quarta-feira, 4 de julho de 2007

Cinco notas assistemáticas sobre as operações urbanas (nov 2001)

Por Pedro Jorgensen Jr

Publicado em ABRAMO, Pedro (Org.), Cidades em Transformação: Entre o Plano e o Mercado – Experiências internacionais de gestão do solo urbano. Observatório Imobiliário e de Políticas do Solo, 2001

1. Diversas acepções do termo operação urbana

Operação urbana é uma expressão que, no urbanismo atual, parece se referir a gêneros de ação urbanística que, embora conexos, podem diferir consideravelmente dependendo do lugar, da circunstância e do expositor. Para facilitar a comunicação, enuncio o meu “mapa” particular das acepções deste termo. Considero-o, em todo caso, um quadro provisório, a ser precisado à medida que a discussão e a prática profissional o enriqueçam com novos dados.

Para alguns profissionais, em geral céticos quanto à real especificidade de certas intervenções urbanísticas contemporâneas, o termo operação urbana tem uma conotação meramente genéricadesignando qualquer intervenção pública urbanizadora. Nesse caso, operação urbana tanto pode designar a implantação de um novo bairro residencial quanto a construção de uma nova via expressa ou a urbanização de uma favela; a transformação funcional de um centro histórico ou uma obra de requalificação arquitetônica numa avenida comercial. Nesse sentido, operação urbana aparece como sinônimo genérico de projeto urbano.

Há quem considere, porém, e eu me coloco entre esses, que é válido, ou pelo menos transitoriamente útil, considerar a operação urbana como um tipo especial de intervenção urbanística que envolve, simultânea ou alternativamente, (1) a combinação de capital de investimento público e privado, (2) o redesenho da estrutura fundiária, (3) a apropriação e manejo (transação) dos direitos de uso e edificabilidade do solo e das obrigações privadas de urbanização e (4) a apropriação e manejo das externalidades positivas e negativas da intervenção. Essas operações precisam ser comandadas como projeto (por oposição a atividade), para o que, além de dispositivos normativos especiais, o setor público necessita lançar mão de dispositivos gerenciais adequados (empresa pública, empresa de economia mista, escritório técnico, grupo executivo etc), diferenciados da administração urbanística corrente. Essas operações-projeto diferem radicalmente da obra pública em termos de tempo de maturação, grau de incerteza quanto aos resultados, natureza do plano, prazo e conceituação da execução, organização gerencial, metodologia de avaliação de resultados etc.

Mas o termo operação urbana se refere também à aplicação de uma classe específica de instrumentos normativos, de cunho  “modernizador”, que propiciam a flexibilização ou manejo, mais ou menos controlado e limitado a uma região urbana ou a circunstâncias determinadas, dos parâmetros urbanísticos vigentes, com vistas à consecução de certos objetivos pretendidos. Este tipo de operação está mais afeto à administração corrente, embora necessite de uma certa dose de coordenação gerencial e monitoramento. Por isto, parece-me adequado aplicar a este campo das operações urbanas, às vezes dito dos instrumentos urbanísticos onerosos, o termo urbanismo operativo.

Vale a pena registrar também a existência, pessoalmente observada no caso do Rio de Janeiro, de uma categoria de urbanismo operativo que não está nos livros nem se apóia na vigência de nenhum dos modernos instrumentos urbanísticos onerosos, mas que decorre de “fragmentos onerosos” existentes (explícitos ou implícitos) na legislação comum. Vicejando à sombra do aparente automatismo da aplicação do zoneamento clássico, a ponto de ser virtualmente desconhecida ou ignorada até bem pouco pelas organizações de planejamento, essa “carteira de obrigações e contrapartidas urbanísticas” exigidas nas licenças constitui uma razoável massa de recursos que vêm sendo geridos, caso a caso, por meio dos próprios processos de licença de construção e de uma arcaica estrutura cartorial de “termos” e “certidões”. São as doações de servidões de recuo determinadas em projetos de alinhamento; obras diversas de infraestrutura e urbanização para dar acesso aos lotes; doações de lotes e construção de escolas, todas elas obrigações assistemáticas, “pulverizadas” na complexa legislação vigente na cidade.

