sábado, 10 de setembro de 2011

Recapitulando



O blogueiro vivendo seus 15 minutos de fama ao lado de
Oriol Bohigas (esq) e Nuno Portas (dir) 
no escritório de Bohigas na Plaça Reial de Barcelona
Uma passagem que circulou em algum momento pelo meu monitor relata que o violinista Yehudi Menuhin, no coquetel de encerramento de uma de suas apresentações, foi abordado por um admirador que lhe disse: “Eu daria a vida para tocar como o senhor”. Ao que o violinista replicou: “Eu dei!”

Eu não dei, caro leitor, a vida para ser um urbanista de reconhecida competência. Por motivos que não são da conta deste relato, minha trajetória de urbanista profissional começou tarde e acabou cedo, razão pela qual não me aventuro a escrever um livro com minhas teorias e realizações, somente um blog de ideias, conhecimentos e experiências fragmentárias com fumaças, devo admitir, de crônica literária.

Como, porém, nada impede que um fragmento episódico possa ser, em dada circunstância, mais relevante que um extenso e circunspecto tratado, resolvi dedicar a minha energia intelectual a compartilhar com meus leitores, pouco a pouco, com alguma seletividade e na medida em que o tempo me permita, a traquitana urbanística que acumulei em meu encéfalo e meu disco rígido (oh, Deus, livrai-me da tentação dos trocadilhos infames) nos últimos trinta e cinco anos.

Minha tortuosa caminhada à beira do urbanismo compreende cinco fases: a primeira como aprendiz e observador de assuntos metropolitanos na há muito extinta FUNDREM, a agência de planejamento metropolitano do Rio de Janeiro; a segunda como mestrando de Planejamento de Transportes na COPPE-UFRJ; a terceira como gerente e coordenador na administração urbanística da Cidade do Rio de Janeiro; a quarta como pós-graduando e professor online de políticas e mercado de solo urbano junto ao Lincoln Institute of Land Policy, Cambridge, EUA, além de pesquisador e consultor bissexto; e a quinta, mas não necessariamente a última, esta de blogueiro, quando tentarei juntar os cacos de tão incerta trajetória em esboços que possam ter alguma utilidade para os contemporâneos ainda ativos e, quem sabe, os mais jovens que tenham a pachorra de me acompanhar.

A maior parte do que se publicará neste blog tem relação direta com as fases 3 e 4, isto é, as de funcionário público e professor-pesquisador. À medida, porém, que as postagens forem se sucedendo e a cebola da memória se descamando, as fases 1 e 2 encontrarão seguramente o seu lugar, até porque, como se verá em algum momento, a minha ligação com o estudo do mercado de solo urbano guarda relação direta com o meu modo de abordar os problemas que me caíam no colo na prefeitura do Rio de Janeiro, que, por sua vez, guarda relação com as soluções que eu acreditava ser preciso dar a certa ordem de problemas de transportes urbanos na cidade. Como dizia, com muita sabedoria, uma antiga vizinha, “está tudo conectado”.

A principal ruptura eu fiz quando abandonei o planejamento metropolitano para ir a Barcelona aquecer meu coração e retornei, quase dois anos depois, decidido a trocar o âmbito da metrópole pelo do município – na prática, de suas “centralidades” –, uma significativa mudança de escala, de métodos, de técnicas e de objetos determinada pela intuição, àquela altura acertada, de que o planejamento regional, de que era filho o planejamento metropolitano, tinha encerrado um longo ciclo de prestígio para dar lugar à era da exploração econômica dos grandes centros urbanos. E eu precisava sentar a bunda para trabalhar, digamos, produtivamente, fosse para não encolher o cérebro fosse para atender a exigências triviais como pagar o aluguel e o leite das crianças. De todo modo, esta ruptura foi determinada não tanto pelo que as coisas eram, mas pela maneira algo distorcida como se apresentavam na prática: na era das megalópoles mais do que em qualquer outra, o urbanismo não pode, decididamente, prescindir do planejamento metropolitano.

Talvez por isso um grande amigo arquiteto e urbanista de formação, mas planejador urbano por convicção, garantia-me que o termo “planejamento urbano” descreve melhor o campo de atividade de profissionais como ele e eu do que “urbanismo”.

Luiz Paulo Conde
Meu ex-professor universitário e chefe na prefeitura do Rio, o arquiteto Luiz Paulo Conde, a quem devo e agradeço a oportunidade de ter podido trabalhar, por poucos anos, mas com razoável liberdade de iniciativa, como urbanista no governo de uma grande metrópole - onde aprendi por conta própria quase tudo o que sei sobre a profissão -, provavelmente concordaria com a tese do meu amigo, só que desde o ângulo oposto: uma concepção do urbanismo mais aparentada com o conceito de “arquitetura de cidade”.

Em alguma postagem futura terei prazer em contar aos leitores as anedóticas circunstâncias da minha transferência da Secretaria de Planejamento do Estado do Rio para o Instituto Pereira Passos, e daí para a Secretaria de Urbanismo da cidade do Rio de Janeiro, ambos sob o comando de Conde, e direi como foi que um entendimento radicalmente diverso daquele que prevalecia na prefeitura a respeito das “servidões de recuo” e “planos de massa”, veneráveis instrumentos urbanísticos lá conhecidos pelas siglas totalmente inadequadas de PAs e PALs, conduziu-me quase que naturalmente à rede latino-americana do Lincoln Institute of Land Policy – uma curiosa e inesperada confirmação da dialética de botequim segundo a qual “os extremos se atraem”.

Retornando ao tema, e com o devido respeito à pessoa, ao saber e à competência profissional do ex-secretário-de-urbanismo-prefeito-e-arquiteto-chefe do Rio de Janeiro – e um obrigado ao companheiro planejador urbano pelo “gancho” involuntário –, embora solidário a Conde em seu pasmo, mas não em sua ironia, pela crônica falta de papel-manteiga no almoxarifado da Secretaria, eu pensava e ainda penso sobre a natureza do urbanismo de maneira muito diferente da sua, e reporto-me, espero que com razão, aos urbanistas que, na época em que trabalhava na prefeitura, elegi como minhas referências - menos pelo conhecimento da obra, admito, do que por uma afortunada (para mim) convergência de interesses: o português Nuno Portas e o argentino Alfredo Garay. 

Nuno Portas

Estudioso incansável do difícil casamento do plano com o projeto, exposto por isso mesmo ao fogo cruzado constante, ainda que de baixa intensidade, entre "projetistas" e "planejadores" da minha vizinhança imediata – além de inspirado palestrante capaz se apresentar em conferências trajando gravatas com mapas de Lisboa –, Portas, convidado por Conde a desenvolver no Rio, dentre outros, o projeto que o próprio convidado batizou de "Sás"[1], lançou-me uma ponte imediata com seu interesse pelo que chamava de “plano do chão”- resquício talvez, dizia, do “urbanismo dos traçados” - um componente primário do processo de desenvolvimento urbano induzido pela intervenção da municipalidade. E se havia na SMU daquela época alguém interessado em "planos de chão", esse alguém era eu.

Em algum momento do nosso divertido convívio na prefeitura do Rio de Janeiro, Portas falou-me de seu incômodo com um insuficiente conhecimento “dessas coisas que se passam embaixo da terra” e de certa nostalgia da época em que os urbanistas eram engenheiros-arquitetos. Eu, que a essa altura já ruminava o urbanismo como disciplina derivada da interação de especialidades como a arquitetura, a engenharia, a economia, a geografia, o direito, a sociologia e outras -logias focadas na cidade, dei-me o direito de interpretar livremente a conjectura do mestre para deduzir, por minha conta e risco, a ideia da emancipação dos cursos de urbanismo das faculdades de arquitetura em prol de uma formação autenticamente profissional - tese que um dia, quem sabe, estarei defendendo neste blog.

