quinta-feira, 19 de abril de 2012

O IPTU mais caro do Brasil: problema ou parte da solução?

Clique nos gráficos para ampliar; aperte esc para retornar. Todos os gráficos foram processados pelo autor com dados do FINBRA e IBGE-Cidades 

Dentre todas as capitais brasileiras (fora Brasília) e municípios com mais de 500 mil habitantes, Niterói, ex-capital e próxima da lista em população, era até 2010 a segunda em domicílios com rendimento familiar acima de 5SM, a primeira em IDH e a primeira em… receita de IPTU por habitante!

Sim, leitores, como vocês poderão constatar nos gráficos anexos a essa postagem, Niterói recolheu R$371,46 per capita em IPTU no ano de 2010, valor de que somente São Paulo se aproxima e que é maior do que o praticado nas cidades do sul do país.

 


Dadas, porém, as as altas taxas de imóveis informais entre as camadas de menor rendimento, em geral não sujeitos à cobrança de IPTU, o gráfico abaixo é uma representação mais fidedigna da realidade. Nela, Niterói ainda ocupa um mais do que surpreendente segundo lugar.






Não tenho a menor dúvida de que o IPTU de Niterói é muito mal aplicado. No meu bairro há uma “subsede” do serviço de limpeza urbana e garis que parecem exclusivos de cada rua, a quem regularmente me ocorre perguntar: “No bairro onde você mora também tem alguém varrendo e limpando o tempo todo? Alguma equipe permanente saneando, pavimentando, iluminando e arborizando? Tem escola pública e posto de saúde?”

E nem precisamos ir tão longe. Basta um passeio à Zona Norte da cidade, ao tradicional bairro do Barreto, na divisa com S. Gonçalo, ou mesmo no Cubango, aqui pertinho de casa, para perceber o sentido expressão inglesa “the wrong side of the tracks”.

Antes que nos esqueçamos, quero lembrar que a compra do Cinema Icaraí por 17,5 milhões de reais (segundo O Fluminense), outra aplicação para lá de duvidosa do nosso IPTU (e do nosso Imposto de Renda, também, porque o MEC foi sócio da operação), até agora não foi esclarecida. A fachada do cinema segue cercada por um tapume de alumínio e o relatório de avaliação oculto atrás de uma cortina de silêncio. Na época, anunciou-se que o Ministério Público pensava em intervir. Na imprensa e no facebook foi dito, por gente mais bem informada do que eu, que a Caixa avaliara o imóvel em R$ 6,5 milhões. Na postagem “17 milhões por um cinema tombado? II” (ver e acessar na coluna da esquerda), o leitor encontrará uma sugestão minha de qual teria sido o princípio avaliatório (inaplicável ao caso, por se tratar de um bem tombado) usado para se chegar aos 17,5 milhões - jubilosamente recebidos, decerto, pelo proprietário do imóvel. 

Pois bem. Ainda que mal aplicado, o IPTU de Niterói não deve, a meu juízo, ser reduzido. Não quero dizer, bem entendido, que não deva ser marcado sob pressão e rigorosamente criticado pelos niteroienses. Mesmo não sendo especialista em gestão de IPTU, tenho razoável noção das dificuldades de se construir um sistema eficaz do ponto de vista administrativo e, sobretudo, consistente do ponto de vista fiscal – vale dizer, que facilite o acesso à terra para todas as camadas sociais, a começar pelas de menor rendimento. Mas sei que é possível - com qualificação profissional, um correto entendimento do seu papel na determinação do preço da terra e - não há que duvidar - muita persistência, debate público e disposição de enfrentar os beneficiários das rendas fundiárias. 

Meus estudos de política de solo me ensinaram que o IPTU é um imposto diferente dos demais – porque a terra em geral, e o solo urbano em particular, é uma mercadoria de tipo muito particular. (Recomendo a leitura de meus artigos “A braços com as peculiaridades da mercadoria terra urbanas” e “O mercado imobiliário e a formação dos preços do solo”, que se podem encontrar e acessar na coluna da esquerda deste blog.)

A escassez constitutiva da mercadoria solo urbano implica que seu uso é cedido, sob aluguel ou venda, sempre pela maior oferta de renda disponível no mercado, geralmente o limite da capacidade de pagamento-endividamento dos candidatos a ocupantes. A “maior oferta de renda” por uma localização ubana – que vem de braço dado com o valor da benfeitoria nela ancorada – é o somatório dos valores que se têm de pagar pelo direito de ocupar o solo (físico ou fração ideal) embutidos na entrada, nas parcelas intermediárias, no imposto de transmissão, no financiamento imobiliário e… no IPTU!