Em resumo, eu poderia sugerir uma forma generalizada de definir a operação urbana: trata-se do vasto e crescente campo de ações urbanísticas complexas que transitam entre os tradicionais mecanismos legislação-licença (ações urbanísticas de execução indireta) e desapropriação-obra pública (ações urbanísticas de execução direta). São as ações urbanísticas de execução combinada (fig 1).



2. Os instrumentos operativos, o Plano Diretor Decenal do Rio de Janeiro e o “Estatuto da Cidade”

O Urbanismo é legalmente regido, na cidade do Rio de Janeiro, pelo Plano Diretor Decenal de 1992, cuja elaboração resulta de exigência constitucional para toda cidade de mais de 20.000 habitantes. O Plano Diretor, que devido às especiais circunstâncias históricas de sua elaboração é muito mais uma Constituição urbanística do que um plano urbanístico propriamente dito (cuja efetiva elaboração é remetida aos Projetos de Estruturação Urbana —PEUs— de alcance sub-regional), tem como uma de suas principais inovações a proposição de novos instrumentos de natureza operativa e finalidade redistributiva, apoiados todos no conceito de função social da propriedade: o solo criado[1] e a operação interligada[2] admitem a venda de edificabilidades e usos, destinando-se os recursos arrecadados ao Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano para fins de aplicação em urbanização de caráter social. Também redistributivo é o imposto territorial e predial progressivo no tempo[3]. Por fim, o Plano Diretor  propõe a urbanização consorciada (Art. 30), a ser utilizada em “empreendimentos conjuntos da iniciativa privada e dos poderes públicos, (...) visando a integração de competências e recursos na execução de projetos comuns”. Essas proposições do Plano Diretor exprimem, à sua maneira, o conteúdo democratizante e modernizador do movimento pela Constituinte que lhe deu o marco político, já há mais de uma década.

Porém, a não elaboração posterior da maioria dos PEUs e, sobretudo, a não regulamentação da quase totalidade desses instrumentos parecem exprimir os limites políticos do impulso Constituinte sobre a gestão da cidade, dificultando enormemente a iniciativa pública na geração de projetos urbanizadores.

Dentre todos os instrumentos operativos mencionados no Plano Diretor Decenal, o único que está regulamentado e em vigor da cidade do Rio de Janeiro é  a Operação Interligada. Sintomaticamente, a Operação Interaligada é também o único dentre os instrumentos onerosos que só tem interesse finalístico para o empreendedor individual. Pela via da aquisição de direitos edilícios, este tem a opção de buscar melhor rendimento para o seu investimento. Essencialmente pontual e privatista e  destituída de objetivos urbanísticos precípuos, estando apenas subordinada à análise de eventuais “impactos negativos” do projeto, a Operação Interligada tem como serventia exclusiva, para o setor público, o ingresso de recursos no Fundo Muncipal de Desenvolvimento Urbano.

A Operação Interligada é a aplicação pontual do princípio redistributivo e gerencial previsto na outorga onerosa (ver adiante o Estatuto da Cidade), sem os marcos gerenciais nem as pré-condições políticas que lhe dariam a possibilidade de materializar a função social da propriedade: objetivos urbanísticos, critérios técnicos e controle social claramente delimitados. A Operação Interligada poderia, eu creio, ser redesenhada para se tornar um recurso ao mesmo tempo urbanístico e econômico, junto e em associação com os demais instrumentos operativos previstos no Plano Diretor.