Devo a Nuno Portas, que parecia interessar-se não tanto pelos PAs da prefeitura quanto pela minha leitura urbanística das redes de vias públicas, tráfego e transportes do Centro do Rio de Janeiro, a indicação para, por conta do camaleônico “Plano Estratégico” então em voga na cidade, passar uma agradável semana de trabalho na Plaça Reial de Barcelona acompanhando a feina arquitetônica de Oriol Bohigas e sua equipe a produzirem um projeto para a Frente Marítima da Praça XV, cujo resultado mais visível, único talvez se não me engano, foi o redesenho viário da Rua 1º de Março à altura do Edifício Garagem Menezes Cortes.

Em homenagem a Nuno Portas, e também porque na vida de urbanista a realização, mesmo que parcial, de uma ideia pode ser um momento raro, eu faço questão de chamar a bem-sucedida praça pública por ele proposta ao redor da Estação Estácio do Metrô do Rio de Janeiro, junto ao "Teleporto" da Cidade Nova, de “Parque Teleportas”, trocadilho que espero estar à altura da ironia subjacente ao título "Projeto Sás".  Tenho guardado, em algum lugar, uma ou outra folha de papel A3 contendo desenhos, gráficos, comentários e esquemas analíticos seus para o projeto, como lembrança dos bons tempos em que o urbanismo me parecia uma atividade relevante e factível para profissionais municipais que desejassem exercê-lo, em todos os níveis, independentemente de sua adesão a alguma máquina político-eleitoral. Eu ainda estava na prefeitura do Rio quando essa ilusão se desfez.

Alfredo Garay
Alfredo Garay, que a bem da verdade pouco conheci, era uma presença que eu não precisava dos olhos para detectar: bastava-me apurar os ouvidos e registrar a sua inconfundível risadinha de Pica-Pau. 

O cartão de visitas o qualificava simplesmente como Urbanista, o que para mim foi uma grata revelação: admito que sempre me incomodou ser chamado de arquiteto sem jamais ter desenvolvido um único projeto nem executado qualquer obra. O mais importante, porém, foi que, num ambiente que me parecia obcecado pelo afã de legislar, Garay se me afigurou uma espécie de mago do desenho urbano executado sobre o visor da calculadora financeira.

Abordando em grande escala, sob o conceito “piezas de ciudad”, o que me pareciam ser problemas da mesma ordem dos que eu me dedicava pacientemente a resolver na prefeitura do Rio - lote a lote, quadra a quadra, licença a licença, batendo a toda hora na porta dos advogados da Procuradoria e dos avaliadores da Fazenda -, as aulas e palestras de Garay que tive ocasião de presenciar consolidaram em meu espírito a ideia de que o manejo ou gestão pública dos elementos constitutivos do que chamamos “tecido urbano”, considerados como bens de uso e direitos portadores de valor público e privado, constituía o núcleo, senão do urbanismo em geral, certamente da administração urbanística da cidade contemporânea. Mais do que projetista e construtor de cidades, ou pedaços de cidade, o urbanista haveria de ser um misto de designer, gerente, negociador e, eventualmente, árbitro de conflitos no processo de re-construção de "pedaços" do contínuo territorial e ambiental público-privado com vistas à obtenção de seu máximo valor público - digamos, uma cidade boa, bonita e barata para todos. 

As exposições de Garay me faziam pensar que a olímpica indiferença do urbanismo modernista - fonte inequívoca da nossa obsessão em classificar, quantificar e separar os usos do solo - pelo cômputo dos valores tangíveis e intangíveis envolvidos em cada decisão de plano e projeto, a começar pela designação dos próprios usos, era uma total alienação da realidade e, mais importante, um desperdício de recursos e  oportunidades para a coletividade.

Infelizmente, devo admitir, esta foi uma descoberta tardia: muito antes que pudéssemos criar, no Rio de Janeiro e creio que no Brasil, uma geração de urbanistas públicos capacitados a integrar a mobilização da renda do solo na sua rotina profissional, a maré planetária do Grande Projeto Urbano - que teve, na América Latina, o próprio Garay como um de seus grandes teóricos e artífices -, parece ter começado a aristocratizar esse conhecimento e promover a progressiva internalização de seus frutos na contabilidade das concessionárias e empreiteiras. Mas nem por isso deixei de divulgar e recomendar, a todos os que queriam se aprofundar no tema, um texto seminal de sua autoria, em papel, intitulado se não me engano“El Montaje de una Gran Operación Urbana”. Devemos todos lamentar que os responsáveis pelo "Porto Maravilha" não o tenham lido ou que, se leram, não lhe tenham dado trela. Tornarei, um dia, ao assunto.

O fato de concordar em boa medida com as críticas de alguns urbanistas, argentinos principalmente, a Puerto Madero, não modifica em nada a minha admiração por um de seus principais mentores e realizadores. Para bem e para mal, assumo perante o meu parco círculo de leitores que, durante alguns anos, o meu “sonho de consumo” como urbanista era colaborar com Garay, ainda que na qualidade de aprendiz. Tendo descoberto, na época, a literatura de Joseph Conrad pelas páginas de O Agente Secreto, habituei-me a parodiar mentalmente a figura de Garay - com divertido exagero - sob o epíteto aliterativo “O Urbanista Perfeito”. À pesquisa, leitor!

Eu escalaria a priori no meu time “Urbanismo Plano, Projeto e Gestão Futebol Clube” outros craques que tive a felicidade de conhecer, uns mais de perto, outros muito de passagem: o portenho Eduardo Reese, professor rigoroso, mas incrivelmente suave apesar da expressão sanguínea e da enfática voz de trombone, o circunspecto madrilenho Jose Maria Ezquiaga, de quem ouvi a intrigante sugestão de que talvez fosse útil escrevermos uma enciclopédia dos nossos fracassos urbanísticos, o barcelonês Josep Roca, especialista em valor urbano, e o enciclopédico García Bullido. Existem, com certeza, muitos outros, mas minha limitada vivência na área não os alcança.

Deixarei para outra oportunidade – porque já faz parte de outro contexto de vida e trabalho – falar sobre o indispensável aprendizado “pós-urbanístico” que fiz com os professores – urbanistas, economistas, urbano-economistas e juristas – da rede do Lincoln Institute of Land Policy.  Por ora, digo somente que eles me fizeram perceber a constrangedora incompletude de uma formação de urbanista que não incluía sequer um esboço de economia urbana nem noções mínimas de como se forma o valor do solo e como funcionam o negócio e o mercado imobiliários. (Felizmente para mim, tráfego e transportes eu já estudara e noções de direito administrativo eu fora obrigado a adquirir, como que por osmose, no dia a dia da SMU).

Em suma, o urbanismo nunca foi, para mim, a arquitetura da cidade, ainda que a incluísse. Como minhas ambições não são as do meu a-certa-altura-ícone Ildefons Cerdà[2] e isto é apenas a memória de um urbanista blogueiro, não o tratado de um teórico, eximo-me da tarefa bem mais difícil e arriscada de tentar desenvolver e afirmar conclusivamente o que penso que ele é. Vai ver meu amigo planejador é quem tinha razão. De todo modo, reconheço que, naquele então, trabalhar na prefeitura do Rio de Janeiro com plantas cadastrais, papel-manteiga, lapiseira, canetinhas coloridas, traçados viários, ruas, praças, quadras, lotes, servidões, afetações, usos, edificabilidades, valores, avaliações, contrapartidas e, sobretudo, gente batendo na minha porta pedindo solução para os seus problemas, foi uma bênção. Era como se, depois de anos e anos de embasbacado estupor com os modelos de localização industrial metropolitana que rodopiavam à minha volta - suportados por sofisticada matemática, mas mapeados, lembro-me bem, com colagens de cópias xerox e os inevitáveis pilots – eu estivesse, finalmente, caindo na real.

