quarta-feira, 28 de setembro de 2022

De 'cidade' a 'centro': juntando as peças

Por seres tão inventivo e pareceres contínuo,
Tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos...
Tempo tempo tempo tempo...
Oração ao Tempo (Caetano Veloso 1979)

Pesquisando a origem do bairro da Cidade Nova, Rio de Janeiro, encontrei na Wikipedia a seguinte afirmação:

Rio de Janeiro 1835
O nome "Cidade Nova" tem registros que remontam ao período do reinado de D João VI. Até o início do século XIX, a região era um alagadiço que servia de rota de passagem entre o Centro e as zonas rurais da Tijuca e São Cristóvão. [1]

Chamou-me a atenção que o autor tenha descrito a Cidade Nova como um lugar situado "entre o Centro e as zonas rurais da Tijuca e São Cristóvão". A pergunta inevitável é: no início do século XIX, quando Tijuca e São Cristóvão eram 'zonas rurais', existia 'o Centro'?

Em busca de respostas, recorri ao testemunho de romances clássicos da segunda metade do século XIX, ambientados no Rio de Janeiro.

Em A Pata da Gazela, de José de Alencar (1870), podemos ler:

“Naquela mesma tarde em que o deixamos na sua casa de Botafogo, terminado o jantar, mandou aprontar o tílburi e voltou à cidade. Seu aparecimento àquela hora na Rua do Ouvidor causou estranheza: um leão de raça, como ele, não passeia ao escurecer, sobretudo no centro do comércio, onde só ficam os que trabalham.” [2]

Em O Cortiço (1890), romance que tinha como cenário uma habitação coletiva em Botafogo, diz Aluísio de Azevedo:

"Uma verdadeira patuscada esse passeio à cidade! (..) Ninguém tomou bonde; e por toda a viagem discutiram e altercaram em grande troça, comentando com gargalhadas e chalaças gordas o que iam encontrando, a chamar a atenção das ruas por onde desfilava a ruidosa farândola. [3]

Em “Maria Cora”, conto de Machado de Assis ambientado no Rio de Janeiro de 1893, o narrador-protagonista Correia, que reside numa casa de pensão no Catete, diz:

“De manhã tinha o relógio parado. Chegando à cidade, desci a Rua do Ouvidor, até a da Quitanda (..)” [4]

Essas passagens literárias me sugerem: (a) que a noção de 'centro' urbano era, se não estranha, ao menos pouco familiar aos autores de obras de ficção passadas no Rio de Janeiro do último quarto do século XIX, portanto muito provavelmente também aos habitantes da cidade; (b) que já existia, a essa altura, uma “urbe exterior à ‘cidade’” formada por lugares como Catete, Botafogo, São Cristóvão, Engenho Velho e Andaraí, vale dizer um processo já em curso de suburbanização; (c) que termo 'cidade', herdado do período colonial, ainda era o designativo preferencial da centralidade metropolitana em gestação; (d) que a expressão 0 'centro do comércio', utilizada por José de Alencar para definir a Rua do Ouvidor, contém uma ambiguidade própria da transição em curso e da pena de um autor de romances históricos impregnados de referências e insaites geográficos - de que logo veremos outro exemplo. 

O surgimento do “Centro” - com maiúscula porque já não se trata de uma entidade geométrica, mas de um lugar urbano - supõe, precisamente, o amadurecimento do processo de suburbanização pela via do mercado de terras, construções e serviços urbanos, muito especialmente os de transportes de passageiros, e sua consolidação em uma nova forma de expansão urbana radiada e tendencialmente concêntrica, ainda que desigualmente distribuída no espaço por força de condicionantes naturais, sociais e institucionais e da desigualdade de rendimentos das famílias e de rentabilidade dos negócios, portanto de seu poder de preempção locacional baseado na oferta de renda.

Tal processo, que identifico com o nascimento da urbanização capitalista em nosso país, está analisado com base em evidências empíricas em meu artigo “Porto Alegre cidade radiocêntrica (2)”, publicado em 21-05-2020 neste blog. Replico a primeira de uma série de generalizações que considero relevantes para esta discussão:

As duas primeiras décadas do século XX marcam, no Brasil, o nascimento das metrópoles capitalistas, cujo traço distintivo é a urbanização de mercado: de um lado as empresas loteadoras, construtoras e prestadoras de serviços públicos urbanos, de outro uma classe média ascendente - comerciantes, militares, funcionários, especialistas, artesãos e trabalhadores qualificados - capaz de arcar com custos de transportes e financiamentos a longo prazo. (..)

É a indústria da urbanização, ou urbanização de mercado, que dá conteúdo e forma à urbe radiocêntrica. É ela que converte as chácaras semi-rurais em bairros residenciais, os antigos caminhos rurais em vetores radiais de expansão, os aldeamentos satélites estrategicamente situados em embriões de futuros subcentros e, finalmente, a própria “cidade” em “centro”! [5]

Isso não significa, em absoluto, que o fenômeno quintessencialmente geográfico da centralidade seja exclusivo da cidade capitalista, mas que o vértice da estrutura radiada da grande metrópole, conhecido na literatura técnico-científica internacional como Central Business District (CBD), é a sua forma mais desenvolvida, símbolo maior de uma ruptura radical nos padrões de adensamento e expansão territorial urbana vigentes, nas capitais brasileiras, pelo menos até o início do Segundo Império, em 1840:

Não se trata de que inexistam tendências radiocêntricas na cidade colonial, isto é, de que sua organização sócio-espacial não manifeste a lei do menor custo-distância, mas de que aqui ela é uma força débil relativamente a outros determinantes - a pré-existência de um traçado fundacional, a pequena extensão dos percursos, o máximo aproveitamento das quadras e parcelas -, materializando-se via de regra como expansão linear ao longo da via principal do assentamento e, em menor medida, como reprodução mais ou menos regular da quadra padrão no sentido transversal. [6]


A forma tipicamente "cartesiana", ou ortogonal, da expansão urbana colonial brasileira corresponde às observações de Hurd em seu "vôo de pássaro" de 1903 sobre as "direções de expansão" das cidades comerciais. Ele observa que, nos assentamentos marítimos, fluviais e lacustres, o crescimento começa ao longo da costa, "seja porque as novas docas e os edifícios fronteiros formam um eixo de tráfego ou porque a própria margem constitui um caminho natural para os assentados". [7] Segue-se a
formação de um feixe de ruas paralelas que, com o tempo, converte-se em malha reticulada mais ou menos regular 'centrada' no ponto de partida das transversais principais, tipicamente a 'praça do mercado'. 