O urbanismo carioca ainda consiste, em consequência, de um rígido esquema zoneamento-licenciamento, regido por um quebra-cabeças normativo cujas peças são oriundas de diversas épocas, planos, conjunturas políticas e técnicas urbanísticas. É este quebra-cabeças, e não o Plano Diretor “Constituinte”, que representa entre nós o Plano Urbanístico propriamente dito. Desprovido dos instrumentos operativos e redistributivos criados no Plano Diretor mas nunca regulamentados, nosso urbanismo vive, por outro lado, uma profunda crise de identidade e de perspectivas diante da inadequação crônica dos “planos-zoneamento”, da imprevisibilidade do mercado e do aumento da desigualdade social, cenário que é agravado pela crise de legitimidade (informalidade e ilegalidade massiva e em todos os segmentos sociais) das organizações de Estado.

No Plano nacional, a realidade é parecida. O Estatuto da Cidade (Projeto de Lei 5788-C de 1990), que propõe regulamentar o Capítulo da Política Urbana da Constituição Federal de 1988, há dez anos tramita  no Congresso Nacional. Também no Estatuto da Cidade os instrumentos urbanísticos operativos têm lugar de destaque ao lado dos instrumentos de política social: o parcelamento, edificação e utilização compulsórios[4], o direito de superfície[5], o direito de preempção[6], a outorga onerosa[7]. A despeito da situação diferenciada no País e de importantes incursões de algumas cidades no campo do urbanismo operativo (operações urbanas em São Paulo, leilões de índices em Porto Alegre e outros), o urbanismo brasileiro ainda vive sob o exclusivismo do paradigma do zoneamento clássico definido no Plano Diretor de Urbanismo, enriquecido com as “áreas especiais” de proteção social, ambiental, cultural, arquitetônica etc, de meados da década de 80.

3. Plano Diretor e obra pública

Durante a maior parte da segunda metade deste século, foi uma idéia bastante difundida no urbanismo brasileiro que a (trans)formação do ambiente urbano poderia ser justa e eficazmente ordenada com o concurso exclusivo da legislação de uso e ocupação do solo, formulada segundo as diretrizes do Plano Diretor.

Com a não regulamentação dos instrumentos operativos previstos no Plano Diretor e a inoperância jurídico-política de suas “diretrizes” e “sistemas de planejamento”, o desenvolvimento urbanístico ficou a cargo do mosaico de leis de uso e ocupação do solo, a maioria na forma de zoneamentos pré-existentes. E como a regulamentação urbanística diz respeito aos direitos de aproveitamento das terras privadas, resta ao espaço público, por exclusão, o papel de “locus” da obra pública —a infraestrutura básica, as redes de serviços e, de modo especial, as infraestruturas “do desenvolvimento urbano”, quase sempre de transportes (elevados, túneis, metrô). As obras públicas aparecem, no Plano Diretor, como objetivos a serem deduzidos das diretrizes de controle urbanístico fixadas em seus artigos e parágrafos. Ora, o  Plano Diretor que regula os direitos de aproveitamento da terra privada mas não regula os investimentos públicos em infraestrutura cumpre apenas metade de sua missão auto-designada: o desenvolvimento urbano.

E no entanto, a infraestrutura é o traço fundamental da cultura desenvolvimentista, que na cidade do pós-guerra aparece antes de tudo como pré-condição da produção e do consumo de bens da indústria da construção civil. Nas décadas de 1980 e 1990, a economia de serviços faz retornar ao núcleo consolidado da cidade a demanda por infraestruturas de produção em sentido amplo, na forma de meios de comunicação telemática e qualificação arquitetônica, ambiental e cultural intervenientes no “valor de imagem” das empresas.