2011-09-10


[1] Projeto de Revitalização do Entorno das Avenidas Salvador de Sá, Mem de Sá e Estácio de Sá, 1998 - para quem não sabe, os Sás foram expoentes da política colonial portuguesa no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro.
[2] Engenheiro de caminhos e urbanista catalão responsável pelo plano de extensão e reforma (Plan de Ensanche) da cidade de Barcelona, autor da frase "a cidade é um porto entre dois caminhos".

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Porto Maravilha, o trem-bala e o trambolho


Passei muito tempo viajando por aí, numa época em que os aviões estavam fora do alcance do meu bolso ou não voavam para os lugares aonde eu ia. Foi assim que estabeleci com as estações rodoviárias do Brasil certa relação de intimidade e empatia. (Hoje, eu e a classe C – que não creio ser média, como se apregoa, mas mediana – vamos nas asas que já foram da Panair).

Longas horas de estrada podem ser mentalmente relaxantes, até mesmo criativas, para quem curte a paisagem da janela – vales, montanhas, casebres, igrejolas e povoados – com o espírito que governa a ruminação das vacas e dos cabritos. E não importa quão mixuruca, toda estação rodoviária é, para um estradeiro contumaz, “um porto entre dois caminhos” – como disse da própria cidade o urbanista criador do ensanche de Barcelona, Ildefonso Cerdà, num momento de enlevo progressista.

Essa prosa mambembe me veio à mente no dia 17 de junho, quando o Globo online informou que “A Rodoviária está fora da revitalização do Porto” porque sua área, “inserida no subsetor C3 na legislação, prevê gabarito de 150 metros e construção de até 50 pavimentos”. Um portento! 

Na liça ou à beira do urbanismo, não é de hoje nem de ontem, caro leitor, é de muitos anos que defendo a mudança da Rodoviária Novo Rio para algum lugar servido pela Linha 2 do metrô – de preferência Coelho Neto, que é contíguo à Av. Brasil – e por uma razão muito simples: uma corrida de táxi do Gasômetro a Bangu sai mais caro que uma passagem do Rio a Salvador! E não precisamos de estatísticas para saber que a imensa maioria dos usuários da Rodoviária está nas classes C e D e mora nos subúrbios – basta ir lá de vez em quando e observar.

Já há mais de 30 anos o Terminal do Tietê, localizado no entroncamento da Avenida Cruzeiro do Sul com a Marginal, permite que quem chega a São Paulo de ônibus siga viagem por metrô ao seu destino ou até bem perto dele. No Rio, nem é bom falar da “integração” que puseram a operar certa época: um microônibus que dava voltas e mais voltas para chegar à Estação do Estácio, mais ou menos o tempo que o passageiro levava para fazer passar sua carcaça por uma catraca concebida, com toda certeza, para impedir a passagem das malas que trazia consigo. Azar o dele, quem manda desembarcar cheio de malas na Estação Rodoviária? 

Embora garantisse que a rodoviária vai para Irajá, a matéria não nos dava vislumbre algum das vantagens dessa mudança e das características da futura estação. O terreno do DNIT na entrada da Rodovia Presidente Dutra é uma localização aparentemente óbvia, e uma proposta antiga, mas com um grave problema: lá não tem metrô nem avenidas urbanas. Será que vão fazer um ramal do metrô até lá dentro? Dá até para resolver de outra maneira, mas não é tão simples quanto dizer, vagamente, que tudo será resolvido “com a construção das vias Transoeste, Transcarioca e Transolímpica de corredores de ônibus expressos”. Como se o governo Paes-COI tivesse, de fato, algum plano para a cidade! 

De todo modo, é preciso exigir que a futura Rodoviária seja mais fácil e barata de acessar e de sair do que a que temos hoje, tendo em conta a geografia da cidade inteira e o lugar de residência da maioria dos usuários. No embalo, a Novo Rio poderia ser convertida em terminal de integração de ônibus metropolitanos e municipais, de acesso controlado, devolvendo o terreno ocupado pelo terminal (!) Pe. Henrique Otte, como praça pública, aos moradores do Santo Cristo e, em especial, aos frequentadores regulares e eventuais do Hospital de Oncologia. 

Adivinhe, porém, o leitor: por que razão a matéria nada dizia de relevante sobre o futuro da Estação Rodoviária? Ora, porque seu tema era o futuro do Porto! Que importância tem, afinal, a Estação Rodoviária para este novo endereço empresarial e olímpico? A julgar pela matéria, a resposta é: tirem esse trambolho do meu Porto Maravilha! (Deus do céu, quem escolheu esse nome ridículo?) Afinal, os transportes terrestres valorizam o parque imobiliário na razão direta da renda de quem os utiliza e na razão inversa de seu impacto, digamos, sócio-ambiental. 

E o mais especioso, a matéria tampouco mencionava o fato de a rodoviária estar sendo objeto de uma considerável reforma interior, com investimentos de sabe-se lá quantos milhares de reais que, direta ou indiretamente, são dinheiro público – ou alguém acha que concessionárias de serviços públicos investem o que ganham para prestá-los?

Não deu outra: no mesmo dia, a concessionária veio a público dizer que é contra a mudança porque tem feito muitos investimentos, até mesmo “não contratuais”, no terminal. Não nos iludamos, porém. A concessionária não está preocupada com seus investimentos pela simples razão de que eles, de uma forma ou de outra, não são seus, e o que havia para se ganhar com essas reformas já foi ganho. Acho mais provável que ela estivesse apenas avisando, para quem quer e sabe ouvir, que a liberação do equipamento que opera por concessão do Estado talvez custe um pouco caro. 

Ou seja, na melhor das hipóteses esqueceram de avisar à CODERTE, a companhia estadual responsável pelo terminal, que não seria boa política investir num equipamento público situado na linha de fogo do Porto Maravilha, um vez que o Porto, para ser Maravilha, não pode ter Rodoviária. Estações de metrô são bem-vindas, de trem-bala seria perfeito, mas, terminais de ônibus, em hipótese alguma! 

Pode ter certeza, leitor: no final, quem pagará a conta dessa lamentável confusão será você. Ou, pensando bem, não. O leitor típico de À beira do urbanismo não pagará a conta porque no bairro onde ele mora, como no meu, serviços de qualidade sempre chegarão, mal ou bem, a tempo e a hora. A conta será daqueles que só receberão daqui a pelo menos uma geração, se é que um dia, os equipamentos e serviços que poderiam ser custeados com o dinheiro que se esbanja nessas patuscadas olímpicas. 

2011-07-06

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Cidade da música: Mambo da Cantareira (1960)

Na época em que Gordurinha trouxe a público o Mambo da Cantareira
,  incorporando para sempre à sua figura de humorista e cantor a criação de Barbosa da Silva e Eloíde Warthon, trabalhar em Madureira e morar em Niterói era, ainda mais do que hoje, uma combinação “origem-destino” um tanto improvável. Na matriz O-D IplanRio de 1995 (PTM), Niterói e Madureira aparecem como os mais importantes bairros/municípios geradores de viagens diárias e zonas de destino dentre as mais concorridas, depois do Centro, mas com pouquíssimos deslocamentos entre si.