A predominância da organização 'cartesiana' da rede urbana, à base de quadras mais ou menos regulares adaptadas à topografia do terreno, significa que nessa etapa do processo formativo das cidades, em que a distância ainda não tem um papel decisivo na vida econômica da coletividade - salvo, evidentemente, para os negócios diretamente relacionados à atividade portuária -, a 'economia da ocupação' do solo se impõe à 'economia da localização'.

Essa mesma configuração está presente no relato alencariano do processo expansivo do Rio de Janeiro colonial (1659) contido nas crônicas ficcionais reunidas em Alfarrábios, de 1873. Trocando momentaneamente o chapéu de ficcionista pelo de historiador-geógrafo, diz Alencar:

"Com o incremento natural da população, foi a cidade descendo das encostas da colina e estendendo-se pelas várzeas que a rodeavam, sobretudo pela orla da praia que cinge o regaço mais abrigado da formosa baía, e corre em face à Ilha das Cobras. Aí, fronteiro ao ancoradouro dos navios, com o fomento do comércio, se ergueram as tercenas e os cais, onde não tardaram a agrupar-se em volta das casas das alfândegas e dos contos as lojas e armazéns dos mercadores. Após essas, embora já mais arredadas da beira-mar, vinham as outras classes trazidas pelo desejo de estarem mais próximas ao centro do povoado, onde é mais ativo o tráfego." [8] [destaques meus]  

Clique na imagem para ampliar

Pode-se inferir desse relato que, numa época muito anterior à Rua do Ouvidor alencariana [8a], a centralidade urbana do Rio de Janeiro, ainda funcionalmente dividida entre o paço, a sé e o mercado, era comandada pela localização do ancoradouro, principal ponto de contato com o mundo exterior. A julgar pelo mapa de 1713, vale dizer meio século passado dos eventos narrados no romance, as expressões “ao redor” e “centro do povoado” provêm de uma retórica mais condizente com o ano de publicação da obra (1873): o casario, boa parte do qual abriga residência e negócio, se estabelece à menor distância possível do ancoradouro em ruas transversais e paralelas ao caisPode-se extrair daqui uma importante lição: em cidades pré-existentes, a nascente centralidade moderna é constrangida pela inércia do espaço urbanizado a engatinhar ziguezagueando por arruamentos de tipologia ortogonal. 

Uma passagem do capítulo VI sugere a inevitável ambiguidade entre o novo padrão de centralidade urbana em formação à época em que escreve o romancista e a permanência de um passado colonial em que o centro geográfico da vida econômica era a própria “cidade”, agrupada em um pequeno tabuleiro às margens da baía, por oposição ao “campo”:

“Ficou o Ivo como queria, vivendo à mangalaça pelas ruas de São Sebastião, e nos arrabaldes, que a pouco e pouco se foram transformando em bairros, e estão agora dentro da cidade.” [destaque meu] 
 
Este mapa de 1907, aparentemente produzido e editado nos Estados Unidos, se intitula “Rio de Janeiro City – Commercial District”, expressão que naquele país precede em algumas décadas o contemporâneo CBD - Central Business District.
Fonte: ImagineRio https://www.imaginerio.org/iconography/maps/2589147

A começar pela separação de comércio e residência, o advento da urbanização de mercado modifica radicalmente a dinâmica espacial da expansão urbana, e com ela a sua geometria, à qual o núcleo reticular herdado do período colonial é obrigado a se adaptar - o que, em se tratando da urbe, é um processo secular. 

Para além de seus aspectos estritamente urbanísticos, e da ideologia subjacente tantas vezes assinalada, o conjunto de obras modernizadoras executadas no Rio de Janeiro ao longo do século XX - abertura das avenidas Mem de Sá (1906), Beira-Mar (1906), Rodrigues Alves (1910), Presidente Vargas (1944), Av. Chile (1960) e Parque do Flamengo (1960) - são intervenções destinadas a consolidar a estrutura radiada de acesso ao Centro da metrópole.      

Direções de expansão do Rio de Janeiro colonial
e republicano, lançadas sobre mapa do ano 1935

Um importante marco da transição de uma a outra modalidade de expansão no Rio de Janeiro é a inauguração, em 1858, do primeiro trecho da Estrada de Ferro D. Pedro II, que "permitiu, a partir de 1861, a ocupação acelerada das freguesias suburbanas por ela atravessadas" - o que supõe o advento de um mercado de terras periféricas à 'cidade', uma nova classe média capaz de adquiri-los e uma estrutura empresarial capaz de financiá-los -, seguida, em 1868, da implantação das primeiras linhas de bondes de tração animal, que vieram a "facilitar a expansão da cidade em direção aos bairros das atuais zona sul e zona norte". [9] 


Recapitulando: Porto Alegre

A mudança da matriz espacial da expansão urbana, de ortogonal a radial, e a consequente transformação da 'cidade' em 'Centro', é, portanto, um problema tanto de forma quanto de conteúdo. Aqui vale a pena recuperar, do mesmo texto sobre Porto Alegre, a discussão sobre a ideia de 'centro' na transição da cidade colonial-imperial para metrópole capitalista tal como interpretada por Villaça. Ele nos diz:

Quando, nos primeiros vinte anos deste século, o quadro imobiliário do centro de nossas cidades foi totalmente renovado com a demolição do colonial e a implantação do neoclássico e do ecletismo, não houve alteração na estrutura urbana, pois esses centros não perderam sua importância, sua posição, natureza nem localização. [10] 
Porto Alegre: direções de expansão
(1) expansão cartesiana: planta de 1772
(2) transição sobre planta de 1881
(3) expansão radiada: planta 1928 

Esta passagem resume o que me parece uma importante lacuna teórica de Espaço Intra-Urbano no Brasil: a omissão da mudança qualitativa imposta ao processo urbanizador brasileiro, em fins do século XIX, pela urbanização de mercado. Implícito na afirmação de que “no final do século XIX havia [em Porto Alegre] uma coroa de 180 graus de terra firme disponível para a expansão urbana” [11], esse salto histórico é por outro lado negado – inadvertidamente, por certo – pela ideia de que “nos primeiros vinte anos deste século (..) não houve alteração na estrutura urbana, pois esses centros não perderam sua importância, sua posição, natureza nem localização”.  [destaques meus]

