2025-08-13
à beira do urbanismo
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
domingo, 3 de agosto de 2025
O VLT de Botafogo e o Metrô Rio-Itaboraí
Diário do Rio 25-07-2025
https://diariodorio.com/estudo-do-bndes-propoe-nova-linha-de-vlt-entre-botafogo-e-leblon-com-20-estacoes-na-zona-sul/
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Montagem: Àbeiradourbanismo |
Ou seja, o sistema de transportes do Rio de Janeiro seguirá sendo um emaranhado de lucrativas permissões e concessões que, tudo considerado, provavelmente sai muito mais caro para os usuários e para o próprio Estado do que se fosse administrado como um sistema único verdadeiramente integrado.
Como escrevi em outra postagem há mais de três anos:
(..) sistemas de transporte urbano em grandes cidades são inapelavelmente deficitários pela simples razão de que a tarifa que cobre seus custos de implantação e operação já não cabe, faz tempo, no bolso da imensa maioria dos usuários. A circulação é a mãe de todas as deseconomias metropolitanas e o subsídio coletivo à mobilização - e ao custo! - da força de trabalho a primeira lei do transporte urbano. (..)A ideia recorrente de que a privatização dos transportes de grande capacidade reduz o déficit é um embuste: os privados não arcam com os custos de implantação e aquisição de material rodante e a fragmentação do sistema gera desarranjos em cadeia que o tornarão ainda mais caro a longo prazo. As concessões são meras oportunidades de gestão monopolista de pedaços da rede e seus componentes - a operação, de preferência - às expensas do conjunto. [2]
Falando nisso, se a IA não serve para otimizar a gestão econômica de sistemas públicos complexos, ainda que deficitários, para quê serve, afinal?
E vamos combinar: por que razão só a Zona Sul tem direito a uma melhoria de transporte patrocinada pelo BNDES e o Ministério das Cidades?
Sim, é verdade. Foi anunciado recentemente pela imprensa o início dos trabalhos para a implantação da Linha 3, ligando o Rio de Janeiro a Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.
Contudo, no saite do Metrô Rio não há qualquer menção a essa linha e esse plano, assim como a nenhum outro. Seus principais links são, muito sintomaticamente, “Relação com Investidores” e “Informações para o Mercado”. O saite da RioTrilhos, instituição que carrega o nome pomposo de Companhia de Transporte sobre Trilhos do Estado do Rio de Janeiro, é uma viagem ao nada.
Mas ficamos sabendo, pelo saite do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE UFRJ, [3] que em 3 de de junho foi lançado o “projeto PRISMA”, descrito como “uma iniciativa inovadora da COPPE/UFRJ que vai dar suporte técnico à implantação da tão aguardada Linha 3 do Metrô do Rio de Janeiro”.
A pergunta é: se não é foi a RioTrilhos, nem o Metrô, nem a COPPE (cuja missão aqui é dar suporte técnico à implantação da Linha 3), quem, afinal, propôs, quem analisou e quem decidiu que a ligação Rio-Itaboraí é o projeto de expansão prioritário do Metrô do Rio?
É por intermédio do jornal O Globo de 08-06-2025 [4] que ficamos sabendo (?) a origem e o percurso desse plano:
“O estudo para a criação da nova linha metroviária, que deverá conectar São Gonçalo, Niterói, Itaboraí e Rio de Janeiro, é fruto de um pedido do governo federal, via emendas parlamentares, no valor de R$ 26 milhões. O valor será repassado em três parcelas, e a primeira já foi encaminhada. O estudo tem prazo de 30 meses para conclusão. De acordo com a Coppe, o projeto busca oferecer uma base técnica para decisões estratégicas sobre o traçado, a viabilidade econômica e os impactos sociais da linha, prometida pelos prefeitos do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e de Niterói, Rodrigo Neves, caso as duas cidades vençam a disputa pela organização dos Jogos Pan-Americanos de 2031. As emendas parlamentares foram encabeçadas pelo senador Flavio Bolsonaro (PL) e envolve mais um senador e quatro deputados federais.”
Dos sofismas do urbanismo Panamericano e Olímpico já falamos muito neste blog. A novidade nesta matéria é dizer, de um modo um tanto capcioso, que o estudo para a criação da Linha 3 provém de "um pedido do governo federal via emendas parlamentares" (!?) cuja procedência só (muito) mais adiante se esclarece: "(..) foram encabeçadas pelo senador Flavio Bolsonaro (PL) e envolve mais um senador e quatro deputados federais".
A única boa notícia aqui é que a seriedade e qualidade técnica do estudo em questão está garantida. Diz O Globo:
“O estudo é coordenado pelo professor Rômulo Orrico, do Programa de Engenharia de Transportes (PET) da Coppe. Questionado sobre o objetivo do projeto, ele comparou a iniciativa a trabalhos anteriores e disse que busca um estudo técnico “que funcione”.
— Sobre o itinerário, por exemplo, levantamos oito estudos anteriores, inclusive um dos anos 1960, do Negrão de Lima (governador do então estado da Guanabara, de 1965 a 1971). Nosso projeto não está preso aos itinerários pensados pelos anteriores. Vamos examiná-los, mas é importante lembrar que a implementação não cabe a nós. A intenção é trazer as melhores informações e análises, e o gestor toma a decisão — diz.
Ele destacou os desafios que o estudo deve enfrentar ao longo dos próximos 30 meses, como o apagão de dados sobre mobilidade e comportamento do trânsito.
