá a impressão de que o ali contido são fragmentos de projeto, até bastante detalhados em alguns casos, arrumados de maneira a dar a impressão de que existe um projeto urbano – não vejo, por exemplo, o plano de massa, o desenho do cais com destinação dos armazéns, os espaços verdes adequadamente especificados, o plano de ocupação para o uso residencial, a localização de equipamentos básicos como escolas, delegacias, postos de saúde, hospitais etc. 

O projeto de circulação e transportes é o componente vital da inserção do novo Porto do Rio na trama urbana. Tampouco o que há no saite me convence: parece uma colagem apressada do antigo projeto VLT com os trajetos dos ônibus que hoje circulam por ali. Não está nada claro como é que esses elementos se integram nos grandes sistemas de trens, metrô e BRS da zona sul, como não sabemos como fica a ligação com São Cristóvão tampouco o destino da Rodoviária Novo Rio.

Fica-se a perguntar como foi que se colocou à venda todo o lote de CEPACs com base num plano tão precário. Será que basta o "mapa de potencial construtivo"? Dado que a CEF não botaria, eu imagino, essa montanha de dinheiro num plano esquemático, eu creio que um plano urbanístico completo deva existir em algum lugar. Mas onde está?

Dentre tudo o que falta no saite do Porto Maravilha, o mais importante é, sem dúvida, um quadro de contas especificamente desenhado para que o público possa entender a real distribuição de custos e receitas realizados e estimados da operação entre os principais agentes nela envolvidos – incluindo as empreiteiras contratadas para executar as obras, as incorporadoras que comprarão CEPACs e venderão os imóveis e os proprietários de terrenos. Tudo o que o público precisa saber e não está no saite eu considero, para todos os efeitos, "informação classificada". 

Até ter conseguido encontrar no saite do Porto Maravilha informações verdadeiramente esclarecedoras sobre a estrutura da operação, eu me recusarei a reconhecê-la como um empreendimento transparente. É responsabilidade da Prefeitura, da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP) – empresa de economia mista por ela controlada – e agora da CEF, a sócia maior do projeto – colocar tudo em pratos limpos, com uma linguagem destinada ao esclarecimento público. Transparência para brasileiro ver, já! Vamos ver aonde isso vai dar. 

Finalmente, como petista, mesmo desgarrado e de oposição, eu faço votos que a direção e os vereadores do PT encarem o PL da vereadora Rabello com espírito desarmado, se necessário propondo emendas comprovadamente do interesse dos trabalhadores. O princípio é o de sempre: o interesse dos trabalhadores está acima dos interesses particulares de quaisquer partidos – inclusive o nosso!

2011-10-23

domingo, 9 de outubro de 2011

Caio Martins: sede olímpica da Construção em Altura II

Paira, sobre o destino do Complexo Desportivo Caio Martins, em Niterói, o silêncio sepulcral do instante em que o verdugo ergue a espada sobre a cabeça do condenado. Só que, em vez do zumbido das moscas, o que se escuta é o baticum dos bate-estacas e martelos nas construções circundantes. 

Não me atraem as teorias da conspiração, mas de um tempo para cá me assalta o pensamento incômodo de que os sem-teto que reaparecem todo santo final de tarde na calçada do estádio para passar a noite ao abrigo de suas arquibancadas são movidos a algum tipo de incentivo. 

Há alguns meses o Ginásio Caio Martins hospedou, inopinadamente, uma importante etapa do mundial juvenil de vôlei masculino. Os jogos foram sempre à tarde – provavelmente por falta de iluminação adequada – e a publicidade nula. Ficava-se sabendo ao passar em frente ao ginásio e ver, pelo portão semi-aberto, os estandartes do evento. Só os escolares, creio, assistiram às partidas. 

Se os promotores dos Jogos Olímpicos tinham a intenção de proporcionar ao Caio Martins a sua última jornada, terão alcançado, sem dúvida, o seu objetivo: o Caio Martins provou que é um equipamento esportivo de última classe. E um objeto urbano deplorável. É melhor fazer um equipamento de nível olímpico em outro lugar que não a quadra mais valorizada da cidade. 

Como ninguém, nas esferas decisórias, parece interessado que as coisas sejam diferentes, eu tiro a conclusão que algo importante deve estar  para acontecer.

2021-10-09