A conclusão é: o acesso ao solo urbano absorve, regra geral, a totalidade da renda ofertável, qualquer que seja a sua repartição em preço pago ao proprietário e impostos sobre a propriedade. Por isso, tudo o que a coletividade (município, governo federal) deixa de cobrar à renda da terra na forma de impostos (Transmissão, IPTU) vai parar no bolso do proprietário como valor do aluguel ou preço de venda!

E isso não é “teoria” – é bastante perceptível, até no plano pessoal. Eu penso só ter podido comprar o apartamento onde moro desde 2009, numa área razoavelmente valorizada de Santa Rosa, Niterói (m2 privativo em novos lançamentos por R$5.500,o0), porque o elevado IPTU da cidade colocou o preço do imóvel ao meu alcance.

Explico-me: se o IPTU fosse mais barato, digamos, a metade, o teto de financiamento para todos os demandantes daquele produto-localização seria elevado - e com ele o preço do imóvel - em montante equivalente à capitalização a longo prazo de seu componente “solo” (por oposição a "benfeitoria"). Isso excluiria a mim e a todos os que, devido à idade, só alcançassem financiamento a 25 anos ou prazo menor. Se o imóvel custasse 20-25 mil reais a mais, acrescido do aumento proporcional do ITBI, eu não poderia comprá-lo com a soma de minha poupança e minha capacidade de endividamento no mercado bancário. Vale dizer, o IPTU elevado colocou-me na disputa, onde pude exercer a vantagem de que dispunha: liquidez a curtíssimo prazo. 

É isso mesmo, leitor: em se tratando de solo (que nas grandes cidades pode ser a parte do leão do valor de um bem imobiliário), maior IPTU significa, inapelavelmente, menor preço! A renda total paga será a mesma, mas o IPTU financia uma parte dela a longo prazo – e o que é mais importante – recolhida aos cofres públicos. Quanto maior for a parte da renda da terra cobrada pela coletividade via IPTU, menor será a parte embolsada pelo proprietário via preço (ou aluguel) do imóvel.

Dou outro interessante exemplo, tirado também de uma experiência familiar recente. Imagine o leitor que, num conjunto habitacional localizado perto do litoral, dois apartamentos idênticos em dois blocos contíguos são colocados à venda depois de avaliados, ambos, por R$400.000.

Verificando-se a papelada, descobre-se que um deles, que chamaremos “B”, o mais próximo ao litoral, está em área de marinha e sujeito, portanto, ao pagamento, ao Tesouro da União, de 5% do valor da transação a título de laudêmio. A pergunta é: quais os preços de transação prováveis desses dois apartamentos?

A julgar pela recorrente choradeira dos incorporadores a propósito da Outorga Onerosa do Direito de Construir (“Nããoo, a Outorga Onerosa encarece o produto imobiliário!”), deveríamos concluir que o laudêmio “encareceu” o imóvel B em R$20.000.00. Mas depois de muito tentar, o proprietário do imóvel B é obrigado a admitir que o avaliador estava certo: a máxima oferta do mercado pelo imóvel é R$400.000,00. Ele será obrigado, portanto, a arcar com o laudêmio, apurando na venda os restantes R$380.000,00.

Se, por fortuna, o proprietário de B conseguisse vendê-lo por R$420.000,00, isto apenas significaria que o avaliador estava errado em ambos os casos. O proprietário de A deveria, nesse caso, pedir de volta o dinheiro pago ao avaliador e recolocar seu imóvel no mercado pelos R$420.000 ofertados a proprietário de B.

Neste exemplo, o laudêmio de R$20.000 funciona como um IPTU federal capitalizado a valor presente! O laudêmio não “encarece” o imóvel: ele apenas destina ao Tesouro da União uma parte da maior oferta de renda disponível no mercado por um dado produto-localização – no caso, um apartamento de 2 quartos em área de marinha do bairro “x”. E por não ser financiável, ele implica necessariamente uma redução de igual valor no máximo preço que o vendedor poderá conseguir pelo imóvel no mercado.

E os pobres? – há de perguntar, muito apropriadamente, o leitor. Os pobres podem pagar IPTU?