Como, porém, estamos falando de poesia urbana, não de planejamento ou ciência, só nos resta reconhecer que a rima do Mambo da Cantareira é tão feliz e exata que é como se os milhares de niterioenses que atravessam diariamente a Baía de Guanabara pegassem o trem da Central na Praça XV e desembarcassem, em tropel, no calçadão de Madureira.

Inventor do samba-rock com “Chiclete com Banana” e autor de obras muito populares no terceiro quarto do século passado, como “Súplica Cearense”, “Baiano Burro Nasce Morto” e “Orora Analfabeta”, Valdeck Artur de Macedo, o Gordurinha, que era baiano e magro, na verdade nunca morou em Niterói: tinha casa em Belford Roxo, ex-distrito de Nova Iguaçu hoje transformado em município, um lugar urbano que já teve fama de excepcionalmente violento.

Faroeste de mito ou de verdade, Belford Roxo é a expressão acabada da periferia metropolitana do Rio de Janeiro, da qual Madureira, a mais importante estação suburbana da cidade, é uma espécie de portal; e o Mambo da Cantareira uma sátira plangente e carnavalesca, afiada como um bisturi, das atribulações de seus residentes, obrigados a grandes deslocamentos diários que, hoje como há 50 anos, tomam-lhes uma parte substancial do tempo da sua vida.

Estação da Cantareira, incendiada em 1959
Neste caso particular, o trem da Central, personagem de tantas criações artísticas cariocas, dá lugar a uma raríssima aparição do transporte marítimo metropolitano na figura da antiga barca da Cantareira. 

Foco de uma importante revolta urbana em 1959, a Cantareira (já sob o controle acionário da Frota Barreto) desapareceu, e com ela as suas antigas embarcações, substituídas na década de 1970 pelas lanchas da STBG e mais tarde pelas grandes barcas da CONERJ, batizadas com os nomes de bairros da classe média e alta do Rio de Janeiro e Niterói - Gávea, Ipanema, Urca, Icaraí e Santa Rosa. 

Se dependesse de Gordurinha, Barbosa da Silva e Eloíde Warthon, elas com certeza se chamariam Barreto, Olaria, Belfort Roxo, Caramujo e... Madureira!

Para os leitores  não familiarizados com a geografia do Rio de Janeiro


Para saber mais sobre Gordurinha, acesse

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Espelho meu: existe apartamento menor e mais caro do que eu?

Uma gentil amiga se sentiu tão bem representada pelo artigo “O traseiro da TV e o lucro imobiliário”, publicado neste blog em 7 de junho, que me mandou por e-mail um enfático depoimento de quem busca um imóvel para comprar na zona sul do Rio de Janeiro.
"Pedro, adorei o seu artigo sobre o tamanho dos apartamentos. O layout das salas é agora limitado a um único sofá e um rack com tv LDC/plasma. O quarto só cabe a cama, a cozinha tem bancada de 1.20m e a área de serviço não cabe um armário. Em Copacabana está inviável a classe média adquirir um imóvel decente: apartamentos de 3 quartos giram em torno de assustadores R$ 900.000,00. Pense, quase um milhão. Considerando uma renda de R$ 5.000,00 e uma prestação de R$ 1.000,00 por mês (ainda teria uma entrada...) seriam necessários 75 anos para pagar o financiamento do imóvel. No final de semana passado, fui a um lançamento imobiliário no Rio 2: apartamentos de 160m² - um bom tamanho, mas nada luxuoso - comercializados por R$ 1.000.000,00!
Valorização imobiliária como temos visto no Rio de Janeiro só é boa para os incorporadores. Nem mesmo para quem tem um imóvel isso é positivo. Você viu uma reportagem n’O Globo que indicava o Rio como uma cidade mais cara que Paris? Onde vamos parar?"
O mais divertido, porém, caro leitor, foi ela dizer que os apartamentos decorados de demonstração têm... espelhos em todos os cômodos!

Sabem o que passou, como um raio, na minha lúbrica imaginação? Claro, pois deve ter passado também na de quase todos vocês. Leitores argutos que são, no entanto, o segundo reflexo há de lhes ter trazido à mente, agora pelos motivos certos, as mesmíssimas primeiras palavras: que sacanas!

Para que não acusem, a mim e à minha amiga, de subjetivismo, impressionismo, catastrofismo e outros ismos disponíveis, eu lhes apresento o resultado de uma rápida  pesquisa que fiz com dados do SECOVI publicados todos os domingos no caderno Morar Bem de O Globo.

Espantem-se à vontade, mas cuidado com queixo, pois o chão tem andado um pouco frio.

2011-06-17

terça-feira, 14 de junho de 2011

Na hora H, nem Niterói nem Nova York vão poder fugir pro México


Carros-pipa que se revezam a semana inteira no abastecimento de estabelecimentos comerciais e conjuntos residenciais, falta de  energia  recorrente, monumentais alagamentos a qualquer chuvinha, canais assoreados e malcheirosos a céu aberto, bueiros entupidos, ruas com greide  equivocado, sarjetas com vistosas poças de água parada, imensos engarrafamentos de tráfego, semáforos com jeito de sucata, intervenções urbanas mal-acabadas, porcos e porquinhos vadios passeando tranquilamente pelas calçadas – e uma construção civil em ritmo desenfreado, com edifícios de 20 pavimentos e taxas de ocupação do terreno de 90-100% : de que lugar estou falando?

Da zona mais valorizada de Niterói!

O leitor me perguntaria: e o que você está fazendo aí? E eu responderia: primeiro, você já viu os preços dos imóveis nas zonas mais centrais e bem-servidas do Rio de Janeiro? Segundo, a Zona Sul de Niterói tem qualidades muito interessantes que às vezes até parecem  compensar – já não sei por quanto tempo, é verdade – a precariedade de suas infra-estruturas e serviços urbanos. Terceiro, eu sou da terra, "rola um afeto".

Depois de uma meia-vida me esforçando para evitar a tentação do catastrofismo, declaro-me incapaz de não pensar que esta cidade, tal como o planeta em que vivemos, tem um encontro marcado com a hora da verdade. Uma hora, não vai mais dar pé. E de nada adiantarão os remédios amargos empurrados goela abaixo daqueles que tradicionalmente pagam a conta. Dito de outra forma: saquear e abandonar a Zona Norte já não será suficiente para sustentar a Zona Sul – pela simples razão de que esta será em si mesma, e definitivamente, insustentável!

Aí, alguma coisa radical terá de se feita e não será, com certeza, fugir pro México!

Niterói tem fama de cidade com excelente qualidade de vida – para os padrões brasileiros, é claro. Mas eu ainda desconfio seriamente, tanto quanto intuí 20 anos atrás, que isto tem muito menos a ver com a qualidade de seus governos do que com o fato de a historia e a geografia terem-na beneficiado, especialmente a partir da Ponte Rio-Niterói, com uma população de renda relativamente alta concentrada num território absolutamente pequeno. A imensa maioria dos pobres de Niterói mora do outro lado da divisa municipal, ao passo que uma considerável parcela (metade? um terço? um quarto?) da sua população reside num quadrado de 1 km2 de alta renda e densidade ainda mais alta chamado Icaraí. Ou seja, Niterói tem um potencial de receita/despesa bastante favorável em termos brasileiros. E mesmo assim, a qualidade dos serviços públicos é péssima!