Como dito no artigo,

Por não considerar o salto qualitativo contido na transição da urbanização mercantil-escravista para a urbanização capitalista, Villaça perde de vista que é assim que nasce o “centro” no que até então era a “cidade”. Embora não perca a sua "localização, importância e posição", o velho núcleo colonial-imperial perde, sim, a sua “natureza”: sobre a cidade que comanda o campo ao seu redor, nasce o centro que comandará a metrópole. O novo centro da urbanização de mercado começará, então, a se estender na direção da migração dos abastados e a se desdobrar em subcentros em todas as direções. Em algum deles poderá se fixar, muito mais tarde, o novo polo financeiro da metrópole. [12]

O fato de os Centros metropolitanos brasileiros terem se erguido sobre e ao redor das aglomerações comerciais das cidades coloniais-imperiais, portanto em alguma medida como suas continuidades históricas, não apaga o fato de que se trata, agora, de centralidades qualitativamente distintas sob todos os pontos de vista:

Refluindo sobre o núcleo colonial-imperial, a cidade radiocêntrica em contínua expansão e adensamento o revoluciona de acordo com as necessidades da economia de mercado e as exigências culturais e estéticas dos novos segmentos sociais econômica e politicamente dominantes, vale dizer pela renovação acelerada do estoque edificado, pela multiplicação de edifícios de escritórios e galerias comerciais, pela formação de um hipercentro financeiro, pela busca incessante de uma arquitetura própria dos arranha-céus, pela inserção da cidade no circuito das exposições agrícolas e industriais, pela elaboração de um Plano de Melhoramento e Embelezamento da Capital e por intervenções urbanas modernizadoras como a ampliação do porto, o ajardinamento do Campo da Redenção com base em projeto de Alfred Agache e, fechando com chave de ouro este primeiro ciclo, a abertura da Avenida Borges de Medeiros, a partir de 1925, para a ligação do núcleo urbano ao bairro do Menino Deus e daí a toda a margem sul do Guaíba, aí incluída a construção do Viaduto Otávio Rocha - provavelmente a obra urbana mais emblemática da história de Porto Alegre. [13]

Outro exemplo: Ribeirão Preto


Não faz muito tempo encontrei, em um excelente artigo de Capretz e Manhas (2006) sobre a urbanização do Núcleo Colonial Antônio Prado, fundado em 1887 na periferia rural de Ribeirão Preto, a seguinte informação:

Havia três acessos do núcleo colonial para o núcleo urbano já existente, que era chamado de “cidade” (..). A Sede [área verde da figura abaixo] (..) foi concebida com a finalidade de constituir um prolongamento da “Cidade” e, por este motivo, esses lotes eram denominados “urbanos”. [17] [Aspas dos autores]

Clique na imagem para ampliar


Ao longo do século XX, toda a área do Núcleo Colonial Antônio Prado foi absorvida pela expansão urbana radiada de Ribeirão Preto - como ocorre, aliás, com a maioria, se não a totalidade, das cidades e urbanizações ditas planejadas. Como explica Capretz em outro texto, hoje a maior parte dos bairros oriundos da Colônia participa da “geografia social da cidade” como “território da pobreza”, por oposição ao vetor que parte do “quadrilátero central”, a antiga ‘cidade’, em direção ao sul, onde se concentram “valores imobiliários altos, habitações luxuosas, alto consumo e mais investimentos públicos”. [18] [Os termos entre aspas são da autora].

Clique na imagem para ampliar



De ‘cidade’ a ‘centro’: o testemunho da linguagem

Entre a emergência de novos fenômenos sociais, sua percepção pela inteligência coletiva e sua designação na linguagem corrente medeia, geralmente, um período, que pode ser mais ou menos longo a depender da “camada” da realidade de que se trate. 

A transformação da espacialidade urbana, embora onipresente, por não afetar imediata e simultaneamente a vida dos cidadãos leva tempo para ser percebida, e sobretudo assimilada, mesmo nas esferas mais especializadas da informação e do conhecimento. Dou como exemplo o tempo decorrido, na aurora do século XX, entre o loteamento das glebas suburbanas, que não exigia intervenções imediatas sobre o terreno, e seu registro nos mapas e plantas das cidades.

O verbete da Wikipedia que abre este comentário me sugere um curioso paradoxo temporal: parece que passamos, na primeira metade do século XX, por uma longa transição entre um tempo em que o Centro da metrópole já formada ainda era dito 'a cidade', como no período colonial-imperial, para uma época em que a cidade colonial-imperial é muitas vezes referida, por leigos mas também por especialistas, como se tivesse sido, todo o tempo, 'o Centro' da metrópole capitalista.

Como sugerem as referências literárias acima citadas, em fins do século XIX a centralidade urbana ainda era identificada, no Brasil, não com a nascente forma histórica do “Centro” metropolitano, mas com um conjunto de entidades, ou funções, centrais - o palácio, o cais do porto, a praça do mercado, o comércio, a sé - simbolicamente representadas, na literatura como no jornalismo, e não por acaso, pelo “passeio comercial” frequentado pela burguesia em ascensão.

Nos termos do texto sobre Porto Alegre já citado, o nascimento do “Centro” metropolitano é

(..) uma mudança geográfica radical e meteórica na escala temporal da modernidade urbana, portadora de uma percepção coletiva do espaço inteiramente renovada ainda que pouco acessível aos hábitos mentais das antigas gerações: sua transposição para a linguagem corrente levaria ainda algumas décadas para se completar. Trata-se, mais exatamente, de uma revolução semântica fundada na mudança de percepção da estrutura do espaço em que se vive: não mais uma coleção de arraiais ao redor da cidade, mas uma única urbe expandida por justaposição de parcelamentos lindeiros a vias radiais servidas por transportes mecânicos, que tudo ligam ao que agora é “centro”. [15]

Para corroborar o quão lenta parece ter sido, nas metrópoles brasileiras, a incorporação do novo fato geográfico - o Centro da cidade - à linguagem cotidiana, acrescentei às notas daquele artigo um depoimento pessoal:

Ainda na minha infância, na Niterói na década de 1960, meus pais diziam “vamos à cidade”. O ônibus 30 era a linha Martins Torres-Cidade. [16]

A emergência, no transcurso do século XX, do termo 'centro' para designar o que antes era apenas 'cidade' se apresenta, pois, como uma interessante linha de pesquisa acessória ao tema da transformação da urbe colonial-imperial em metrópole capitalista. Ainda que tardia, ela é uma prova material, e das mais convincentes, de que uma cidade radicalmente diferente surgiu da urbanização de mercado iniciada, no Brasil, em fins do século XIX.