Eu respondo – prometendo voltar ao assunto com mais vagar - com outra pergunta: será exato dizer que os pobres “economizam” em IPTU por não serem cobrados pela prefeitura? As pesquisas de valores imobiliários nas favelas costumam mostrar que, quanto menor o rendimento e maior a informalidade, maior a proporção do rendimento familiar absorvido pela moradia. Por quê?

Porque o efeito da escassez constitutiva da mercadoria solo urbano nas favelas é não apenas da mesma natureza que na cidade formal como muito mais constrangedor e inapelável por serem menores os rendimentos e, portanto, a margem de manobra orçamentária das famílias. A dura realidade do mercado imobiliário nas comunidades informais é que tudo o que o morador informal poupa em IPTU (e em “gatos” de água e energia) tende a ser capturado pelo locador informal de moradias e pequenos negócios. Em resumo: o que o pobre informal não paga de IPTU gasta em aluguel. E, ainda por cima, fica sem serviços e marginalizado dos direitos cidadãos.

Voltaremos oportunamente a este assunto falando de como esse efeito se manifesta no mercado informal de lotes periféricos.

Por isso, leitor, eu insisto. Por pior que possa ser a sua administração e utilização, o IPTU de Niterói é um sinal de civilidade tanto quanto o nosso IDH, o nosso índice de Gini e a nossa média de renda domiciliar - independentemente de como e porque isto tenha acontecido. 


Não ousaria dizer que o baixo valor do IPTU está na raiz dos níveis mais altos de pobreza existentes nas capitais do Norte-Nordeste brasileiro, mas não tenho a menor dúvida de afirmar que ele é parte importante de uma cultura parasitária que tem como seu mais precioso princípio o sagrado direito do proprietário da terra à totalidade da renda que ela possa gerar. 


Qualquer similaridade entre a importância relativa do IPTU e o nível geral de riqueza observáveis à escala do mundo e internamente aos países não é mera coincidência. Em qualquer lugar do planeta, a taxação substancial da renda da terra urbana é - ou foi, em outras épocas, lugares e circunstâncias - uma pré-condição da distribuição sustentável da riqueza.


2012-04-19


sábado, 14 de abril de 2012

O planejamento olímpico e a revolução dos transportes

Deu no clipping ADEMI 
09-04-2012, por Isabela Bastos/O Globo, 08-04

Corredor expresso da mudança

Uma obra bilionária, com 29 estações, quatro terminais rodoviários, oito novos viadutos e ampliações em 11 pontes. O BRT Transbrasil - corredor expresso de ônibus entre Deodoro e o Aeroporto Santos Dumont (..) que a prefeitura espera colocar em operação até dezembro de 2015, terá 37km.

(..) O trajeto definitivo, ao qual O GLOBO teve acesso, foi escolhido em março. Incluído no pacote de investimentos das Olimpíadas de 2016, o corredor partirá de Deodoro e passará pelas pistas centrais das avenidas Brasil, Francisco Bicalho e Presidente Vargas. Já no Centro, o trajeto seguirá pela Rua Primeiro de Março e pela Avenida Presidente Antônio Carlos, chegando ao Santos Dumont. (..)



Parece uma boa notícia. Uma excelente notícia até.

E, antes que eu me esqueça, ainda bem que o O Globo tem acesso privilegiado aos projetos do governo. Pelo menos  a gente fica sabendo...

A implantação dos sistemas de BRTs no Rio de Janeiro está pelo 30 anos atrasada e até as pedras sabem a razão: o papel histórico do sindicato das empresas de ônibus da cidade como obstáculo ao desenvolvimento dos transportes urbanos. Trazido ao Rio pelo então governador Leonel Brizola, o urbanista Jaime Lerner foi defenestrado antes de poder implantar o seu BRT curitibano no mais cobiçado dentre todos os corredores de transporte da cidade: o Leblon-Copacabana-Praça XV, jóia da coroa dos permissionários de linhas de ônibus.

Expulso do Rio, o BRT foi, no entanto, bem acolhido em Bogotá, onde lhe deram o simpático apodo de “Transmilênio”. Dez anos depois da virada do milênio, ei-lo de volta à Cidade Maravilhosa.  