Uma consequência da fratura histórica legislação X obras públicas é o efeito descrito por Oriol Bohigas em sua crítica ao método do “Plano Geral de Ordenamento”:

Para esses projetos e realizações, é fundamental quebrar a velha e contraproducente dicotomia entre Urbanismo e Obras Públicas que deu um tom esquizofrênico às nossas cidades. Enquanto os urbanistas analisavam e planificavam, tentando inventar uma nova maneira de atuar na cidade, os técnicos de Obras Públicas davam continuidade à saudável tradição de construí-la de fato, mas já sem uma visão integral ¾que parecia adscrita às preocupações algo etéreas do urbanista¾, quando não fragmentando o projeto em trâmites de pavimentação, iluminação e esgotamento sanitário ou considerando unilateralmente as novas tecnologias da circulação. Trata-se agora, portanto, de fazer Urbanismo com os instrumentos da Obra Pública, isto é,  um urbanismo que repouse sobre os projetos de urbanização[8].

A qualidade do ambiente urbano resultaria muito mais das infraestrutruturas e equipamentos públicos do que dos condicionantes à edificação privada. É um ponto de vista respeitável e em todo caso oposto àquele que considera que “o principal desenhista urbano é a legislação”.

Mas o que há de mais significativo nesta fratura histórica apontada por Oriol Bohigas é, talvez, o fato de  que a criação de infraestrutura para o desenvolvimento urbano cristalizou-se, ao longo de décadas, como a única relação possível e necessária entre a legislação urbanística e a obra pública. E esta relação não é absolutamente rompida, é antes reafirmada em bases mais atuais (o foco passa da infraestrutura para a qualificação arquitetônica), pela proposta de “fazer Urbanismo com os instrumentos da Obra Pública”. O capital privado executa, com recursos privados, obras pontuais aprovadas pelo urbanismo público, que apenas legisla e licencia, à luz de critérios de uso e ocupação do solo. O capital público, por sua vez, segue executando obras públicas com recursos exclusivamente públicos (do Tesouro ou de capital de empréstimo), no espaço público pré-existente ou formado por desapropriacão direta (compulsória), com a finalidade de criar condições gerais de produção e consumo dos bens urbanos, pelas quais o investidor em bens urbanos nada paga.

Contraditoriamente, na fase da economia de mercado “estatizada” que vivemos desde o segundo pós-guerra, o urbanismo foi incapaz de articular, ou impor, na realização da obra pública, qualquer espécie de combinação do investimento público com os capitais privados direta ou indiretamente beneficiados. O urbanismo da época da economia “relativamente dirigida” dirigiu muito pouco. A obra pública é que foi guiada pela necessidade da “infraestrutura para o desenvolvimento”, ali onde determinava o mercado. E assim segue sendo, ao que parece.

À margem do planejamento e da execução da obra pública, e desinteressado da captação de economias de urbanização nas licenças de obras privadas, a administração urbanística excluiu-se do processo de gestão da cidade em contínua construção. O urbanismo passou a viver da exegese dos usos e ocupações adequados, “autisticamente” à margem da economia de mercado, na sociedade de mercado. Afogado num oceano de regras funcionalistas que foram se estendendo além do limite do compreensível e do administrável, o urbanismo não foi capaz de compreender e abordar praticamente o problema da apropriação privada do investimento público, bem como o seu reverso, a externalidade pública do investimento privado.

O urbanismo exclusivamente regulatório dos anos 50-80 não considerou relevante aprender a avaliar e transacionar. E por sua vez, o urbanismo “feito com os instrumentos da obra pública” parece ser uma resposta excessivamente unilateral e pouco realista na época da crise financeira do Estado, em especial nos países pesadamente endividados como o nosso. É justamente na época do novo liberalismo econômico dos anos 1990-2000 que o urbanismo, movido pela absoluta escassez de recursos públicos, é chamado a intervir “pró-ativamente” para extrair recursos do mercado privado — imobiliário, de infraestruturas e de equipamentos urbanos.


4. O urbanismo racional-funcionalista e a cidade-mercadoria


A regulação urbanística que vive à margem da economia de mercado na sociedade de mercado é uma contradição que parece deitar suas raízes na natureza social da cultura racional-funcionalista em urbanismo.