Próxima parada: Salvador

A pesquisa continua. E a metrópole que escolhi para hospedar sua próxima etapa é Salvador, Bahia, onde a construção da centralidade recebe de Milton Santos, na "Nota Prévia" ao seu ensaio de 1959 intitulado O Centro da Cidade de Salvador, o seguinte relato:

O crescimento recente da cidade e a expansão de suas atividades conduziram à modificação da fisionomia do centro, provocando o aparecimento de grandes edifícios, construídos nos espaços vazios, ou substituindo velhas casas. É a esse conjunto que os baianos chamam "A Cidade", quando se referem à parte alta, e "O Comércio", quando falam da parte baixa do centro de Salvador. É aí que a vida urbana e regional encontra o seu cérebro e o seu coração." [19]



______
NOTAS

[1] WIKIPEDIA, "Cidade Nova (Rio de Janeiro)", edição 03-09-2022
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Nova_(Rio_de_Janeiro)

[2] ALENCAR José de, A Pata da Gazela (1870), em Obras Completas de José de Alencar II: Romances Urbanos p. 454. Edição do Kindle.

[3] AZEVEDO Aluísio, O Cortiço (1890), em Obras Completas de Aluísio Azevedo II: Romances vol. 2 (1889-1901). Edição do Kindle.

[4] MACHADO DE ASSIS J M, "Maria Cora", em Relíquias da Casa Velha (1906). Edição do Kindle.

[5] JORGENSEN P, "Porto Alegre cidade radiocêntrica". À beira do urbanismo (blog) 21-05-2020
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/05/porto-alegre-cidade-radiocentrica-2_30.html

[6] Ibid. 

[7] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, p. 56
https://archive.org/details/principlesofcity00hurdrich/page/n4/mode/1up

[8] ALENCAR José de, Alfarrábios - crônicas dos tempos coloniais (1873). Edição do Kindle.

[8a] Ibid. 

[9] ABREU M, Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO 1997, p. 43.  

[10] VILLAÇA F, Espaço Intra-Urbano no Brasil p. 33.

[11] Ibid. p. 132.

[12] JORGENSEN P,  op. cit 

[13] Ibid. 

[14] VILLAÇA F, op. cit. 

[15] JORGENSEN P, op. cit. 

[16] JORGENSEN P, op. cit.

[17] CAPRETZ A e MANHAS M, "Traçado urbano e funcionamento do núcleo colonial Antônio Prado em Ribeirão Preto (SP), 1887". I Simposio Brasileiro de Cartografia Histórica, Paraty, Maio 2011.
https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/CAPRETZ_ADRIANA_E_MANHAS_MAX_PAULO.pdf

[18] SILVA A C B, Campos Elíseos e Ipiranga: memórias do antigo Barracão. Ribeirão Preto SP: Editora COC 2006
https://aeaarp.org.br/upload/downloads/20200527153648acapretz-camposeliseosipiranga.pdf

[19] SANTOS M (1959), O Centro da Cidade de Salvador, p20.
https://www.academia.edu/38732387/MILTON_SANTOS_o_Centro_da_Cidade_do_Salvador



2022-09-27

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

LE GOFF 1998: Ville, cité



LE GOFF Jacques, Por Amor às Cidades - Conversações com Jean Lebrun. Tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. - São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998
https://www.academia.edu/11656716/por_amor_as_cidades_jaques_le_goff


“(..) Não nos esqueçamos de que a palavra "ville", para designar aquilo que chamamos de cidade, é muito tardia. Até os séculos XI e XII, escreve-se quase que estritamente em latim e, para designar uma cidade, usa-se "civitas", "cite". Ou urbs, a rigor, mas basicamente civitas. E, quando as línguas vernáculas aparecerem, o termo "cite" vai permanecer por muito tempo. "Ville" tomará o sentido urbano apenas tardiamente, já que, como você lembrou, antigamente a palavra designava de fato um estabelecimento rural importante. Uma "villa" - não se deve pensar numa casa de subúrbio atual - é o centro de um grande domínio. Do ponto de vista dos materiais, a construção permanece em geral bastante modesta, mesmo quando se usa a pedra: não se pode falar de castelo. Enfim, a villa é um domínio com um prédio principal que pertence ao senhor; em consequência, é um centro de poder, não apenas de poder económico, mas também de poder em geral sobre todas as pessoas, os camponeses e os artesãos que vivem nas terras ao redor. Desse modo, quando se passa a dizer, em francês, "Ia ville" (o italiano conservará o termo citta), marcar-se-á bem a passagem do poder do campo para a cidade. O termo "villa", esse se aplicará à aldeia nascente a partir dos séculos IX e X. (..)”


2022-09-21

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Socialismo de rendas


Nit / Portugal 04-09-2022
https://www.nit.pt/fora-de-casa/na-cidade/estudo-confirma-lisboa-e-das-cidades-mais-inabitaveis-do-mundo


Os custos de habitação, os salários baixos e o mercado imobiliário sufocado pelo turismo são os principais fatores apontados.

De acordo com um estudo publicado em junho, pela iVisa, Lisboa é considerada a cidade mais feliz do mundo. No entanto, segundo a revista norte-americana “Jacobin”, é também um dos locais menos viáveis para habitar. Parece paradoxal, mas os custos de habitação e os salários baixos levaram à classificação da capital portuguesa como a terceira mais inabitável do mundo, segundo o ranking elaborado em março pela seguradora imobiliária britânica CIA Landlord Insurance citado pela publicação.

“Os custos de habitação em Lisboa são tão elevados que é ainda mais inviável para os inquilinos do que Nova Iorque”, começa por mencionar a publicação internacional. A esta informação, o geógrafo Agustín Cocola-Gant acrescenta que os residentes “têm que dedicar entre 50 a 60 por cento do seu salário à renda, se tiverem um emprego bem remunerado”, um cenário que exclui da equação quem recebe o salário mínimo.