A Zona Norte... bem, a Zona Norte, como sempre, tem muita gente que de dia trabalha duro e longe de casa para ganhar o estritamente necessário e à noitinha sai para as ruas, praças e botecos para comprar, vender,  conversar, beber, batucar, viver a vida que há para viver. Mas não tem nem placa de rua! Aí a gente se pergunta: que destino o município dá ao seu IPTU,  um dos mais altos – e adequados, creio eu – do Brasil?

Aproveito para observar que o site da prefeitura é nota zero em estatísticas. É claro, se eu fosse um cientista saberia onde encontrá-las. Mas sou apenas um cidadão comum. O cidadão comum da era da Internet tem o direito de encontrá-las no saite da prefeitura. O cidadão trabalhador não tem de ser um cientista para poder se informar sobre como é governada a sua cidade, o seu Estado, o seu país! Informação pública, gratuita, relevante e fidedigna é obrigação básica de qualquer governo. É democracia. Na vida pública, não tem essa de "confidencialidade". O governo do Rio de Janeiro, por exemplo, tem a obrigação de explicar, muito bem explicadinha, a conta dos Jogos Olímpicos de 2016. Ou não tem?

E por falar nisso, leitor, as estatísticas da Prefeitura do Rio de Janeiro, que não faz muito tempo eram um exemplo para o Brasil e a América Latina, estão também em estado lamentável. Deve ser a entropia...

Resumindo: com infra-estrutura e serviços urbanos tão precários, será que é um bom negócio para Niterói a Outorga Onerosa do Direito de Construir da maneira como é aplicada? Tem sentido cobrar, pelo direito de construir, valores à primeira vista substanciais à custa, porém, de uma expansão enlouquecida do parque imobiliário da cidade, em evidente desacordo com a capacidade de seus serviços urbanos? Quem calcula, e quem controla, o parágrafo do Estatuto da Cidade que diz que os índices construtivos máximos não podem ultrapassar a capacidade das infra-estruturas?

Afinal, a Outorga Onerosa é recuperação ou doação das mais-valias do solo urbano? Sim, ela pode e deve ajudar o município a ser o “sócio silencioso" do negócio da renda fundiária, mas não há de ser assaltando a fábrica de chocolate e dividindo o butim à base de "um delicado pra mim, três delicados pra você"!

Voltaremos ao assunto.

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Fontes das fotos:


2011-06-14


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Grandes Projetos Urbanos: Puerto Madero, segundo Corral e Cuenya 2010

Publicado em EURE vol 37 no 111 maio 2011 pp. 25-45
por Beatriz Cuenya e Manuela Corral, out 2010

Empresarialismo, economía del suelo y grandes proyectos urbanos: el modelo de Puerto Madero en Buenos Aires
El Clarín 27-12-2005
Ilustração acrescida por à beira do urbanismo 

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(..) Además del principio de recomponer la imagen de la ciudad para atraer capitales (rasgo recurrentemente mencionado en la literatura sobre el tema), el eje clave y peculiar que orienta el empresarialismo en los grandes proyectos se ubica en el proceso de producción de esta nueva geografía urbana. Los grandes proyectos urbanos son una herramienta de creación y captación de rentas y ganancias, cuyo montaje exige una articulación entre actuaciones inmobiliarias, actuaciones urbanísticas y desarrollo constructivo, a cargo del sector público y los agentes privados. Hay un encadenamiento entre las siguientes cuatro operaciones: i) el fraccionamiento de grandes extensiones de tierras públicas desnudas o casi vacantes, ii) la comercialización de las parcelas resultantes bajo nuevas normas urbanísticas, iii) la construcción de edificios de alta gama y iv) la posterior venta de los inmuebles a usuarios de elevado poder adquisitivo. La naturaleza de estas actividades y su encadenamiento abren al sector público y a los agentes privados involucrados la posibilidad de capturar las plusvalías y ganancias que se generan, precisamente, por efecto de los cambios urbanísticos notables que tienen lugar en el área. 
Desde cierta óptica, la combinación de recursos públicos y capitales privados es considerada una estrategia empresarial innovadora a la que acude el sector público para financiar el desarrollo urbano en épocas de crisis presupuestaria. Pero también es claramente una estrategia especulativa.
Como advierten los expertos en el mercado del suelo urbano, cuando los terrenos pasan de un uso a otro que es superior y/o aumentan su capacidad de edificación, suben rápidamente sus precios y se crean las condiciones propicias para prácticas especulativas orientadas a capturar esos incrementos de valor del suelo. Dos tipos de prácticas especulativas pueden ponerse en práctica en los grandes proyectos urbanos: la “especulación pasiva”, también llamada “especulación del suelo”, y la “especulación inductiva” o “especulación inmobiliaria” ( Jaramillo, 2003; Topalov, 1984). La primera es ejercida por los propietarios del suelo, que disponen el suelo (o lo compran) antes de que se generen los aumentos de precios y, sin realizar ninguna acción productiva, lo venden luego, apropiándose de las plusvalías. En los grandes proyectos el primer rol corresponde típicamente al Estado nacional en tanto propietario mayoritario de grandes extensiones de tierras que quedaron desafectadas de sus usos previos (ferrocarriles y puertos) y que se ponen a la venta para usos jerárquicos. El otro tipo de especulación es ejercida por actores capaces de generar externalidades que inciden en el precio del suelo dentro de ese espacio. Esta especulación es típicamente ejercida por dos tipos de agentes: i) los promotores/desarrolladores que compran el suelo a precios de un uso que arroja rentas moderadas y luego de su acción transformadora venden el espacio construido con los precios que corresponden a ese nuevo uso jerarquizado, es decir, con rentas superiores ( Jaramillo, 2003, p. 59)4 ; ii) el gobierno local, que invierte en obras de infraestructura para acondicionar el suelo y aprueba normativas asignando nuevos usos y coeficientes constructivos.
El Estado despliega los dos tipos de especulación que afectan al mercado del suelo. Sin embargo, hay una distinción que es muy importante advertir: los distintos roles que cumplen el Estado nacional-propietario y el Estado local-promotorregulador condicionan la legitimidad de las políticas que se llevan adelante. Hay un consenso bastante amplio entre especialistas y académicos en este sentido: mientras las prácticas especulativas de propietarios pasivos deben ser penalizadas, inhibidas y/o grabadas fiscalmente, las actuaciones públicas del gobierno local invirtiendo en obras de infraestructura y aprobando normativas urbanas que valorizan el suelo deben tener una contraparte fiscal que puede y debe ser utilizada en beneficio de la comunidad. Las herramientas de captura de plusvalías, contempladas en las legislaciones más avanzadas de América Latina (como en Brasil y Colombia) se apoyan precisamente en la idea de que el gobierno local debe recuperar en beneficio de la comunidad al menos una parte de los beneficios que capturan los terrenos por efectos de obras públicas y normativa urbana. Los grandes proyectos ponen a la luz la paradoja de que sea el sector público el que cumpla estos dos roles.
(Continua)
2011-06-10



terça-feira, 7 de junho de 2011

O traseiro da TV e o lucro imobiliário


Apesar de paulatina e inexorável, a diminuição do tamanho dos apartamentos nas grandes cidades é uma fonte permanente de novos espantos. Anos atrás, o mundo se estarreceu com a notícia de que os trabalhadores do centro de Tóquio moravam em armários embutidos.

Por aqui, ainda não chegamos a tanto. Ajudada, porém, pela tecnologia e design de fogões, geladeiras e armários modulados, a indústria da incorporação imobiliária vem conseguindo nos convencer, década a década, ano a ano, das inúmeras vantagens de uma vida cada vez mais “prática” e “econômica” em espaços cada vez mais exíguos.

