quarta-feira, 25 de março de 2020

Apontamentos: Villaça 2001 - a ordem espacial intraurbana

Estes apontamentos são parte de um processo de estudo compartilhado. À beira do urbanismo está à disposição dos autores cujo trabalho aqui se comenta para suas considerações.

Última edição 30-05-2025

Espaço Intra-Urbano no Brasil
Flávio Villaça, FAPESP São Paulo 2001

A maior virtude de Espaço Intra-Urbano no Brasil, de Flávio Villaça (1929-), objeto de várias reimpressões desde a sua publicação em 1998, é ter muito mais do que começado a preencher, no que respeita às grandes cidades brasileiras, o vácuo investigativo identificado pelo autor no capítulo 2, oportunamente intitulado “Espaço intra-urbano: esse desconhecido”.

Respondendo ao seu próprio desafio, o urbanista, geógrafo e planejador Villaça desenvolve uma minuciosa e competente análise comparativa de natureza histórica e geográfica, profusamente documentada, dos processos de estruturação /reestruturação socioespacial de seis das maiores conurbações metropolitanas brasileiras - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre. Sua premissa inicial é que
por terem sido produzidas pela mesma formação social, pelo mesmo Estado e no mesmo momento histórico, nossas metrópoles devem apresentar importantes traços comuns de organização intra-urbana. [p. 113]
A hipótese principal de Villaça é a de que as opções de localização residencial dos estratos sociais de alta renda são os principais determinantes, a médio e longo prazos, da estrutura espacial das metrópoles. E por envolverem privilégios de acessibilidade ao centro metropolitano em uma sociedade profundamente desigual, tais opções acarretam o agrupamento desses estratos em setores circulares urbanos bem definidos ao longo de um pequeno número de vetores radiais. Donde a afirmação, na abertura do capítulo que inicia o estudo das localizações intraurbanas (4 - Direções de expansão urbana):  
“A partir deste capítulo, a expressão setor será sempre empregada no sentido de setor de círculo, analogamente àquele empregado por [Homer] Hoyt”. [p.69]
Estruturas básicas comparadas
das 6 metrópoles em estudo com
base no diagrama de Hoyt (p.115)


A adoção do clássico diagrama de setores circulares de Hoyt [1939] como ferramenta comparativa das estruturas básicas das metrópoles estudadas consolida a dívida de Villaça para com esse autor, cujo modelo, diz ele, embora menos famoso e difundido que o da expansão em círculos concêntricos (Burgess 1925), tem maior "correspondência com a realidade” [p113]. Tornaremos à questão em postagens futuras especificamente dedicadas aos "modelos de estrutura urbana".

À parte o fato de Hoyt ter escrito meio século antes, a mim não surpreende, como ao próprio Villaça, que as investigações desse estudioso do mercado de imóveis, publicadas sob o título Estrutura e Crescimento dos Bairros Residenciais nas Cidades Americanas, tenham “chegado a conclusões semelhantes às suas” [p. 317]. Embora a análise de Villaça abranja, como requer o estudo da organização espacial urbana, todos os usos e funções, seu indiscutível ponto de partida é, como já dito, o poder de preempção locacional das camadas de média e alta renda, força motriz do mercado de compra-venda de imóveis residenciais novos e semi-novos cuja dinâmica espacial motivou a pesquisa de Hoyt. Com a pertinácia de um sabujo, Villaça desenvolve boa parte de seus sub-temas farejando e capturando a expansão e o deslocamento espacial dos complexos financeiros, comerciais e administrativos da cidade, aí incluídos subcentros e shopping centers, na direção apontada, ou requerida, pelos segmentos sociais que chama de “as burguesias”. 

Num plano mais geral, a mera aplicabilidade do diagrama de Hoyt, convincentemente demonstrada por Villaça, implica que as metrópoles brasileiras de 1990 têm "importantes traços comuns de organização intra-urbana" não apenas entre si, mas, a despeito das consideráveis diferenças, também com as grandes cidades norte-americanas de 1940. Tampouco admira porque, ainda que no âmbito de outro Estado e em momentos históricos distintos, elas são, afinal, produto da "mesma formação social" e suas forças motrizes.

