Deu no Le Monde Cities05-09-2020, por Emeline Cazi
Trois recours déposés contre le projet de la gare du Nord
La bataille menée par la Ville de Paris et deux collectifs de citoyens a changé de nature et prend désormais une tournure judiciaire.
Um dos traços mais marcantes da grande cidade contemporânea é o revolucionamento incessante dos empreendimentos voltados à multiplicação dos benefícios econômicos da aglomeração – e da renda do solo que lhes corresponde.
Dos centros comerciais de bairro aos shopping-centers aos grandes complexos de serviços, comércio e transportes, trata-se, em todos os casos, de recriar os centros urbanos, lugares históricos das economias de aglomeração, em condições “controladas” que maximizem, do ponto de vista das firmas - com reflexos positivos para o seu público-alvo -, as vantagens combinadas da escala, da urbanização e da localização.
O portentoso projeto de renovação que quadruplica a área comercial da Gare du Nord, em Paris, proposto por uma sociedade de economia mista e aprovado pela Comissão National de Desenvolvimento Comercial (CNAC), já há algum tempo é objeto de uma enorme polêmica envolvendo governo, empresários, arquitetos, urbanistas e opinião pública. A estação, localizada no 10e Arrondissement parisiense, é tida como o maior centro ferroviário da Europa, com movimento de 700 mil passageiros-dia, dentre os quais os usuários do Eurostar que liga a cidade a Londres. Considerando o rendimento médio dos usuários da estação, um negócio da China no coração da Europa.
Justificativa? A de sempre: tornar autossuficiente - e suficientemente rentável para o capital concessionário - um equipamento público cuja operação e manutenção sobrecarregaria as arcas cronicamente combalidas do Estado, representado, no caso, pela poderosa Société Nationale des Chemins de Fer Français – SNCF.
Em setembro de 2019, um grupo de arquitetos fez publicar no Le Monde um manifesto protestando contra “o absurdo de se obrigar os passageiros a um sobe-e-desce de passarelas, elevadores e escadas rolantes em meio às lojas para poder acessar as plataformas” e exigindo a total reformulação do projeto, classificado de “inaceitável”.
Iniciou-se assim uma polêmica hoje prestes a desembocar na esfera judicial. A prefeitura de Paris e duas organizações cidadãs alegam que o inquérito público levado a cabo pela CNAC deveria ter tido uma dimensão metropolitana, e até nacional, tendo em vista os potenciais impactos negativos do novo complexo sobre os negócios tanto do 10e Arrondissement parisiense e seus vizinhos quanto dos subúrbios a que os trens da Gare du Nord dão acesso.
Subjacente a esta disputa em-vias-de-se-tornar judicial
está, pois, a concorrência entre o comércio estabelecido nos subcentros urbanos
historicamente constituídos ao redor das estações e o novo
complexo de comércio e serviços a ser erguido sobre a gare central.
A depender da
capacidade de adaptação dos antigos negócios, essa concorrência pode determinar
o declínio do comércio circundante e consequente obsolescência de
seu parque imobiliário.
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O cenário mais provável neste caso é o início de um processo
de renovação urbana com foco na mudança do uso da terra para uma modalidade
mais rentável, vale dizer a substituição do uso comercial extensivo pela habitação
gentrificada com altos coeficientes de aproveitamento dos terrenos. Consumar-se-ia, assim, o ciclo valorização-estabilização-desvalorização-renovação de uma área urbana tal como representado no gráfico ao lado.*
Hubs de transportes, comércio e serviços, shopping centers, distritos industriais, complexos financeiros, centros comerciais e bancários e até modestas ruas comerciais de povoados rurais são, sem exceção, manifestações da classe de fenômenos quintessencialmente urbanos que a ciência econômica chama de ‘economias de aglomeração’ – benefícios que as firmas obtêm de sua relação de proximidade espacial com outras firmas. Materializadas em estruturas físicas sujeitas à temporalidade característica da ocupação e usos da terra, essas formações urbanas, ainda que às vezes concorrentes, e mesmo excludentes, no longo prazo, são em geral concomitantes, e até complementares, testemunhas do caráter constitutivamente desigual do desenvolvimento econômico em geral e urbano em particular.
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* BORRERO Oscar, “Formación de los precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD 2005
2020-09-07