Nos últimos anos, assistiu-se à crescente redução da população residente na cidade. Muitos jovens optam por viver em localidades mais acessíveis da área metropolitana, a população idosa é forçada a sair dos bairros onde passaram toda a sua vida — graças à gentrificação — e Lisboa tornou-se refém de políticas de turismo que agravam os problemas habitacionais. (..)

2022-09-14

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Real estate, fictitious capital


NY Times 28-08-2022, por Farah Stockman 

Texto: Farah Stockman/NYT
Imagem: Álvaro Bernis/NYT
Que os imóveis ditos de alto padrão são um meio privilegiado de lavar grandes somas de dinheiro ilegal não é de estranhar. Nas localizações privilegiadas do mundo inteiro, hoje ao alcance da demanda planetária, o preço de transação dos produtos imobiliários não tem qualquer relação com o preço de produção: vale o que o demandante estiver apto e disposto a pagar pelo direito de ocupar o solo que os ancora. Quando muito o fisco poderá alegar que o preço é um outlier da própria espiral de valorização.

Por essa mesma razão eu considero a hipótese, menos respulsiva mas muito mais instigante, de que o mercado imobiliário de médio e alto padrão também lava dinheiro "limpo": por exceder em muito o valor que o trabalho é capaz de criar considerando os meios colocados à sua disposição, parte considerável, se não a maior, do lucro gerado na indústria da incorporação é pura renda fundiária de localização; em vez de produto real, mera transferência patrimonial. 
Sem falar da faculdade que têm os bens imobiliários de gerar rendas - vale dizer receitas que excedem em muito o custo + lucro médio dos investimentos em reformas - até muito depois de cumprida a sua missão como mercadoria. 

Não por acaso, em uma época de concentração imparável dos rendimentos, redução relativa da massa salarial, precarização generalizada do trabalho e altas taxas de desemprego, o crescimento econômico vem sendo sustentado em boa parte do mundo pela alavancagem financeira lastreada na expectativa de valorização acelerada dos imóveis urbanos bem localizados.

Não foi o dinheiro sujo investido em imóveis que derrubou a economia planetária em 2008 (e hoje atormenta a economia chinesa e todos os que dela dependem): foi o dinheiro limpo.

A propriedade imobiliária e as montanhas de capital, incluídos o fictício e o ilegal, que circulam pelo mundo sem encontrar aplicações ao mesmo tempo produtivas e suficientemente lucrativas parecem fazer um casamento perfeito. Ou não?

2022-09-07


terça-feira, 30 de agosto de 2022

Apontamentos: Herce Vallejo 2021 e a cidade capitalista

HERCE VALLEJO Manuel, "Las infraestructuras en la construcción de la ciudad capitalista". Café de las Ciudades Abril 2021.
https://cafedelasciudades.com.ar/sitio/contenidos/ver/459/las-infraestructuras-en-la-construccion-de-la-ciudad-capitalista.html

"(..) Es innegable que la ciudad moderna, producto de la revolución industrial, es distinta de cualquier tipo de ciudad anterior. Lo es porque es el espacio de concentración de los factores de producción, sobre todo del capital y la mano de obra y, por tanto, es el espacio de la reproducción de la fuerza de trabajo, por lo que favorece el incremento de productividad del trabajo y la rentabilidad del capital.

Pero lo es también porque ha concentrado en ella los factores de producción sobre la base de un nuevo sistema económico basado en el capital. Y en ese sentido, la ciudad es también un producto en sí misma, una sumatoria de mercancías inmobiliarias que añaden valor a la propiedad. Si la propia construcción de ciudad se convierte en negocio, en motor de desarrollo económico a través de la multiplicación del capital, es obvio que se ha tendido progresivamente a ampliar el campo de la producción inmobiliaria, del territorio de generación de plusvalía por su proximidad a los factores de producción. (..)" 
[destaque meu]

*
Para se ter uma ideia da relevância teórica e metodológica da formulação de Herce Vallejo acima citada, basta lembrar que Thomas Piketty, um dos mais notáveis intelectuais da social-democracia mundial e guru de boa parte da crítica contemporânea à desigualdade social e urbana, escreveu há não mais de 10 anos em O Capital no Século XXI:

Em todas as civilizações, o capital desempenha duas grandes funções econômicas: permite que as pessoas tenham onde se abrigar (..) e serve como fator de produção para confeccionar bens e serviços (..). Historicamente, as primeiras formas de acumulação capitalista parecem envolver tanto ferramentas (sílex etc.) como o aperfeiçoamento da terra (..), além de formas rudimentares de habitação (..), antes de evoluir para outras acumulações mais sofisticadas de capital industrial e profissional, assim como para locais de moradia cada vez mais elaborados.” [destaque meu] (p. 209 ed Intrínseca, Rio de Janeiro 2014).

Em minha opinião, a concepção de 'capital' de Herce é não apenas incompatível com a de Piketty como muito mais acertada e intelectualmente profícua do que ela - ainda que mais frustrante, talvez, por colocar em suspenso todos os cenários urbanísticos que a imaginação humana foi capaz de criar nos últimos dois séculos - ocorre-me de imediato o fracasso do urbanismo modernista em contraste com o sucesso de sua arquitetura - sendo esta uma das razões pelas quais precisamos descobrir, com a urgência imposta pela crise climática e pelo retorno da ameaça nuclear, como passar à próxima fase. Quem sabe nela todos aqueles cenários sejam possíveis, cada um com sua circunstância, seu lugar e seu alcance.

30-08-2022

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Anscombe Flats, Nova Zelândia

Art Deco New Zealand
Anscombe Flats, Oriental Bay, Wellington
Built in 1937

Anscombe Flats is named for Edmund Anscombe (1873–1948) one of New Zealand’s most distinguished 20th century architects. He bought the land in 1933, and planned to sell the apartments and live on the top floor. The building was completed in 1937 and Anscombe lived there until his death in 1948. This is one of three celebrated apartment buildings he designed in Wellington. The Moderne style of the building is well demonstrated in the rounded corners and moulded window hoods. The semi-circular penthouse floor is a particular delight, although it was altered in 2002. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

O traçado de Belo Horizonte: uma nota

Avenida Afonso Pena em Belo Horizonte MG. Em primeiro plano, a Rodoviária da capital.
Foto Gustavo Simões/Aboutripics 


Considerando que as direções principais de um plano de urbanização são dadas pela orientação geral das quadras, temos que em Belo Horizonte quase todas as grandes avenidas são diagonais, a começar pela principal, a Afonso Pena, que aqui temos em perspectiva.