Fincadas as principais balizas e esclarecido que as metrópoles em estudo são entidades espaciais definidas não por limites institucionais, como as Regiões Metropolitanas, mas pelo critério fático da conurbação, Villaça põe em campo o seu vasto domínio da história e geografia das cidades-objeto para desenvolver sua análise comparada seguindo uma abrangente lista de tópicos: 
os processos de conurbação
a estrutura urbana básica
as direções de expansão urbana [1]
os setores industriais 
os bairros residenciais de alta renda
os bairros residenciais das camadas populares
os centros principais
subcentros e shopping centers
A estes Villaça agrega dois capítulos especificamente dedicados ao tema da segregação espacial, inquestionável substrato sociológico da obra que emerge, ao final, como eixo principal e corolário teórico de toda a discussão, como que a justificar intelectual e politicamente o seu esforço.
Nossa tese é a de que, para as metrópoles brasileiras - e quase certamente também para as latino-americanas -, a força mais poderosa (mas não única) agindo sobre a estruturação do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação diferenciada das vantagens e desvantagens do espaço construído e na segregação espacial dela resultante. Esta, como será mostrado, é uma condição necessária para o exercício da dominação por meio do espaço intra- urbano. [p.45]

*

Assoberbado com o desafio de apreender o arcabouço teórico e metodológico de obra tão extensa e complexa, deixo para uma próxima oportunidade a tarefa muito mais leve e prazerosa de esmiuçar os capítulos acima listados, que para mim são o seu cerne, sua razão de ser e principal repositório de suas qualidades. São eles que fazem de Espaço Intra-Urbano no Brasil um marco, e obra de referência, nos estudos urbanos em nosso país. Agora dedicado a temas de história e geografia urbana, À beira do urbanismo com certeza irá honrá-lo com referências, citações e diatribes cada vez mais frequentes. Detenho-me então, por um momento, em aspectos da obra que, a meu juízo, merecem reparos.
 
O primeiro deles é de natureza histórica. Mesmo aceitando a advertência, à pg. 80 (Cap. 4 - Direções de expansão urbana, que abre o estudo das localizações intra-urbanas), de que o objeto da obra “não é o processo de urbanização, mas o de estruturação do espaço intra-urbano”, chama a atenção que a transição da cidade colonial-imperial para a metrópole capitalista só mereça de Villaça um brevíssimo parágrafo do capítulo 8, na seção dedicada ao exame dos bairros residenciais das camadas de alta renda no Rio de Janeiro.
Em meados do século 19 ocorre um período de transição na produção do espaço urbano carioca, que coincide com um período de transição na sociedade - de patriarcal, escravocrata e colonial, para capitalista, com uma nova estratificação social, uma nascente burguesia e classe média urbanas. Essa transição e a nova espacialização urbana foram mais claras e pioneiras apenas do Rio, onde inclusive os transportes coletivos se difundiram bem antes que nas outras metrópoles; foi marcante também nas outras duas grandes cidades brasileiras da primeira metade do século 19: Salvador e Recife. Em São Paulo e Porto Alegre, então muito pequenas, essa transição foi bem menos notável. [p. 160]
Elude-se, desse modo, uma cadeia de fenômenos que me parecem cruciais para o estudo da estruturação intra-urbana: o advento do mercado de bens imóveis e serviços urbanos - um ciclo expansivo qualitativamente distinto que, embora limitado em face do que ocorre na Europa e EUA, modifica radicalmente tudo o que a cidade brasileira era até então. Embora mencione que desde 1892, quando Copacabana e Ipanema já se encontravam loteadas, “o binômio companhias de transporte e exploração imobiliária já “estava de olho” nas terras de “além-Leblon e Gávea” [p.176], Villaça não desenvolve, para nenhuma das metrópoles estudadas, o tema incontornável do mercado de lotes urbanos pericentrais, associado ou não às concessionárias de transporte urbano, e da construção residencial para venda ou aluguel.