Mas ainda não é desta vez que o BRT chegará a Copacabana. A Zona Sul precisa subir um degrau, digo, uma letra. Por enquanto, terá de se contentar com o BRS. Graças, porém, à Copa do Mundo e à Olimpíada de 2016, não faltarão BRTs em novos corredores de transporte da cidade: durante certo tempo só se falou de Transcarioca, Transoeste e Transolímpica; agora, a menina os olhos é o Transbrasil, que irá de Deodoro até o Aeroporto Santos Dumont (exigência do dono da marca?) passando por uma laje de 550m sobre o Canal do Mangue e um mergulhão de 400m sob as avenidas Beira-Mar e General Justo. Justíssimo.

Tudo isto parece querer dizer - admitamos – que César Maia estava certo desde 1994: o motor do desenvolvimento urbano nas metrópoles emergentes... é a indústria dos grande eventos planetários. Não nos garante a propaganda oficial que é a Olimpíada que está promovendo a Revolução dos Transportes do Rio de Janeiro? 

Leia o leitor por si mesmo no portal Cidade Olímpica do saite da prefeitura do Rio de Janeiro, [1] uma orgiástica peça de propaganda de obras de engenharia que faria corar de vergonha o editor da Manchete da época do Brasil Grande.

[Frustrado com o descaso do público pela conquista do Pan 2007, César tentou celebrar a si próprio com o Museu Guggenheim do Pier Mauá. Repelido, foi acalentar seu ostracismo na ciclópica caixa de sapato avant-garde que mandou erguer no Cebolão da Barra da Tijuca, conhecida como Cidade da Música, de onde assiste,  impávido, ao desfile triunfal de seus antigos afilhados e detratores sob o Arco Olímpico que ele concebeuJustíssimo seria, pois, substituir a estátua do Bellini pela de César, o Maia, na entrada do Maracanã, antes que algum aventureiro decida que o espaço pertence a Eike, o Grande.]

Mas onde está o pulo do gato, afinal?

Eu não sei ao certo, leitor. Não sou um sujeito bem-informado e, como certos árbitros de futebol, estou sempre longe do lance.  Mas tenho boa visão à distância e o mais importante, sou gato escaldado. Aqui vão algumas indagações. Quem quiser segui-las, eu recomendo uma vez mais a dica de Deep Throat: “Follow the money”.

A primeira lição da economia dos transportes é o problema crítico da “demanda de pico”, que impõe vultosos investimentos de capital em equipamentos que ficam ociosos a maior parte do dia, semana, mês ou ano, conforme o caso - o transporte pendular de passageiros entre a periferia e o centro das grandes cidades, o transporte aéreo nos meses de verão nos países ricos e... o transporte aéreo e terrestre em mega-eventos internacionais de curta duração!

Dizem  línguas bem-informadas que as mais recentes decisões em matéria de expansão do Metrô do Rio – a linearização da ligação Pavuna-Botafogo e a expansão da mesma linha (!) de Ipanema para a Barra – atendem não às necessidades do planejamento de transporte municipal e metropolitano, mas às necessidades financeiras da concessionária, que estaria cumprindo obrigações contratuais relativas à expansão do sistema cuidando de otimizar o carregamento – e que carregamento! - de suas composições.

De duas uma: ou o planejamento que preside a construção dos BRTs do Rio de Janeiro (aliás, em que órgão do governo municipal ele reside?) não tem, na verdade, nada a ver com a Olimpíada de 2016 ou está completamente equivocado.

Dá para acreditar que os fluxos previsíveis, ou mesmo uma geografia urbana desejada para a cidade segundo as perspectivas econômicas dos próximos 30 anos, são os mesmos, ou compartem os mesmos vetores, que os fluxos esperados nos 30 dias de Jogos Olímpicos?

Gastar bilhões em infraestruturas e sistemas de transportes com base no princípio de “preparar a cidade para as Olimpíadas” me parece uma rematada estupidez. Seria interessante fazer uma enquete sobre o tema entre os trabalhadores, sem excluir os empregados nas obras. Acho que nenhum deles construiria uma casa com 4 banheiros só porque gosta de receber a parentalha do interior que vem no Natal para tomar banho de mar e assistir ao foguetório de Copacabana.
  
Na verdade, esse risco está parcialmente encoberto e protegido pelo fato de  que, sendo tão grande o nosso atraso nessa matéria e tão aguda a nossa carência de meios de transporte de massa, dificilmente um sistema de BRT num grande corredor do Rio de Janeiro corre o risco de “micar”.