Segundo Hall, “o próprio Corbusier, cada vez mais frustrado por não conseguir implementar seus planos, começou a pedir um autocrata como Luís XIV ou Napoleão III que tivesse a audácia de executar suas idéias”.[9] A grande operação urbana modernista foi imaginada para um Estado “modernista” ideal subjacente: o Estado capitalista que detém o monopólio dos meios de produção da cidade e é dirigido por algum tipo de mecenas ou autocrata desenvolvimentista. Eis a equação básica da construção de Brasília, provavelmente a maior “operação urbana” latu sensu da era moderna. A operação urbana do urbanismo modernista é, por definição, a (re)construção da cidade inteira. O urbanista modernista não transaciona nada: recebe o terreno pronto, e os insumos construtivos, para executar o seu projeto de cidade.

O urbanismo exclusivamente regulatório, paradoxalmente, guarda com esta tradicão racional-funcionalista uma relação essencial: a cidade funcional é um complexo de usos e não um complexo de usos e valores. Dito de outra forma, a cidade modernista é concebida exclusivamente segundo os valores de uso que convêm à imaginação do arquiteto-demiurgo do novo modo de vida; é uma cidade sem mercado ou onde o mercado não abarca os bens e serviços urbanos, ou ainda, onde o mercado é um remanescente de uma época em vias de superação em favor de relações mais humanas formadas em novas cidades construídas no seio de uma economia de natureza não explicitada.

A cidade do urbanismo dos zoneamentos também é uma cidade sem mercado em que só os usos contam. E no entanto a transformação dos usos, produto mágico de forças que parecem estranhas à prática do urbanismo, é o que precisa ser inventariado regularmente “para não deixar o plano muito longe da realidade”. Esse método, bem entendido, não é uma aplicação do vanguardismo modernista, mas um eco distante e mal traduzido da cultura que o concebeu. Nós, urbanistas formados na escola racional-funcionalista, não aprendemos desde cedo a fazer contas, só a dispor os usos e as funções. Lamentavelmente, temos de aprendê-lo tardiamente, gostemos ou não, o que leva mais tempo e exige mais força de vontade.

5. Obras públicas e operações urbanas

Consideremos, para ilustrar o tema, a construção, no Rio de Janeiro, do elevado da Perimetral e do Metrô no período 1960-1970, e mais tarde da Linha Vermelha e Linha Amarela nas décadas 1980-1990. Apesar de separadas entre si por vinte anos e uma redemocratização política, essas infraestruturas de transporte tiveram sua implantação definidas e voltadas para dentro de si mesmas, guardando a característica essencial da obra pública tradicional: passam pela cidade existente a caminho de cumprir sua missão precípua “desenvolvimentista”. Nenhuma externalidade foi explorada nos projetos: nenhuma urbanização lindeira, nenhum estoque de terras para finalidades urbanísticas e financeiras, nenhuma sinergia de produtos e serviços urbanos.

O elevado da Perimetral promoveu a virtual destruição do núcleo histórico-ambiental da Praça XV (que hoje a municipalidade vai recuperando a duras penas e custos consideráveis) para dar acesso e valorização rápida à Zona Sul. O Aterro do Flamengo (Via Parque), sob este ponto de vista, é uma intervenção muito mais bem sucedida por tratar-se de um “equipamento multifuncional” que propicia ao setor público, até hoje, a geração de novos recursos e serviços urbanos.

Já a Linha 2 do Metrô do Rio, construída em superfície em plena era do automóvel, constitui uma verdadeira “Muralha da China” que corta a região dos subúrbios em duas metades incomunicáveis. Ao bloquear o surgimento de economias de urbanização e de aglomeração na região servida, em especial aquelas propiciadas pelo entroncamento de rotas de movimentação urbana (especialmente as rotas de transporte público por ônibus), a Linha 2 matou, na origem, parte de seu próprio potencial de prestação de serviços e de auto-financiamento. Não bastasse, o Metrô produziu a mais longa e problemática gestão de remanescentes de que se tem notícia, além de uma boa quantidade de equívocos urbanísticos menores.  Hoje, o Metrô pensa em realizar operações urbanas localizadas (estações em edifícios comerciais) para viabilizar financeiramente a sua expansão.