Essa omissão pode estar relacionada ao fato de que, na obra de Villaça, a disputa pela primazia na escolha do lugar de moradia é restrita às camadas sociais "de alta renda" e "populares", tomando-se o mercado de localizações como uma derivação imediata, quase um simulacro, da luta de classes tal como concebida pelo autor. O certo, porém, é que a indústria da urbanização - loteamentos, construção para venda e aluguel, concessões de serviços públicos - supõe, desde muito antes da moderna incorporação imobiliária e da “massificação da demanda” [p. 184] típicas da segunda metade do século XX, a ascensão de uma nova classe média urbana formada por pequenos-burgueses, principalmente (lojistas, artesãos, especialistas, funcionários graduados, oficiais militares), mas também trabalhadores qualificados cujos excedentes salariais aos gastos de subsistência da família lhes dá acesso aos mercados de terras e aluguéis. Sem ela, é impossível sequer conceber a notável onda de expansão suburbana das primeiras décadas do século XX em todas as grandes cidades brasileiras. 

Sob este ponto de vista Villaça ficou a dever, em seu rol de capítulos, um que fosse dedicado aos “bairros residenciais das camadas de média renda”. 

O segundo é de natureza sociológica: a persistente confusão das categorias ‘estrato social’ e ‘classe social’, em prol do pernicioso reducionismo acima referido. Para Villaça, nas metrópoles brasileiras tudo converge para o conflito entre dois grandes grupos sociais ora ditos “burguesias" e "camadas populares", ora setores de "alta renda" e "baixa renda", ora "ricos" e "pobres", ora "vencedores" e "derrotados" da competição espacial. Sua matriz sociológica aparece assim resumida: 

As expressões camadas de alta renda e burguesias foram utilizadas como sinônimos. Por burguesias entende-se tanto a pequena, média e alta burguesias como as burguesias industrial, mercantil ou financeira. Quando houve necessidade de separar classes dentro desses grandes conjuntos, utilizaram-se expressões como alta burguesia e classe média. (..) Consideramos que num trabalho da amplitude deste (..), as diferenciações entre esses conceitos poderiam ser minimizadas sem prejuízo da análise. [p.14]

Se é certo que a ascensão da burguesia capitalista no Brasil recém saído da escravidão acentuou o fosso social existente entre os mais ricos e os mais pobres, criando desde a origem contrastes e conflitos urbanos que chegam aos nossos dias, não menos certo é que a urbanização de mercado e a organização socioespacial que dela emerge compreendem um espectro de faixas de rendimento familiar que abrange todas as classes sociais: capitalistas, latifundiários residentes na cidade, (restos da) aristocracia, pequena burguesia urbana e trabalhadorado. 

A existência, em nossas metrópoles, de grandes bolsões
periféricos, centrais e pericentrais excluídos do mercado imobiliário formal, bem como de enclaves urbanos mais ou menos nitidamente segregados pela raça, etnia, nacionalidade e classe social, não nega o fato de a organização socioespacial urbana ser primordialmente determinada pela poder de oferta de renda das famílias pelo solo-localização. Quaisquer que sejam suas particularidades, a ampla penetração das leis do mercado imobiliário também nas favelas e periferias sub-urbanizadas é prova eloquente de que processos de diferenciação e estratificação não estão delimitados por fronteiras de classe social.
 
Assim se manifesta no plano da cidade, e não sem múltiplas contradições, a primazia do dinheiro, própria da civilização capitalista, sobre todas as demais determinações, incluída a classe social marxiana. A distribuição socioespacial da metrópole capitalista não se apresenta, como sugere Villaça, como uma dicotomia de ‘vencedores e perdedores da competição especial’. Ao contrário, os perdedores da disputa pelo solo-localização A são vencedores da disputa pelo solo-localização B, os perdedores de B são vencedores em C, e assim por diante, inclusive no interior dos ‘grandes grupos’: proprietários formais, locatários formais e informais em geral. Ou seja, em primeiro lugar vem o dinheiro, vale dizer a oferta de renda - quer estejamos falando de proprietários, adquirentes, ocupantes, inquilinos ou simples usuários de bens e serviços urbanos.

Na moderna metrópole capitalista, a primazia do dinheiro é capaz de operar prodígios sociológicos como transformar, da noite para o dia, marginais saídos das fileiras do lumpesinato urbano em respeitáveis cidadãos com livre acesso à segurança bancária, à nata da sociedade da finança e aos seus bairros economicamente segregados.