Salvo erros monstruosos de gestão pública – que, em se tratando do negócio olímpico, absolutamente não descarto – os novos BRTs do Rio de Janeiro não deverão “micar” pelo simples fato de que o desenvolvimento real da cidade a médio e longo prazo não está ancorado na Olimpíada nem na Copa do Mundo, mas no papel especial do Estado e da metrópole na economia petroleira do Brasil – planejamento, administração, prospecção, exploração, refino e... royalties na veia!

Pode-se ter uma noção superficial – mas bastante impactante – dessa realidade plotando num mapa os imensos novos edifícios de negócios da, ou alugados à, Petrobrás e suas subsidiárias no centro da cidade, ao redor dos quais gravitam, por sua vez, centenas, talvez milhares de prestadoras de serviços e negócios derivados. Esses não durarão 30 dias, mas 30 anos! De segunda a sexta, e sábados, domingos e feriados em alguns casos.

Se o motor desse desenvolvimento fossem as Olimpíadas e a Copa do Mundo, poderíamos começar a nos preocupar seriamente em como enfrentar os efeitos financeiros do sucateamento de sistemas de transporte e instalações esportivas superdimensionados (ou fora da realidade do nível de desenvolvimento do esporte brasileiro), além, é claro, em como pagar as dívidas do investimento cedido gratuitamente, ou quase, aos concessionários privados das instalações esportivas economicamente viáveis (desde que não imputados os custos de construção).

Não nos iludamos, porém. Em se tratando de sistemas de transporte de massa, não “micar” não é a mesma coisa que funcionar a contento, operar eficientemente, servir adequadamente à população, integrar-se corretamente aos demais meios e modos de transporte e ao tecido urbano  e, last but not least,  ajudar a equilibrar a estrutura urbana profundamente desigual que trazemos do passado. Os novos BRTs do Rio poderão, sim, fracassar se não servirem para “fechar” a malha rodo-ferroviária num conjunto verdadeiramente integrado de transportes urbanos. [Sou do tempo em que "transporte integrado" queria dizer entrar em um veículo num lugar da cidade, trocar de modo e sair em qualquer outro lugar pagando uma única tarifa básica.]

Onde está o plano de tudo isso? Por que três BRTS e uma expansão linear de Metrô, de uma só tacada, com foco na Barra da Tijuca? Que plano tem o governo para multiplicar as oportunidades de acesso à região central? À Praça XV? Cruz Vermelha? Praça Mauá? Catumbi? Rio Camprido? São Cristóvão? Benfica? Que modos e linhas estarão operacional e tarifariamente integrados no Centro da cidade? Como elas se integrarão ao transporte na Baía de Guanabara? Para onde vai a Rodoviária e como poderá ser acessada? Onde se decidem as obras e intervenções prioritárias na cidade e na Região Metropolitana? O que diz o Plano Diretor de desenvolvimento urbano sobre a Revolução Olímpica? Pobre democracia.

Eu não tenho nenhuma dúvida de que o planejamento urbano e de transportes públicos saído da cozinha das empreiteiras e concessionárias virá, fatalmente, cobrar o seu preço. Precedentes, inclusive recentes, abundam – o abandono da ligação de Metrô Estácio-Cruz Vermelha- Praça XV (onde há mais de 10 anos se dá o verdadeiro desenvolvimento de negócios do Centro do Rio), a expansão linear do Metrô até a Barra via Ipanema e Botafogo, o açambarcamento do transporte público na Baía de Guanabara pela Viação 1001, agora monopólio multi-modal da CCR. Mas o  mais novo e curioso exemplo vem da própria matéria que deu o mote a este artigo. Ela diz o seguinte:

“Implantados há poucos meses, o último deles em março, os corredores Bus Rapid Service (BRS) da Presidente Vargas, Primeiro de Março e Presidente Antônio Carlos serão substituídos pelo BRT. Segundo o secretário de Transportes, o BRS é uma solução provisória, que prepara o terreno para a implantação do corredor exclusivo, condicionando os motoristas à nova rotina. (Itálico meu)

Deixa ver se entendi: o BRS é provisório até a chegada do BRT como o Maracanã do Pan era provisório até a chegada do Maracanã da Copa, que por sua vez será provisório, assim como o Parque Aquático Maria Lenk, até a chegada do Maracanã Olímpico e do Parque Aquático Atol dos Tubarões.

Que magnífica lição de planejamento privado... do gasto público!