As novas vias expressas do Rio de Janeiro (Linha Vermelha e Linha Amarela), em especial, valorizaram o patrimônio imobiliário das regiões de maior lucratividade (Zona Sul, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Ilha do Governador (Aeroporto Internacional), deixando um rastro de problemas de fragmentação do tecido urbano, gestão penosa de remanescentes e importantes perdas de oportunidade de geração de externalidades urbanizadoras positivas ali onde elas eram mais necessárias. Foi preciso um forte empenho dos  técnicos da Secretaria de Urbanismo para que a Linha Amarela flexibilizasse o conceito Via expressa Barra-Aeroporto e pudesse ser meio de acessibilidade para a região suburbana. E hoje, por ela, circulam mais veículos na comunicação intra-suburbana do que na praça de pedágio (Subúrbio/Barra da Tijuca).

Ressalvado o aspecto financiamento parcial via cobrança de pedágio (caso da Linha Amarela), nessas obras de infraestrutura urbana a única avaliação foi a dos custos de construção e a única transação foram as clássicas desapropriações compulsórias. Nas Linhas Vermelha e Amarela nem os transportes públicos tiveram lugar.

Todas essas extraordinárias obras de engenharia pública são dificilmente classificáveis como operações urbanas no sentido moderno. São intervenções urbanísticas que só podem ser chamadas de operações no sentido de manifestação do bisturi urbanístico. Uma interessante linha de pesquisa acerca da relevância do conceito de operação urbana aplicado às obras públicas seria produzir o balanço das respectivas economias /deseconomias urbanas por elas geradas.

As obras públicas tendem a aparecer como eficientes ou ineficientes em função da prestação do serviço para o qual foram precipuamente destinadas. Mas num quadro de deficit crônico de infraestruturas e serviços, qualquer projeto se auto-justifica pelo seu rendimento imediato. O conceito de operação urbana não recomenda, no entanto, que o investimento em equipamento ou infraestrutura pública seja avaliado como se avalia uma lavanderia automática, e isto devido à natureza mesma da cidade. Na cidade, o potencial de externalidades de uma inversão de capital é tão rico e denso que deveria tornar a sua estimação um dado vital para a avaliação do desempenho do projeto. A cidade, desde o ponto de vista sócio-econômico, pode ser descrita como o capital social total materializado em bens, equipamentos e serviços que se valorizam (ou desvalorizam) reciprocamente sobre o terreno, ao longo do tempo, gerando também valores “intangíveis”. A cidade é, portanto, o “reino da externalidade”. E o manejo dos dados do projeto e de seu potencial de externalidades é, por sua vez, o território e o objeto das operações urbanas.


Notas

[1] O Art. 23 fixa para todo o município o coeficiente de aproveitamento 1,0 sendo pago o direito de construir excedentes.
[2] O Art. 28 permite a alteração dos parâmetros vigentes mediante pagamento de contrapartida por parte dos interessados.

[3] O imposto progressivo (Art. 33) incide sobre imóveis situados em determinadas áreas que não cumpram a função social da propriedade, excetuando-se os terrrenos de até 250m2 cujos proprietários não possuam outro imóvel.

[4] O Art. 5 diz que Lei Municipal específica para área definida no Plano Diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

[5] O Art. 21 diz que o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície de seu terreno, por tem;po determinado ou indeterminado, mediante escritura pública (...) abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo (...) na forma estabelecida  no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

[6] O Art. 25. confere ao Poder Público municipal preferência para a aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, em áreas delimitadas e com prazos de vigência fixados.

[7] O Art. 28. diz que o Plano Diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

[8] Bohigas, Oriol. “Por Uma Outra Urbanidade”. Mimeo

[9] Hall, Peter, 1992. Urban and Regional Planning. Routledge, Londres, p. 58