Temos aqui um aparente paradoxo: ao mesmo tempo que o advento da urbanização de mercado não pode ser compreendido abstraindo-se a formação e expansão, a partir de meados do século XIX, da pequena burguesia urbana, isto é, da classe social dos pequenos proprietários e detentores de terras, capitais, imóveis e direitos pecuniários, o mercado de bens e serviços urbanos não pode sê-lo senão pela subsunção de todas as classes sociais na determinação mais genérica da classe de rendimentos ou, como preferem os colombianos, do estrato social.

A ideia de que a estrutura socioespacial urbana é um espelho, ou projeção, da estrutura de classes marxiana constitui um obstáculo ao entendimento da metrópole capitalista. A segregação espacial de grupos sociais e usos do solo pela via do mercado intrinsecamente não-competitivo de localizações é o modo normal de estruturação socioespacial da grande cidade contemporânea, que está na base tanto da intervenção recorrente do Estado para eliminar remanescentes ‘indesejáveis’ como zonas de cortiços, favelas centrais, colônias de ex-escravos etc. quanto do desterro 
dos grandes programas habitacionais em localizações distantes e desvalorizadas.

O terceiro é de caráter epistemológico. Dizer, como faz Villaça a respeito de Hoyt, que seu modelo de estrutura urbana “não tem pretensão teórica” é uma contradição em termos. Se Hoyt não tivesse pretensão teórica não teria formulado um modelo: contentar-se-ia em apresentar seus dados e mapas e o leitor que tirasse suas conclusões. Postular um modelo de organização espacial urbana implica reconhecer que o arranjo espacial dos elementos urbanos considerados se repete, ainda que com distintas configurações, no universo das cidades estudadas, ou seja, forma um padrão.

Ao formular seu modelo de organização urbana em setores de círculo, Hoyt converte a sua empiria em teoria - mais ou menos explícita e desenvolvida a depender do apetite, ou do interesse, do autor. Ao abstrair em um modelo uma série de mapas de dados empíricos da localização residencial em n cidades norte-americanas, Hoyt está procedendo a uma generalização, que é o procedimento teórico elementar sem o qual não poderá passar às etapas seguintes, por exemplo a busca das forças geradoras desse padrão. A generalização de resultados empíricos em um modelo é, em si mesmo, uma assunção teórica: um mapa mental a postular que, satisfeitas certas restrições quanto, por exemplo, à época, tamanho, país etc, qualquer cidade há de exibir aquele padrão - hipótese confirmada, aliás, pelo uso que faz Villaça do modelo de Hoyt para as cidades brasileiras.

Se o diagrama de Hoyt, elaborado como generalização de dados de um certo conjunto de cidades norte-americanas na década de 1930, serve ao estudo da organização espacial das metrópoles brasileiras na década de 1990, Villaça está obrigado a reconhecer que, necessariamente, as cidades norte-americanas estudadas por Hoyt têm muito em comum com as metrópoles brasileiras - do contrário seu modelo seria inservível como ferramenta de estudo.

O quarto aspecto é a opção de villaciana de coroar a obra com uma redundante teoria sociológica da dominação de classe por meio da segregação e controle do espaço em lugar de responder, com base em suas próprias pesquisas e formulações, ao problema crucial enunciado na abertura do livro, qual seja, a inadequação, ou insuficiência, das teorias e métodos da geografia espacial, em geral procedentes da tradição dos estudos regionais, à análise do espaço intra-urbano [2].
“Se não há consenso, corrente organizada de pensamento nem investigação empírica sistemática sobre espaço intra-urbano (..); se não há consenso sobre os processos sócio-espaciais intra-urbanos mais importantes (..) se é limitado o material empírico e teórico sistematizado e elaborado sobre espaço intra-urbano, como aceitar para esse espaço processos sócio-espaciais, metodologias, paradigmas ou teorias transplantadas das análises regionais?” [p. 26].
Villaça não dedica mais do que quatro páginas iniciais das 360 do livro ao exame das “especificidades do espaço intra-urbano” relativamente ao espaço regional. Ao invés de extrair de sua sólida base empírica, e de suas análises comparadas, um resumo didático de quais seriam aquelas especificidades - procedimento mais do que razoável num campo que ele mesmo diz ser um "deserto investigativo" -, opta por adiantar a solução do problema com uma exegese vagamente marxista e nada clara do fenômeno da localização, que obviamente tem, como não poderia deixar de ser, um lugar central em todo o estudo. Para Villaça,

“a localização (..) é [o que] especifica o espaço intra-urbano” [p.24].