Na minha rua foram recém lançadas unidades de dois quartos, sendo um de 10m2 e outro de 8m2, ao preço de R$ 3.000,00 o m2 privativo. Nos apartamentos de classe média de hoje em dia, é difícil ter uma estante de livros. Espera-se que você os leia pelo computador, de preferência num cubículo anexo ao “espaço-gourmet”!

A redução da metragem das unidades residenciais é uma das formas clássicas do aumento da parte do lucro imobiliário que atende pelo nome de renda da terra. Ela e a construção em altura compõem o capítulo da economia urbana intitulado “Modalidades da intensificação do uso da terra urbana”. 

Salvo mudanças súbitas das normas de uso e edificabilidade e outros tipos de benefícios públicos, é difícil imaginar um salto de rentabilidade imobiliária tão espetacular quanto aquele proporcionado pela introdução das TVs de plasma e LCD. Em poucos anos, a largura típica dos cômodos foi reduzida de 3,00m para 2,70 e os sofás ganharam em comprimento e, sobretudo, onipresença. Já não há poltronas laterais: a sala de estar do apartamento típico é agora um largo corredor com um único sofá de frente para a teletela* onde a família se enfileira para assistir à imensa variedade de opções de entretenimento proporcionadas pelo Grande Irmão, o  Mercado: as novelas, o Jornal Nacional, o futebol das quartas e domingos, o Faustão e o Big Brother em pessoa, disfarçado de Pedro Bial.

O moderno apartamento compacto de sala e dois quartos (1 suite) para a demanda “não social” tem 72m2 de área privativa, com um “módulo social básico” (sala de estar e 2 quartos) de aproximadamente 9x4m. Multiplicando-se os 4m de largura por 3 faixas de 0,30m poupadas pela plástica radical operada no traseiro dos aparelhos de TV, temos uma economia de 3,60m2 por apartamento. A cada 20 apartamentos, a TV de plasma dá ao incorporador 72m2, vale dizer uma unidade inteirinha, um acréscimo de receita de 1/20 (5,0 %) em seu Valor Geral de Vendas (VGV)! Considerando para apartamentos do padrão aqui comentado cotas de terreno na faixa de 15-30%, temos que o aumento de rentabilidade proporcionado pelas TVs de plasma e LCD pode variar entre 0,75% e 1,50% do VGV.




Num lançamento de 2010 próximo à minha casa (não estranhe, leitor, eu vivo num bairro-cenário do espetáculo do crescimento nacional!), os apartamentos têm área média de 73,80m2, o m2 privativo é vendido a R$3.870,06 e o VGV soma R$23.935.000,00 – dados do incorporador. Aplicando o percentual de 1,50% (compatível com o preço do m2), eu estimo que a rentabilidade da poupança dos novos aparelhos de TV soma, neste empreendimento, R$359.025,00, o equivalente ao preço de venda de 1,28 unidade-tipo. 

Aplicando o mesmo raciocínio, com a taxa mínima acima descrita de 0,75%, ao VGV total das empresas ADEMI informado para o ano de 2008 no Rio de Janeiro, (ver postagem anterior) obtemos um acréscimo de lucro imobiliário (em renda da terra), atualizado para dezembro de 2010, da ordem de 30 milhões de reais!

Ocorre-me uma pergunta: neste nosso estranho mundo em que o acesso à terra – um bem natural e irreprodutível, tão essencial à vida quanto o ar, a água e a energia – depende de que o usuário pague a totalidade de seu excedente de consumo ao detentor do direito de propriedade, e em que empresas de um país adquirem direitos econômicos sobre a diversidade biológica de outro, seria de estranhar que o cartel dos eletroeletrônicos cobrasse “direitos de externalidade” ao cartel das imobiliárias que ganham milhões com a extinção do traseiro gordo dos aparelhos de TV?

Acho que vou patentear essa idéia sob o nome de “recuperação privada da valorização da terra” (“recuperación privada de plusvalías”, em espanhol). Até já comecei a soprar nos ouvidos do Grande Irmão a justeza intrínseca do princípio liberal: “Toda externalidade privada será compensada”. Em breve, estarei mais rico do que o Carlos Slim e o Eike Batista juntos!

2011-06-07
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* Aos leitores mais jovens que porventura desconheçam o termo  teletela eu recomendo a leitura da  novela  futurista 1984, do escritor britânico George Orwell (1903-1950).

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Quanto o Rio de Janeiro NÃO arrecadou com a Outorga Onerosa do Direito de Construir (2003-2008)

O direito de construir não é gratuito.

Esta afirmação talvez surpreenda os meus leitores não iniciados em matéria urbanística. A eles eu dedico esta postagem, a primeira de uma série sobre o tema. A promulgação da Lei Federal 10.257 de 10/07/2001 (Estatuto da Cidade) sacramentou a prerrogativa das prefeituras brasileiras de cobrar uma contrapartida no licenciamento de construções que intensifiquem o uso do solo além de certo limiar, sobrecarregando as infra-estruturas e promovendo a sobrevalorização da terra. Nisto consiste, essencialmente, a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC).

Vários municípios brasileiros já aplicam a OODC, capturando valores relevantes para aplicação (obrigatória) em obras de urbanização e habitação popular. Muitos, porém – talvez a maioria – ainda não o fazem, mesmo quando o instituto está previsto em seus Planos Diretores, ao passo que outros o aplicam com valores irrisórios. Em parte isto se deve à resistência ativa dos incorporadores-proprietários de solo, sobre os quais recai o ônus da contrapartida, e passiva de governantes e legisladores interessados em não desagradá-los. Penso, porém, que em parte isto se deve também às insuficiências do próprio Estatuto da Cidade, um tanto vago na especificação das obrigações municipais e, sobretudo, omisso em relação às sanções pelo seu não cumprimento.

Uma das mais brilhantes e tenazes defensoras do instituto em todo o Brasil, a jurista Sônia Rabelo, hoje vereadora pelo PV, observou recentemente em sua página na Internet [1] que, enquanto o município de São Paulo arrecadou, entre 2005 e 2009, mais de R$ 400 milhões com a OODC para aplicação em melhorias urbanas, o Rio de Janeiro se limita, até hoje, a uma “previsão de aplicação [de alcance meramente] marginal”.

A prefeitura do Rio tem anunciado que o custo das obras de infra-estrutura e urbanização da zona portuária será coberto pela venda de Certificados de Potencial Construtivo Adicional – CEPACs, uma modalidade de OODC em que os recursos são antecipados e obrigatoriamente gastos no mesmo perímetro de sua captura. Abordaremos o tema oportunamente.

Nada justifica, porém, o atraso histórico na implantação da OODC no Rio de Janeiro, aprovada pelo Plano Diretor Decenal de 1992 para aplicação à totalidade do solo municipal sujeito a intensificação de uso residencial e comercial.

Com base em dados ADEMI de lançamentos imobiliários e preços de venda médios por m2 no período 2003-2008 e em parâmetros - bastante conservadores - de contrapartida por m2 privativo vendido (3,75%)[1], eu estimo que o município deixou de arrecadar, nesse período, um mínimo de R$ 691,2 milhões, o equivalente ao preço total (construção + terreno) de 13.554 unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida em dezembro de 2010. (Quadro)

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Se aplicados parâmetros de rentabilidade por empreendimento mais próximos da realidade e preços de Outorga Onerosa condizentes com a prática padrão de repartição por igual da renda fundiária excedente ao coeficiente básico = 1, o valor da contrapartida poderia mais do que duplicar. 

Estamos falando, portanto, de uma forma implícita de renúncia fiscal em benefício da propriedade fundiária, de inteira responsabilidade dos poderes executivo e legislativo municipais. 