A disposição das esquinas principais em ângulo agudo, se por um lado impõe uma interessante variedade arquitetônica aliás muito apropriada ao estilo decô, por outro torna muito mais complexa a engenharia dos cruzamentos e complicado o mais elementar dos movimentos urbanos - atravessar a rua. Eu, que pouco frequento o "Contorno" de BH, invariavelmente me confundo e me perco nessa singular superposição de tabuleiros.

Faz todo sentido associar o plano de Belo Horizonte, Brasil (Aarão Reis 1897) ao de La Plata
, Argentina (Pierre Benoit 1882), até porque são produtos da mesma época, de um mesmo tipo de demanda - a criação de uma capital provincial - e da mesma cultura urbanística. 

Contudo, embora não conheça a cidade arrisco dizer que o grid de La Plata é mais claro para o transeunte porque mais monumental, isto é, inequivocamente comandado pelo duplo eixo SW-NE para cujo ponto médio, que é também o centro do tabuleiro, convergem as duas grandes diagonais; as demais, nitidamente secundárias, convergem por sua vez para outros tantos pontos de destaque do eixo principal, definindo, ou pretendendo definir, a centralidade urbana. Princípio parecido foi adotado por Torres Gonçalves em Erechim, na primeira década do século XX.

Clique na imagem para ampliar

Embora primos-irmãos da família de planos urbanísticos que alguns - como o português Nuno Portas - chamam “dos traçados” e outros tantos de “positivistas”, vistos com atenção os planos de Belo Horizonte e La Plata apresentam uma importante distinção. 

Ao passo que o de La Plata tem um substrato cientificista a serviço de um ideal barroco, comandado, como um grande jardim francês, por um eixo monumental que é também de simetria, e arrematado por uma perimetral que define o recinto, o de Belo Horizonte segue um princípio modular precocemente modernista em que, a despeito da monumentalidade da  diagonal principal (Av. Afonso Pena) com direção determinada pela perspectiva da Serra do Curral, a acessibilidade urbana é homogeneamente distribuída em todo recinto, os focos de centralidade multiplicados pelos cruzamentos da malha diagonal e a Avenida do Contorno um limite irregular e circunstancial da urbanização que não integra a arquitetura do traçado.

2022-08-09

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Espuche e Guàrdia 1987: da cidade medieval à cidade moderna


ESPUCHE A G e GUÀRDIA M B , “"Transició” y ciutat: les transformacions de l’estructura del espai”. Manuscrits: revista d’història moderna, [en línia], 1987, Núm. 4, p. 143-70
https://raco.cat/index.php/Manuscrits/article/view/23116
Barcelona 1891
“(..) Residencia obrera i fabrica dominaran a les ciutats específicament industrials. Als centres urbans amb funcions metropolitanes s'hi trobarà també un teixit industrial, sovint constituit per petites empreses de característiques pre-industrials, però treballant articles de qualitat i amb una població normalment més preparada i combativa que la de les ciutats-fàbrica. De fet, però, el característic de la ciutat metropolitana serà la seva funció central en els negocis, en el tràfic i en les activitats mercantils, en els serveis, en el transport, en l'administració ..., i el seu paper com a lloc de residencia d'una àmplia població de classes mitjanes que van des del rendista a l'ocupat en el sector terciari o l'administraciò pública. En conseqüencia, és aquí on es desplegaran, fonamentalment, els signes de l'hegemonia d'una cultura burgesa que es manifesta en el paisatge urbà: l'autentic protagonista de l'urbanisme de les grans capitals serà la societat civil.

Alguns equipaments com passeigs, parcs, galeries comercials, teatres, atraccions..., sorgiran com a resultat de la nova sociabilitat burgesa que es desplegarà, en gran part, en aquests nous espais públics. Una intensa activitat urbanística, que s'inscriu en la gran expansió dels negocis immobiliaris durant el segle XIX, adequarà als requeriments de la nova classe en ascens, l'espai urbà heretat i les noves expansions necessaries a una ciutat sempre en creixement. (..)”


TRADUÇÃO DO BLOG
"(..) Residências de trabalhadores e fábricas dominarão cidades especificamente industriais. Nos centros urbanos com funções metropolitanas, haverá também um tecido industrial, muitas vezes constituído por pequenas empresas com características pré-industriais, mas que trabalham com artigos de qualidade e uma população normalmente mais preparada e combativa do que as das cidades-fábrica. Mas a característica da cidade metropolitana será a sua função central de negócios, transportes e atividades comerciais, serviços, transporte, administração..., e seu papel como lugar de residência de uma grande população de classe média que abrange de locatários a empregados do setor terciário e da administração pública. Consequentemente, é aqui que os sinais da hegemonia de uma cultura burguesa que se manifesta na paisagem urbana se desdobrarão fundamentalmente: o verdadeiro protagonista do urbanismo das grandes capitais será a sociedade civil.

Alguns equipamentos como calçadões, parques, shopping centers, teatros, atrações..., surgirão como resultado da nova sociabilidade burguesa que será implantada, em grande parte, nesses novos espaços públicos. Uma intensa atividade urbana, que se insere na grande expansão dos negócios imobiliários durante o século XIX, se adequará às exigências da nova classe em ascensão, ao espaço urbano herdado e às novas expansões necessárias para uma cidade em constante crescimento. (..)"

2020-08-03

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Gestão Pública da Valorização do Solo Urbano: Estudos de Caso

Empreendimentos Paço Real e terreno público da Av. Rotary Internacional
(Texto para discussão no âmbito do GT do PRI de São Cristóvão)
https://drive.google.com/file/d/1U5Coh0OI_y5VhQMAmsCrOAo5Xkuk2ptT/view?usp=sharing

Por Antônio Augusto Veríssimo, Arq., junho de 2008


O presente trabalho tem por objetivo apresentar estudos de caso que demonstram o potencial do mercado imobiliário para a geração de recursos para o financiamento de intervenções públicas em áreas de renovação urbana. 

O conceito que orienta este trabalho é o da Gestão Pública da Valorização do Solo Urbano que pressupõe que o poder público tem o direito - e mesmo o dever - de recuperar para a coletividade parte da valorização imobiliária gerada por ações coletivas, tais como alterações na norma urbanística, investimentos públicos e outras ações de caráter público ou particular, que hoje são apropriados de forma privada, reinvestindo-a em melhorias urbanas.