O problema aqui é que a localização especifica o espaço em geral, quer seja urbano, regional, nacional ou planetário. Exemplificando com elementos de um estudo em curso neste blog, as localizações dos assentamentos de migrantes europeus no Rio Grande do Sul imperial não apenas "especificam" o espaço econômico da província como podem ter sido determinantes para a evolução de cada um como capital metropolitana, cidade agro-industrial ou núcleo turístico. O problema da especificidade do espaço intra-urbano relativamente ao regional seria, quero crer, o de quais manifestações e determinações do fenômeno quintessencialmente geográfico da localização são próprias da, ou críticas para, a organização do espaço intra-urbano em geral e das distintas urbes em particular. A passagem abaixo parece ter esse propósito, mas passa longe de esclarecer, ou sequer de descrever satisfatoriamente, o problema:
para explicar as formas urbanas (..) é indispensável considerar as relações de determinado ponto, ou conjunto de pontos, com todos os demais pontos do espaço urbano. Esperamos mostrar nesta obra que dominam essas relações [sic], que se materializam através do deslocamento dos seres humanos enquanto consumidores e/ou portadores de força de trabalho. É o que em outra obra (..) chamamos de localização pura [p.24].
Ainda que o conteúdo de Espaço Intra-Urbano no Brasil preencha por si mesmo, em ampla medida, a lacuna investigativa apontada pelo autor, e que alguns princípios organizacionais e forças motrizes da estruturação intra-urbana sejam indicados ao longo do livro, Villaça se abstém da tarefa de sintetizá-los, se não em um corpo completo, ao menos em um esboço de teoria e método. Estabelecê-lo como conclusão de seu extraordinário trabalho de análise comparativa seria, a meu ver, a mais relevante contribuição que poderia dar para um campo de investigação que, como ele mesmo afirma em sua revisão bibliográfica, somente Castells dentre os estudiosos do espaço abordou em La Cuestion Urbana, de 1972, mas “abandonou sem deixar seguidores” [p.30].

*

Em busca de terra firme onde apoiar teórica e metodologicamente o estudo da organização espacial intra-urbana, é dos princípios organizacionais e forças motrizes da estruturação da metrópole moderna considerados, ora explícita ora implicitamente, em Espaço Intra-Urbano no Brasil, bem como daqueles que foram, em minha opinião, por ele ignorados, que pretendo tratar na sequência desta postagem a título de aprendizado para mim e contribuição para meus leitores.

Quem sabe no caminho eu atine com as consequências, sobre o resultado da própria obra, de algumas ideias villacianas que me parecem errôneas ou potencialmente enganosas. Cito duas delas, para encerrar, como um convite à reflexão: 