O interesse desta página pela OODC ultrapassa, porém, em muito, o potencial fiscal desse instituto. O seu manejo teórico e prático envolve um sem-número de problemas de gestão urbanística, mercado imobiliário e economia urbana. A OODC é, por isso, um excelente veiculo para o debate sobre a formação e repartição da renda do solo urbano, um dos principais temas de interesse deste escriba e desta página.

Em postagens futuras procurarei abordar algumas dessas dimensões, de um modo que seja ao mesmo tempo esclarecedor para o leigo interessado, útil para o estudante e estimulante para o debate entre urbanistas e pesquisadores.

2011-05-23

[2] (Para os iniciados) Supondo que toda a construção do período tivesse CA=2, CA básico=1, valor da Outorga Onerosa igual à metade da renda acrescida pelo CA excedente e todos os empreendimentos iguais ao modelo menos rentável que o mercado sanciona (custo total=70%PGV, TMA=15%PGV, Renda da terra=15%PGV). O seja, OODC=0,25*0,15*PGV.    

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O Maracanã em pó e o capitalismo do desastre


Meus poucos, porém fiéis leitores interessados em temas urbanísticos hão de achar enfadonha a minha insistência no tema dos jogos olímpicos e pan-americanos.

Não os culpo. Eles estão cobertos de razão. 

Montagem:Àbeiradourbanismo
Peço-lhes apenas considerar a possibilidade de que não se trate de uma obsessão particular, mas, digamos, de um reflexo profissional e cidadão em face da obsessão dos homens públicos que, democraticamente encarapitados nos três níveis de governo, decidiram que organizar Jogos Olímpicos e Copas do Mundo nos termos ditados pelo COI e pela FIFA é um bom negócio para o nosso país e as nossas cidades. Eles não fazem contas (deixam para que os Tribunais de Contas tampouco façam), só cálculos...
 


A Olímpiada, à primeira e segunda vista um objeto lateral ao urbanismo, é há pelo menos duas décadas a filha dileta do casamento da indústria internacional dos grandes eventos com a gestão urbanística guiada por princípios de livre mercado. Em breve postarei um artigo dando meu testemunho de como e porque, em meados da década de 1990, essa perspectiva foi abraçada pela prefeitura do Rio de Janeiro, sob o nome de “Plano Estratégico”, como solução para o baixíssimo nível de investimento público e, portanto, de desenvolvimento da cidade.

Fato é que, enquanto eu cogitava a próxima postagem de À beira do urbanismo – e traduzia uma coletânea de artigos curtos sobre as melhores bandas de pop e rock da última década (recomendo a Dirty Projectors, em especial “Cannibal Resource” e a celestial “Two Doves” na voz doce e sussurrante de Angel Deradoorian) – uma nova pérola pan-olímpica caiu rolando no meu widescreen.

Em 13-05 o jornal online Lancenet informou que os Jogos Panamericanos de Guadalajara de 2011 acusavam um déficit de 70 milhões de dólares. Até aí, nenhuma novidade. O que me chamou a atenção foi a declaração do presidente do comitê organizador, Carlos Andrade Garín: “O governo tem avalizado os jogos e o que faltar terão (sic) que nos dar. Já não estamos pensando em quanto dinheiro falta, mas de quanto precisamos”. O mesmo artigo atribui o buraco financeiro dos Jogos “à recusa do Congresso Federal de conceder 1,75 bilhão de pesos de subsídio extraordinário”.

Três vivas ao Congresso Federal mexicano! Afinal, por que dar subsídios extraordinários a um mega-negócio privado cujos custos e benefícios públicos ninguém – a começar pelo Caderno de Encargos do COI – faz a menor questão de sequer estimar? O legado! Ah, o legado! O legado da reforma do Estádio do Maracanã e do Parque Aquático Julio Delamare para o Panamericano de 2007 no Rio de Janeiro é... a montanha de entulho da  completa demolição de ambos para a construção de um novo estádio para a Copa do Mundo de 2014! Dinheiro público literalmente transformado em pó. Inspirado em Naomi Klein, pensei, que extraordinária lição de “capitalismo do desastre”: onde a natureza recalcitra, o governo arbitra!

Impossível não dar asas a este tema fascinante. À parte o conteúdo esportivo sem o qual não poderiam existir – estamos falando de espetáculos de primeira linha (até já reservei o melhor lugar do meu sofá) –, os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo pertencem a um ramo transnacional da economia dita de livre (!) mercado (!) muito pouco discutido e menos ainda compreendido.

Não tenho a pretensão de cobrir tal lacuna: faltam-me o conhecimento e o tempo necessário para adquiri-lo. Mas quero compartilhar com os leitores algumas idéias, semana a semana, ainda que à custa de me afastar totalmente de nosso objeto.

A mera intuição me diz que tudo isso guarda certa relação com os sucessos a que o ex-Economista Chefe do Banco Mundial Joseph Stigliz, em seu recém publicado livro sobre a debacle financeira de fins de 2008, O Mundo em Queda Livre, se refere como “O grande roubo americano” (Capítulo 6): a transferência de centenas de milhões de dólares dos cidadãos estadunidenses, a fundo perdido, para o salvamento dos grandes apostadores da roleta financeira em que se transformou o mercado imobiliário do país.

Como, ao contrário de nossos eternamente narcisistas irmãos do Norte, não creio que esta classe de roubo se resuma aos Estados Unidos nem seus beneficiários a Wall Street, sugiro em nosso caso uma série chamada, à moda dos escritos científicos do século XVII, “A pilhagem globalizada dos tesouros nacionais por certas classes de negócios privados que têm livre acesso aos cofres públicos”.

Em alguma postagem futura falarei também sobre um aspecto correlato, verdadeiramente orwelliano (outra vez!), dos Jogos modernos: a recente tentativa do Comitê Olímpico Brasileiro de monopolizar o direito de uso das expressões “Olimpíadas”, “Jogos Olímpicos” e seus derivados. Acreditem, é verdade.

Retornando ao ponto de onde começamos, sou forçado a admitir que muitas dessas postagens não caberão, nem com muita boa vontade, no plano temático de À beira do urbanismo. É para dar asas a tais  digressões que levanta vôo esta velha e autêntica obsessão particular – agora sim! – chamada Uma estranha e gigantesca ave sobre Barcelona. Os leitores poderão se informar sobre suas enigmáticas aparições e acompanhar minha busca por seus rastros em www.avebarna.blogspot.com.br.
 
À beira do urbanismo seguirá seu caminho, atendo-se na medida do possível ao objeto para o qual foi criado, à sombra do misterioso fenômeno mediterrâneo. Salve, monstro!


2011-05-16

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Caio Martins, Niterói: Sede olímpica da construção em altura?

DESDE QUE VOLTEI a residir em Niterói, minha cidade natal, há cerca de dezoito meses, não parei de intrigar-me com o destino no Complexo Desportivo Caio Martins, onde passo todos os dias a caminho de casa.

Ocupando o equivalente a quatro quadras na região mais valorizada da cidade, o Caio Martins é um estranho conjunto esportivo com um ginásio circular e uma piscina olímpica onde quase nada de relevante acontece e um estádio de futebol semi-abandonado cuja maior serventia talvez seja proporcionar, com seus longos muros e arquibancadas projetadas sobre a calçada, o abrigo e privacidade a que têm direito, como qualquer um de nós, os sem-teto que a habitam cronicamente – não me espantaria que os atuais fossem desabrigados do Morro do Bumba ainda à espera de uma solução.