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14-04-2012

terça-feira, 10 de abril de 2012

Legado olímpico é a alegre empulhação das sociedades emergentes

Deu no Destak SP

Montagem: Àbeiradourbanismo
Sem uso, Ninho de Pássaro acumula prejuízo

“Quatro anos após os Jogos, o Ninho de Pássaro sofre com a falta de uso. Sem futebol e atletismo, o estádio já abrigou até rodeio e um parque temático de inverno. O governo [chinês] calcula que vai precisar de 30 anos para recuperar o investimento de R$ 1bilhão”


Muito já se falou sobre o legado da olimpíada de Atenas, que, fora os estádios vazios e as instalações sucateadas, deu uma substancial contribuição para a bancarrota do país, sob os auspícios da UE e seus bancos, principalmente franceses. Agradecidos pela generosidade dos banqueiros e clarividência dos governantes, os trabalhadores gregos vão pagar [quase tudo] com cortes voluntários em seus próprios empregos e salários e comemorar um ano inteiro com desfiles e fogueiras por toda Atenas.

Muito se tem falado também sobre o legado da Copa do Mundo da África do Sul: mais estádios vazios, instalações sucateadas e uma imensa dívida que, se não parece suficiente para uma passagem até o Hades grego, certamente contribuirá para aprofundar o apartheid sócio-econômico em que ainda se arrasta o país. Mas que importa, diria Bush, se nos bantustões já se pode até votar? 

Agora é a vez de Pequim, literalmente, “abrir o bico”. Se o que diz a matéria acima for verdade, a situação nem é tão ruim. Afinal, 30 anos para recuperar um investimento de 1 bilhão de reais parece até aceitável num horizonte de projeto público. Resta saber se um estádio de futebol poderá, de fato, retornar um investimento de R$ 1 bilhão com rodeios e parques temáticos sazonais. É melhor, nesse caso, os chineses acrescentarem Neymar e Michel Teló à sua pauta de importações brasileiras.

Um bilhão de reais é, também, quanto vai custar (fora os aditivos) a demolição-reconstrução do Maracanã. E para sermos minimamente honestos com a contabilidade pública, teríamos de agregar a essa conta o custo da reforma para o Pan-Americano de 2007 – devidamente transformada em pó. 

Tudo bem. Ninguém fará mesmo essa conta e, no final, Eike, o Grande, futuro concessionário do Brasil, poderá explorar à vontade o fabuloso legado olímpico e copal multi-uso, novinho em folha, oferecendo ao público rendosos espetáculos de rodeio, missas campais, ex-roqueiros em atividade, cultos evangélicos, campeonatos de curling e patinação no gelo, Galvão UFC Bueno e até comícios de Primeiro de Maio – porque não? –, além de futebol, é claro - sem ter investido um único tostão.

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Delícia... delícia... Ai, se eu te pego!

2012-04-10

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Caio Martins, o escoteiro-padrão do Brasil, vai servir ao esporte ou só vai levar a tocha olímpica? II

Faltam 4 anos e 3 meses para a Olimpíada do Rio de Janeiro e, a julgar pelo silêncio sepulcral a pairar sobre o destino do Conjunto Esportivo Caio Martins, só se pode chegar à conclusão de que os promotores e fiadores da Olimpíada brasileira – o COB e os governos municipais, estadual e federal – têm coisas mais importantes a tratar do que o único autêntico legado olímpico a ser deixado para Niterói, um plano de reforma e utilização do mais importante equipamento esportivo da cidade por seus escolares, secundaristas, universitários, trabalhadores, idosos e demais cidadãos.

Eu não me espantaria se, no projeto olímpico e nacional Rio-2016 (que imagino estar ao menos esboçado em algum lugar), o papel atribuído ao Caio Martins fosse... dar lugar a um shopping-center e um complexo residencial travestido de hotelaria destinado aos milhões de turistas que desembarcarão em tropel do Novo Aeroporto Tom Jobim para animar, com uma fabulosa torrente de olimpo-dólares, mais uma década inteirinha de desenvolvimento sustentado da economia brasileira.

O que significa, afinal, a expressão “legado olímpico”?

Legado olímpico não é hotelaria nem transporte: é esporte! Para todos.


PS. Para que os amigos não cariocas possam espantar-se com a aparente exclusão do Caio Martins do planejamento  olímpico brasileiro, segue uma imagem da sua situação em relação à cidade do Rio de Janeiro, seus aeroportos e o novo centro de negócios vendido como "centro olímpico"? Ignorância ou má fé? Cartas para a redação.