(1) a noção - inexplicavelmente alojada na subseção “Os setores viários / Capítulo 4: Direções de expansão urbana" - de que a terra-localização tem valor equivalente ao 
“tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte" [p.72], 
com os surpreendentes corolários relativos ao seu preço,
"o preço da terra urbana tem dois componentes. Um que decorre do seu preço de produção, e outro que é um preço de monopólio” [p.79], 
"sendo receptáculo de contínua acumulação de trabalho humano criador de valor, a tendência é que o preço da terra urbana sempre aumente" [p.75] 
e à anarquia do mercado de bens e serviços urbanos: 
“Não é possível associar aqui a aglomeração urbana à desordem da concorrência que Marx diz existir na sociedade. Numa visão social mais ampla, as cidades são uma força produtiva e, como tal, trabalham segundo uma lei, uma lógica, e não em desordem” [p.77];
(2) a reafirmação, ao longo do livro e em sua síntese final, do dualismo “centro-periferia” criticado no início, incompatível com a complexidade econômica, geográfica e sociológica do espaço intra-metropolitano brasileiro, presentes no conjunto da obra a despeito de seu método. A mesma dicotomia socioespacial ricos/pobres que se poderia assimilar a um 'modelo de Burgess' que contivesse apenas dois círculos concêntricos, aparece em Villaça, sob uma roupagem mais sofisticada, transposta para o esquema de setores de círculo de Homer Hoyt!
Registra-se (..) [a] inexistência de estudos sobre os aspectos comuns aos espaços urbanos das diversas metrópoles (...) com exceção do fato de todas as metrópoles terem, de um lado, uma área central mais bem atendida por equipamentos urbanos, onde mora uma minoria que participa dos frutos do trabalho social e, de outro, uma enorme periferia excluída dessa participação” [p.11]. (..) “Torna-se cada vez mais acentuada a divisão de nossas metrópoles em duas cidades divorciadas uma da outra - a dos mais ricos e a dos mais pobres e excluídos [p. 311].

2020-03-25 

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NOTAS

[1] A propósito, é surpreendente que Villaça não se refira, em nenhum momento, ao economista e avaliador estadunidense Richard Melancthon Hurd (1865-1941), autor de Principles of City Land Values (The Record an Guide, Nova York 1903), obra pioneira da ciência da organização espacial intraurbana cujo Capítulo IV se intitula, precisamente, “Directions of Growth”.

[2] E não só da geografia: Richardson, para quem “a tentativa de minimizar os custos de atrito” é um “princípio organizacional aplicável às três concepções de estrutura urbana [Burgess 1925, Hoyt 1939 e Ullman-Harris 1945], não dedica ao tema mais do que uma curta seção de sua Economia Regional de 1969. (RICHARDSON, H W [1969], Economia Regional, Zahar, Rio de Janeiro 1975, p.160).



domingo, 22 de março de 2020

Cortiços com serviços

Deu no VC S/A
22-03-2020, por Mariana Poli 

Mais barato do que apê, melhor do que república: hotel para estudantes urbanoides em geral

A dinâmica de “república”, em que universitários dividem o mesmo teto para baratear custos, não agrada a todo tipo de jovem. Muitos, aliás, fogem da ideia de ter de enfrentar cozinha bagunçada, banheiro sujo e desentendimentos com colegas.

É nesse público que aposta a Uliving, empresa especializada em moradia estudantil que acaba de inaugurar um prédio de 11 andares só para abrigar universitários em São Paulo. O edifício, original da década de 70, foi todo adaptado.

Além de espaços compartilhados, como cozinha, lavanderia, sala de jogos e coworking, ganhou 157 quartos. Com cerca de 10 metros quadrados, eles lembram os de um hotel e custam de 1 400 a 2 600 reais mensais — os pais não precisam comprovar renda, apenas pagar o mês adiantado.

Esses valores dão direito a banheiro individual ou compartilhado, cama, armário, escrivaninha, ar-condicionado, frigobar e cota-namorado de três pernoites por mês (se exceder esse limite, o custo é 50 reais por noite). O prédio conta com um gerente de comunidade, responsável por promover a interação entre os moradores, e um staff 24 horas por dia com sete profissionais que se revezam em turnos. (Continua)

2020-03-22

domingo, 15 de março de 2020

Megalópole africana

Deu no Quartz Africa
05-10-2019, por Ndubisi Onwuanyi
The unplanned journey that led Lagos to becoming an overwhelmed megacity

Lagos 1999
Lagos was an orderly urban environment 70 years ago. This was the case from the 1950s, when the city was a federal territory through to the 1960s when it became federal capital – a status it held until 1991.

The foundations of orderliness for any city are planning and management. Lagos had this in place in the early days. The city was governed by an elected Lagos City Council, Nigeria’s oldest, established in 1900. It was governed according to colonial legislation, particularly the 1948 Building Line regulations and the 1957 Public Health Law.