O contraste é evidente, uma vez que ao redor do Caio Martins a cidade se renova ao preço de até R$ 6.000,00 o m2 residencial construído, com intensidades de ocupação que chegam a atingir os absurdos índices de 5, 6 e até 7 vezes a área do terreno.

A mim, que sou amante de quase todos os esportes e, por razões que não cabem neste artigo, convicto adversário da indústria olímpica mundial e brasileira, nunca me assaltaram dúvidas sobre o imenso potencial do Caio Martins como equipamento público desportivo. O mesmo não se pode dizer, ao que parece, dos homens públicos, para-públicos e privados que ganham montanhas de prestígio e sabe-se lá que caudais de dinheiro como gerentes, propagandistas e sanguessugas do grande sonho olímpico nacional de 2016.

Trago bem vivas na memória as épicas batalhas de futebol de salão que opunham, para delírio de suas torcidas, Liceu x Salesiano, Figueiredo Costa x Instituto Abel e outros clássicos dos jogos estudantis niteroienses da década de 1960. Talvez por isso, como ex-profissional de planejamento urbano e governamental me pus a imaginar cenários, excessivamente otimistas talvez, em que a prefeitura, a universidade e os estaleiros locais bancavam equipes de vôlei, basquete e futebol de salão para, a exemplo dos atuais Petrópolis de futsal e Macaé de vôlei, disputar as ligas nacionais tendo o Caio Martins como seu “ginásio de mando” – criando, de quebra, uma boa alternativa noturna nesta cidade onde a diversão quase que se resume (menos mal) a comer fora.

Podem-se imaginar infinitos cenários. Não há sequer contradição entre a valorização imobiliária do bairro e o pleno funcionamento de um grande complexo esportivo, bastando que um plano gerencial ousado se faça acompanhar de um projeto arquitetônico e urbanístico que transforme o Caio Martins num lugar bonito, eficiente e atrativo: em vez de um estádio de futebol inútil, campos de pelada, quadras de tênis e pistas de skate com ciclovias, calçadas largas e passeios arborizados, além de cercas vivas e fechamentos semi-transparentes onde houver necessidade.

Eis, porém, que o cacoete de urbanista foi obrigado a dar lugar àquilo que, desde o início, era em mim uma sombria intuição: dias atrás, o saite do jornal O Dia anunciava a iminente venda do Complexo Esportivo Caio Martins, em Niterói, pelo Botafogo de Futebol e Regatas – sim, o Glorioso Botafogo de Heleno, Quarentinha, Garrincha, Nilton Santos, Didi, Gérson e Jairzinho.

O erro da matéria era evidente. O Botafogo não poderia vender o Caio Martins pela simples razão de que este não lhe pertence, apenas lhe serve por concessão do Estado do Rio de Janeiro. Talvez relegada a algum “buraco da memória” orwelliano, a matéria não é mais encontrada pela ferramenta de busca do saite, mas as que lá estão dizem com todas as letras de quem é o sinistro desígnio:


Rio - O Complexo Esportivo Caio Martins, em Niterói, vai acabar. O governo do Estado venderá o conjunto, formado por estádio de futebol, ginásio e piscina olímpica. O comprador poderá demolir as instalações e usar o terreno para construir prédios: terá apenas que fazer equipamentos esportivos para a comunidade. (O Dia, 16-04-2011)

Socorram-me juristas e advogados, mas creio que pelas regras do direito administrativo um bem de uso especial – seguramente o caso do Caio Martins – não pode ser vendido pelo Executivo estadual sem ser desafetado desse uso pela Câmara dos Deputados. Ora, vender o velho presídio da Rua Frei Caneca, na região central do Rio de Janeiro, para implantar um grande projeto habitacional de interesse social é exatamente o oposto de vender um grande complexo esportivo de interesse social para transformá-lo em mais um paliteiro residencial de (relativo) luxo no centro de Icaraí!

A palavra está, pois, com o Ministério Público, mas também com o Tribunal de Contas, ao qual cabe zelar pela correta administração e destinação dos bens do povo sob a guarda do Estado, e à Câmara dos Deputados, que tem a oportunidade de, ao menos uma vez na vida, exercer a vontade soberana do eleitorado fluminense: já está em curso um movimento popular contra esse esbulho.

Não podemos, todavia, esquecer o prefeito e a Câmara Municipal de Niterói, aos quais cabe uma grave responsabilidade pois QUEM REGULA OS USOS E EDIFICABILIDADES DE CADA QUADRA DA CIDADE REGULA AO MESMO TEMPO... O VALOR DA TERRA, que, neste caso, o Estado proprietário quer vender! Há vagas para figurantes neste filme, no papel de vendilhões do templo. Alguém se candidata?

De minha parte, rogo ao grande Zeus do Olimpo o mesmo destino dos companheiros de Odisseu na morada do Cíclope para todos os hipócritas públicos e privados que contribuírem, ativa ou passivamente, para perpetrar este hediondo crime de lesa-cidade e lesa-esporte em nome do interesse geral e da boa marcha - quem há de duvidar? - do negócio olímpico nacional.

“O oráculo me soprou que Caio Martins, o escoteiro-padrão do Brasil, vai levar a Tocha Olímpica!” (Agamênon)



2011-04-27 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Cidades novas no Brasil: Erechim


FÜNFGELT Karla, História da paisagem e evolução urbana da cidade de Erechim – RS. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004.
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/88190/211966.pdf


2011-02-15


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Fodidos e mal pagos

Deu no El País
02-01-2011, por José García Montalvo
Devolver el piso y saldar la hipoteca

https://www.dailymail.co.uk/news/article-2897562/When-poverty-meant-poverty-Impoverished-Victorians-revealed-photographs-workhouse-residents-eating-dinner-coffin-beds-inside-shelter.html  


Desde hace bastantes meses, el endeudamiento de algunas economías europeas, incluyendo la española, está bajo la atenta mirada de los mercados. Los casos de países pequeños como Irlanda o Islandia son bien conocidos. En el caso español, el endeudamiento total sobre el PIB, en torno al 350%, está en el medallero del mundial de grandes economías, detrás de Japón (470%) y Reino Unido (490%). Sin embargo, hay diferencias importantes en la composición de dicho endeudamiento: mientras en Japón es la deuda pública la que pesa como una losa, en el Reino Unido la mayor contribución corresponde a las instituciones financieras. En el caso español, el endeudamiento de empresas no financieras ocupa la primera plaza de las grandes economías. Solo países con mucho menor peso económico, como Irlanda o Portugal, están por encima. Del endeudamiento de las sociedades no financieras, una parte corresponde a la financiación de grandes multinacionales españolas. Sin embargo, otra parte está enterrada en el sector inmobiliario español. Esta es la parte preocupante. (..)

La cuarta fórmula para hacer frente al sobreendeudamiento hipotecario es la dación en pago: devolver la vivienda y saldar la deuda. Asociaciones de consumidores, movimientos sociales, etcétera, proponen esta medida. Incluso Convergència i Unió (CiU) llevó hace unos días esta propuesta al Pleno del Congreso de los Diputados, encontrando la oposición frontal del grupo socialista. En la actualidad, los productos hipotecarios en España son generalmente préstamos personales con garantía hipotecaria. Esto quiere decir que si el cliente no puede pagar y devuelve una vivienda cuyo valor de mercado es inferior a la deuda (según Standard & Poor's, esto ya sucede en un 8% de las hipotecas españolas), aún debe la diferencia. No parece conveniente cambiar las reglas del juego a estas alturas para las hipotecas ya concedidas. Si los contratos incluyen cláusulas abusivas, hay que denunciarlas, pero la condición básica del contrato es clara y conocida. (Continua)

2011-01-03