sábado, 28 de dezembro de 2019

Preço e renda do solo: habitação de mercado x Minha Casa Minha Vida - um esboço de interpretação


Terra / DINO 05-12-2019 
https://www.terra.com.br/noticias/dino/imoveis-do-minha-casa-minha-vida-se-tornam-a-bola-da-vez-no-mercado-imobiliario,f2538e5f0c9a0d5f6640cf79bff1deb16vtumv6r.html

Mais da metade do número de imóveis que foram vendidos no último trimestre de 2019 no Brasil estão enquadrados no Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), que divulgou os Indicadores Imobiliários Nacionais. Outro dado apontado é que cresceu de 45,9% para 56,9% a representatividade de imóveis do MCMV sobre o total de lançamentos em relação aos demais padrões imobiliários em relação ao último ano. No estudo Indicadores Imobiliários Nacionais foram analisados dados de 17 das maiores cidades brasileiras e as regiões metropolitanas de 10 capitais.
Com todos os defeitos que lhe possamos imputar, o principal deles a reprodução em larga escala do velho esquema de assentamento de famílias de baixa renda em periferias distantes, escassamente urbanizadas e inapelavelmente mal servidas de transportes públicos, fato é que o programa Minha Casa Minha Vida representa hoje 50% da produção habitacional no país.

Não admira que as contínuas ameaças governamentais de cortar as fontes dos subsídios que o alimentam, ou dilapidá-las em políticas de incentivo ao consumo, venha causando um frenesi de maus augúrios na imprensa em geral e, muito especialmente, nos jornais de negócios; menos, é certo, pelos belos olhos das populações beneficiadas pelo Programa do que pelo olho gordo de incorporadores acostumados a um amplo mercado cativo para seus investimentos.

Espicaçado por aquele número impressionante, decidi - apesar de já ter dado por encerrada a minha contribuição ao tema da recuperação da renda da terra - resgatar e aperfeiçoar um gráfico, por mim mesmo esboçado há algum tempo, que utiliza o método residual dedutivo de avaliação de terrenos, 'espelho' da estrutura econômica dos empreendimentos imobiliários, para representar em um mesmo marco conceitual - o continuum de preços do m2 privativo - a relação entre preço e renda do solo na produção habitacional de mercado e do MCMV.

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Parto do princípio de que o preço do m2 privativo de um imóvel novo equivale à soma 
+ custo total de construção e comercialização 
+ Taxa Mínima de Atratividade (retorno de capital + prêmio de risco) 
+ oferta de renda dos demandantes pela localização urbana (fração de terreno)

O eixo das coordenadas representa os rendimentos líquidos das famílias demandantes de produtos habitacionais (em escala não linear para benefício do grafismo); o eixo das abscissas é uma escala de valores monetários.

A curva azul representa o máximo preço que as famílias estariam aptas e dispostas a pagar pelo m2 privativo dos produtos-localização que a indústria da moradia é capaz de produzir, dividida em dois segmentos: o de mercado, com aspecto similar à dos preços de imóveis novos em qualquer grande cidade em um momento dado; e o subsidiado (juros e/ou construção) pelo programa Minha Casa Minha Vida,
variando linearmente entre zero e o preço mínimo de mercado.  
 
A curva marrom representa o custo total de construção e comercialização do m2 privativo acrescida da remuneração do capital de investimento (Taxa Mínima de Atratividade - TMA), mas não do solo. 

Embora apareça a cada construtor como um custo dado, independente do seu empreendimento, o preço do solo não é outra coisa que a parte dos proprietários, a depender do poder de negociação de cada um, no resíduo dos negócios imobiliários depois de descontados, do provável preço de venda do produto-localização, a totalidade dos custos de construção, incluída a remuneração do capital incorporador. Também em prol do grafismo, tomo como estritamente linear a variação do custo total do m2 privativo dos empreendimentos segundo a qualidade do produto.

A variação dos preços dos produtos-localização muito mais que proporcional aos custos totais de produção é crítica para a indústria da incorporação. Ela é a fonte do sobrelucro, ou lucro excedente ao retorno exigido pelo capital investido no empreendimento, que, por não ter relação com a força de trabalho empregada na produção, mas com o direito à ocupação e uso do solo, chama-se 'renda da terra'. Em cidades onde vigora a Outorga Onerosa do Direito de Construir, este valor, que também é renda do solo e provém da 'obrigação de urbanizar', deve ser descontado do resíduo a ser repartido entre o proprietário e o incorporador. 

A 'linha de corte' da curva de preços corresponde ao valor de venda do m2 privativo abaixo do qual os incorporadores não vislumbram rentabilidade suficiente para investir - salvo se estimulados por um programa governamental de subsídios à oferta ou à demanda; é o valor de venda do m2 privativo mais barato disponível no mercado não subsidiado, capaz de cobrir os custos de construção, o retorno do capital com um mínimo prêmio de risco (TMA) e a mínima renda exigida pelo proprietário do solo. 

Para cada oferta de preço existe no mercado, em dado momento, uma certa quantidade de produto - a terceira dimensão de nosso gráfico para quem se disponha a imaginá-la.

Pressuponho uma relação razoavelmente padronizada entre o preço e o custo total de construção e comercialização dos bens representados no eixo das coordenadas.

O subsídio governamental aos juros do financiamento, agregado como valor presente à capacidade de pagamento das famílias, reparte-se entre o custo total de construção e a renda da terra onde se constrói o empreendimento. Nos empreendimentos destinados às famílias de menor rendimento, a terra é cedida pelas municipalidades, razão pela qual o subsídio se aplica exclusivamente aos custos totais de construção. 

Nas grandes cidades, a Outorga Onerosa do Direito de Construir poderia ser alternativamente interpretada como compensação, paga ao município pela produção habitacional de mercado, ao subsídio federal concedido à produção 'sub-mercado' no âmbito do MCMV, boa parte do qual se converte em renda fundiária nas regiões periféricas.

Para melhor entendimento do Programa MCMV, reproduzo abaixo a descrição das distintas faixas de rendimento familiar tal como apresentada no saite da Caixa Econômica Federal: 

Faixa 1 – Famílias com renda bruta mensal de no máximo R$ 1800,00. Para esse grupo as mensalidades podem ser parceladas em 120 vezes e as prestações são definidas entre no mínimo R$ 80,00 e no máximo R$ 270,00. O imóvel financiado é usado como garantia do financiamento;

Faixa 1,5 – Essa faixa foi recentemente criada e agrupa famílias com renda bruta de até R$ 2600,00 mensais. Nesse perfil as taxas de juros são de 5% ao ano. O prazo para pagamento pode chegar a até 30 anos e o valor do subsídio é de até R$ 47.500,00;

Faixa 2 – Esta faixa reúne as famílias com renda mensal máxima de até R$ 4000,00. O valor do subsídio é de n máximo R$ 29.000,00;

Faixa 3 – Compreende as famílias com renda mensal bruta de no máximo R$ 7000,00. As taxas de juros são diferenciadas.



2019-12-28