The city was much smaller and was made up of Lagos Island (Eko) which included Ikoyi and Obalende neighborhoods. It was a beautiful environment that featured Portuguese, Brazilian, and British Victorian architecture. Its streets were clean and tree-lined. Urban crime was virtually non-existent.

Governance standards declined when political control of Lagos, and the rest of Nigeria, came under military rule between 1966 and 1979 and again from 1984 to 1999. Proximity of the two capitals – federal and state, respectively—in the Ikoyi and Ikeja neighborhoods of the same conurbation, put more pressure on the city. In the 1970s the city expanded to link up previously distinct areas such as Ikeja, Mushin, Orile, Ojo, Oshodi and Agege. (Continua)

2020-03-15 

domingo, 8 de março de 2020

A chave do tamanho

Deu no Terra Imóveis
04-03-2020, por DINO
Imóveis compactos, rentabilidade expandida
Uma das últimas pesquisas da Secovi-SP mostrou que 58% dos novos apartamentos vendidos em São Paulo mediam menos de 45 metros quadrados.
Afinal, morar em bairros com boa infraestrutura de serviços e ao lado do metrô é uma questão de qualidade de vida para diversos perfis de público, não importando o tamanho da residência.
Já para quem quer investir, podemos apontar as seguintes vantagens: aluguel proporcionalmente mais rentável ao investimento, público variado com alta demanda e maior velocidade de locação ou venda. (Continua)
*  
O efeito da redução do tamanho dos imóveis na rentabilidade do negócio da incorporação é discutido em duas postagens deste blog intituladas "O traseiro da TV e o lucro imobiliário"*, de 07-06-2011, e "O coeficiente de aproveitamento e a valorização do solo"**, de 23-02-2013. Os parágrafos abaixo buscam traduzir esse efeito para a esfera do investimento para fins de reserva de valor, compra-venda ou aluguel.  

O valor de mercado (preço de transação estimado) de um imóvel usado é composto de benfeitoria e fração de terreno (direito à localização). 

Ao passo que a benfeitoria está inexoravelmente sujeita à depreciação pelo tempo e pelo uso, a localização, embora possa desvalorizar-se relativamente a outras localizações, só em situações de degradação urbana sofre desvalorização absoluta, isto é, maior que a da moeda por efeito da inflação.

Significa que quanto maior a proporção do valor de localização (fração de terreno) no valor total do imóvel, maior é a garantia de rentabilidade a longo prazo. 

E a maneira típica de aumentar-se o componente localização (fração de terreno) no preço dos imóveis é a redução da metragem: dado que as localizações urbanas preferenciais são, regra geral, escassas relativamente à demanda, e que o custo de construção por m2 pouco varia com a metragem, a redução do preço do imóvel por efeito da redução da metragem é sempre menos que proporcional à correspondente redução do preço da fração de terreno.

quinta-feira, 5 de março de 2020

O capital no século XXI: precariápolis


Deu na BBC News
05-03-2020, por BBC News
Nigeria housing: 'I live in a floating slum' in Lagos

Imagem: BBC

From above, the Oko-Agbon neighbourhood, in the infamous Makoko floating slum, looks almost picturesque.
Little wooden shacks on stilts sit on top of dark water. 
Imagem: BBC
Residents move from one to another on canoes, calling out to neighbours and friends. Some outsiders have fancifully described it as the Venice of Africa. 
However, get closer and it is a different picture. 
The water is full of household rubbish, including needles and human faeces. There is a suffocating smell of rotten fish hanging in the air. 
Hundreds of people live here in very close quarters and there is little privacy. 
Yet despite these conditions, this has been a refuge for some. (Continua)

2020-03-05


domingo, 1 de março de 2020

Porto dos Milagres

Deu n’O Dia online
08-10-2019, por Rachel Siston
Atração turística pode ser luz no fim do túnel para desempregados

Rio - A mais nova aposta para alavancar o turismo na Zona Portuária do Rio também pode ser uma esperança para os mais de 1,3 milhão cariocas desempregados. A roda-gigante Rio Star, no Porto Maravilha, abriu 80 vagas de emprego diretos e indiretos e, para conseguir um cargo, milhares de pessoas entraram na fila de espera nesta terça-feira. 
(Continua)


2020-03-01