Os fundamentos legais para esta recuperação estão presentes no texto do Estatuto da Cidade, nos incisos IX e XI do Artigo 2º que determina, como diretriz da Política Urbana, a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização e a recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos.

Os casos em estudo são os empreendimentos Paço Real, localizado no Bairro de São Cristóvão, na Rua Euclides da Cunha n.º 243/281 e um estudo de viabilidade econômica para um terreno público municipal situado junto às instalações da Imprensa Oficial na Av. Rotary Internacional (ver ilustrações 1 e 2).

Para o cálculo da valorização agregada ao imóvel foi utilizado o método residual, também denominado método involutivo, seguindo os procedimentos constantes da apostila do Curso de Engenharia Legal ministrado pelo Professor Engenheiro Sérgio Antonio Abunahman [1].

O método utilizado

Para a utilização do método residual ou involutivo, também conhecido como do máximo aproveitamento eficiente, é necessário que se elabore inicialmente um estudo de viabilidade, com base na legislação vigente, buscando-se o aproveitamento máximo do terreno, ou seja, é necessária a realização de um estudo prévio arquitetônico que leve em conta o maior e melhor uso para o terreno, sob o ponto de vista legal e econômico. É necessário também um bom conhecimento das demandas e do preço de mercado para os produtos unitários equivalentes que permitem este maior e melhor uso no local, que podem ser: unidades habitacionais (apartamento ou casas); unidades comerciais (lojas ou escritórios) ou usos mistos que combinem apartamentos e lojas, ou escritórios e lojas ou edificações para indústrias ou serviços, se for o caso. 

Conhecendo-se o número máximo de unidades passíveis de serem produzidas e comercializadas no local, com base no estudo arquitetônico e de mercado efetuado, bem como seu valor de comercialização, pode-se determinar o produto geral de vendas - PGV, ou seja, o resultado em termos financeiros a ser apurado após a venda no mercado de todas as unidades produzidas. 

Conhecido o PGV esperado é possível iniciar os estudos para a verificação da viabilidade econômica do empreendimento. (Continua)

Acesse o artigo completo em PDF pelo link
https://drive.google.com/file/d/1U5Coh0OI_y5VhQMAmsCrOAo5Xkuk2ptT/view?usp=sharing

2022-07-27

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Kriedte 1987: Cidade e proto-industrialização


KRIEDTE P, “La ciudad en el proceso de protoindustrialización europea". Manuscrits: Revista d’història moderna No. 4-5, 1987, pp. 171-208
https://ddd.uab.cat/record/39321

York, Inglaterra 1611

“(..) en Sedan en el siglo XVIII se limpiaba la lana, se tundian las piezas y se sometían los paños al acabado final. Mientras que los paños se batanaban y también, en parte, se tejían en los suburbios de Sedan, la fabricación de hilo, en su totalidad, y la tejeduría, en su mayoria, se localizaban en el campo, en los alrededores menos o más cercanos a Sedan, respectivamente. Valenciennes halló en el prometedor comercio del blanqueo, que se habia expandido rapidamente en el siglo XVIII, una relativa compensación al desplazamiento de la tejeduría hacia el campo. También el comercio de la indiana, una de las manufacturas que se habian desarrollado con más rapidez durante el siglo XVIII, tenia generalmente su emplazamiento en la ciudad. Hay que mencionar aqui las prensas de indiana de Manchester, Rouen, Mühlhausen, Augsburgo y Chemnitz. Junto a esto existian importantes excepciones como las prensas de indiana en Cartalloid o la de Oberkampf en Jouy.

Por tanto, la ciudad cedió partes particularmente intensivas del proceso productivo como la hiladuria y la tejeduria al campo, pero se reservó, aparte de la dirección del proceso, aquellas partes, que al precisar una menor intensidad de trabajo, podian, consecuentemente, centralizarse y de las que dependia de forma decisiva la calidad del producto. Ocasionalmente, la pérdida parcial de la función urbana siguió avanzando hasta una pérdida total, cuando, con el abandono del comercio junto con la manufactura, la ciudad perdió no solo su función como centro de producción, sino también como centro de organización y de distribución. Esto ocurrió sobre todo allí donde surgieron centros de producción, similares a los urbanos, en el entorno de una ciudad determinada, que se hicieron independientes de aquellas en todos los aspectos. York, que durante la Edad Media habia sido el centro de producción de paños de lana más importante de Yorkshire y que habia perdido esta posición en el siglo XV en favor de la manufactura pañera rural y expansiva en West Riding, pudo mantener en principio sus funciones comerciales, pero también las perdió hacia el 1700. En los alrededores de Colonia surgieron con Solingen y Remscheid (pequeña siderurgia), por un lado, y con el valle del Wupper (Wuppertal), Lennep, Krefeld y Mühlheim am Rhein (lino, paño y seda), por otro lado, las primeras metrópolis manufactureras de la comarca renana totalmente independientes. (..)”


Acesse o artigo completo pelo link
https://ddd.uab.cat/record/39321

2022-07-20

 

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Atkins 1998: Cidade e proto-industrialização


ATKINS P J et al, “Chapter 12: Urbanization and Proto-industrialization”, in People, Land and Time. London: Hodder Arnold 1998
https://www.academia.edu/10684390/Urbanization_and_proto_industrialization

“(..) In the twelfth century most industry was urban-based. Weavers, iron and lead workers, coopers, leather workers, potters and other craftsmen used local raw materials and served the local market. From about 1300 to 1700 the link between towns and industry became more tenuous as entrepreneurs took up opportunities in the countryside, and gradually regions developed specialisms such as a particular type of cloth or metalwork. One factor was organization. In urban areas the craft guilds regulated production and sought to protect the interests of their members, but they also had a stifling effect upon innovation and acted to keep out newcomers. In contrast, in the countryside there were few restrictions. Such was the shift in the centre of gravity of manufacturing that the prosperity of some towns was seriously threatened. Technology was also important. Human muscle power was the main input in urban workshops but from the mid fourteenth century on there was a greater use of water power and wood charcoal as fuel. In the textile industry, for instance, the water-driven fulling mill was adopted from the thirteenth century as a labour-saving device for cleaning and finishing woollens. Mendels (1972) and other writers have argued that a set of conditions existed in the early phase of industrialization that were very similar in the establishment of rural centres of manufacturing throughout western Europe. These may be conveniently summarised in three points: 

· Small-scale domestic production, using patriarchally-directed family labour, was cheap and flexible. It made use of the time available between tasks on the farm. The fit with the daily rhythms of livestock farming was better for this than arable areas where the seasonal peaks of ploughing, sowing, weeding, harvesting and threshing left little spare time.

· Such dual economies were characteristic of areas of harsh environment where the industry provided a welcome supplement to agricultural income. They were also encouraged where there were limited resources for expansion, for instance where commons were stinted.

· Rural industry also seems to have been popular in regions with a rapidly growing population, for instance where inheritance practices stipulated the division of a father’s properties equally among his sons. This partible inheritance anchored population to the land but impoverished successive generations as the average size of farms declined. Population also grew where manorial control was weak and unable to prevent immigration. In these sorts of areas industry was a means of providing work for the underemployed. 

Since many rural industrial economies were distant from both their raw materials and their markets, they relied upon intermediaries, often urban-based merchants who organized channels of assembly and distribution and who could deal with the transport of bulky commodities. Some merchants came to control the quality and quantity of output by their clients in a sophisticated putting-out system. This involved an increasing investment by the merchant until s/he owned the raw materials and machinery used in the rural workshop, reducing the craftsmen and their families almost to wage labour. The concentration of economic power in the hands of a few wealthy merchants was sometimes a precursor to the industrial capitalism of a later age, but there were exceptions.

Not all of the proto-industrial regions fulfilled the conditions listed by Mendels. Neither of the textile-producing regions of Suffolk or south Yorkshire, for instance, could be called marginal agricultural economies. Nor can we say that all proto-industrial regions were longterm successes leading to the development of factory-based industrialization and large scale urban growth. Some did, as in the Lille district of north eastern France and the lower Rhineland of Germany (Pounds 1985). Others waned and returned to agriculture, leaving only traces of their former glory. The textile villages of the Suffolk-Essex border are the classic example of this latter phenomenon, where it is frankly difficult to believe on present inspection that they were once hives of industry, and other areas of vigorous proto-industry have declined, such as the textile districts in northern Italy, Catalonia (Spain) andL ód_ (Poland). Some hearths of the Industrial Revolution, such as the north east of England or south Wales, had little or no tradition of rural industry and started as it were from scratch in the eighteenth and nineteenth centuries.

The landscape impact of proto-industry was minimal. The energy needed was derived from wind or water, or just from human or animal muscle power. Where wood or charcoal were employed, for instance in iron smelting, renewable resources were drawn upon in the shape of managed woodlands (Chapter 6). Mining technology was primitive, leaving only the remains of bell pits or adits, and the miners operated in small groups so that workings were localized and superficial. The dual economies of farming and textile industries would have merged into their rural background, with only minor architectural modifications such as spinning galleries or well-lit weaving sheds to show. The only major landscape modifications came in those districts which went on to participate in the Industrial Revolution, and the evidence of their early beginnings have often been obliterated. (..)

Acesse o artigo completo pelo link
https://www.academia.edu/10684390/Urbanization_and_proto_industrialization

2022-07-13

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Financeirização da (última) moradia


Valor Investe 14-06-2022
https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos-imobiliarios/noticia/2022/06/14/fundo-imobiliario-de-cemiterios-tem-rentabilidade-de-68percent-de-janeiro-a-maio-de-2022.ghtml

“(..) Em maio, 47% dos fundos imobiliários tiveram um desempenho positivo, segundo o estudo da Smartbrain. Entram no estudo fundos com mais de três meses de existência e pelo menos 30 negociações no período do recorte. No mês, dois deles conseguiram um retorno superior a 20%. 

O primeiro lugar no ranking de maio ficou com o Diamante (DAMT11B), que teve uma valorização de 26,67% e tem shopping e lojas na composição. O segundo lugar ficou com o Brazilian Graveyard and Death Care (CARE11), com uma valorização de 22,25%. E em terceiro ficou o que investe em recebíveis, o Hectare CE FII (HCTR11), com alta de 8,38% no mês. (..)”

2022-07-06


sexta-feira, 1 de julho de 2022

Cidades novas no Brasil: Palmas, GO


BOTTURA Roberto e VARGAS Heliana C, “O projeto de Palmas TO frente as teorias urbanas revisionistas pós 1945”. Vitruvius / Arquitextos, ano 21, out. 2020
https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.245/7923


Clique na imagem para ampliar
Todo estudo que se debruce sobre uma cidade nova tem diante de si a oportunidade de observar alguns fenômenos em um contexto que evidencia de forma mais latente as contradições entre o projetado (desejado) e o realizado (materializado). Aqui, o objeto de análise é Palmas, capital do então recém-criado estado brasileiro do Tocantins, concebida por arquitetos e inaugurada no final do século 20 a toque de caixa em um movimento de ocupação da região norte do país.

Seu projeto é formado por um Plano Básico / Memória a cargo do escritório goiano GrupoQuatro, cujos responsáveis costuram diversos discursos na busca de certa originalidade urbanística, que resultou numa proposta de cidade que nos instiga a decifrá-la. Considerando o ano de projetação/inauguração, 1989, junto aos objetivos com que os arquitetos a idealizaram, Palmas se insere cronologicamente e teoricamente em um contexto de revisão dos dogmas funcionalistas da Carta de Atenas.

(..)

Parte-se da hipótese de que o projeto de Palmas representa um interessante paradoxo, ao reforçar paradigmas da cidade modernista, embora no discurso do plano a negasse plenamente. Conforme descrito em seu memorial, buscava-se revogar atitudes radicais racionalizadoras, bem como setorizações e imposições contra a natureza. No entanto, o traçado, o arranjo das funções e as espacialidades construídas resultaram numa cidade de uma tediosa quadrícula cartesiana em que a falta de usos combinados, a monotonia da repetição, a negação da rua e da calçada e a total priorização do transporte motorizado individual terminaram por moldar o inverso do que se pretendia.

Desta forma, o objetivo do presente trabalho é avaliar o projeto urbano de Palmas a partir das contradições entre as teorias funcionalistas do urbanismo moderno e as respectivas teorias revisionistas que emergem pós 1945. (..)

2022-07-01