— É histórica no Brasil a carência de dados nesse campo. A morfologia das cidades mudou, subcentros cresceram. Duque de Caxias, por exemplo, era uma cidade dormitório nos anos 1970, e veja a centralidade dela hoje em dia. Essas mudanças implicam na necessidade de novos estudos. Vamos lidar com uma cidade complexa. Niterói não é um subúrbio do Rio. A ligação entre Niterói e São Gonçalo, pelos dados do IBGE, é a segunda mais importante ligação intermunicipal do país, quando consideramos origem e destino. Só perde para São Paulo e Guarulhos. Vamos precisar de um baita projeto técnico — reconhece.
Desejo, de coração, boa sorte ao PET COPPE, minha alma mater em matéria de transportes urbanos, nessa empreitada - interessantíssima, mas, dadas as circunstâncias, não menos espinhosa e arriscada.
2025-08-03
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[1] O VLT da Portuária/Centro agora é “tarifa zero”. Por qual razão, ainda não sei. Até há pouco a "tarifa integrada" era um pequeno desconto sobre a soma das duas tarifas, que, salvo engano, continua sendo a regra geral na cidade.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2022/01/transmilenio-quem-vai-pagar-conta.html
https://oglobo.globo.com/rio/bairros/niteroi/noticia/2025/06/08/coppe-inicia-estudo-milionario-para-linha-3-do-metro-que-ligaria-rio-a-niteroi-sob-a-baia-de-guanabara.ghtml
[4] "Lançamento do Projeto da Linha 3 do Metrô do Rio será realizado na COPPE/UFRJ"
https://www.pet.coppe.ufrj.br/index.php/pt/destaques/noticias/2783-lancamento-do-projeto-da-linha-3-do-metro-do-rio-sera-realizado-na-coppe-ufrj
https://www.pet.coppe.ufrj.br/index.php/pt/destaques/noticias/2783-lancamento-do-projeto-da-linha-3-do-metro-do-rio-sera-realizado-na-coppe-ufrj
domingo, 27 de julho de 2025
Nuno Portas, arquiteto e urbanista 1934-2025
2025-07-27
Leia neste blog: “Recapitulando”, 21-08-2014https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2011/09/recapitulando.html
sexta-feira, 25 de julho de 2025
O MCMV e o subsídio público à renda - de incorporação e de aluguel
O Estado de S Paulo 25-07-2025
https://www.estadao.com.br/economia/localizacao-tamanho-do-imovel-interessa-ao-mais-jovem-nprei/
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Montagem: Àbeiradourbnanismo |
Há que considerar, porém, dois aspectos.
Primeiro, o inevitável - a conversão, por intermédio do adquirente, do subsídio ao juro fornecido pela CEF em renda imobiliária nos cofres das incorporadoras - objeto do negócio da incorporação sem o qual não haveria a sua participação no MCMV. Isso torna a cobrança da Outorga Onerosa do Direito de Construir nas faixas superiores da demanda habitacional, para além da elementar ‘obrigação de urbanizar’, uma incontornável política compensatória do subsídio federal (CEF) à renda de incorporação, ainda que em favor dos municípios.
Segundo, o inaceitável - o uso de uma parte substancial do subsídio da CEF aos juros imobiliários para a produção de unidades destinadas ao aluguel rotativo nas regiões centrais das grandes metrópoles, sob a confortável cobertura do adensamento planejado dos corredores de transporte a da “preferência dos jovens por apartamentos compactos em lugares onde as coisas acontecem” - o que significa a conversão (aparentemente descontrolada) do subsídio ao juro destinado às famílias adquirentes em renda apropriada por investidores em moradia de aluguel.
2025-07- 27
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Santos 1959: O centro de Salvador, indústrias
SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 90-93
https://pt.scribd.com/doc/83594926/O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
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Indústrias > 5 operários, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit. |
(..) Em 1955, para 514 estabelecimentos considerados industriais e fábricas em Salvador, 192 se localizavam nos quarteirões centrais. (..) Um total de 3.960 pessoas encontravam-se ocupadas nessas empresas, o que dá uma média de 20, aproximadamente, para cada estabelecimento. Na realidade, somente 159 estabelecimentos contavam mais de 5 operários (414 para a cidade inteira), sendo que a maior parte dos estabelecimentos empregavam entre 5 e 25 pessoas. (..) A grande maioria, tendo menos de 25 operários, são principalmente artesanatos, ligados à vida íntima da cidade. As necessidades diárias e imediatas da população urbana aí são satisfeitas, muitas vezes sem intermediário comercial. São exatamente pequenas fábricas, dispondo de um setor comercial. Tendo acima de 25 empregados, porém menos de 100, encontram-se estabelecimentos cuja atividade os leva a permanecer bem próximos dos quarteirões comerciais ou do mercado. Isso explica por que há uma verdadeira concentração desses estabelecimentos nos quarteirões centrais. Todos os jornais ali estão, bem como 32 das 33 tipografias e editoras, 30 das 41 casas de confecção de vestuário; a totalidade, exceto 3, das fábricas de calçados, as duas de refrigerantes e ¾ das padarias. (..) Essas indústrias, salvo exceções, são sobretudo complementares ao comércio, verdadeiro setor industrial de magazines. Orientam-se segundo as necessidades das casas comerciais, destinando sua produção a um consumo quase imediato, sem constituir estoque nas suas pequenas oficinas. Comumente, a razão comercial dos estabelecimentos que fabricam e dos que vendem os produtos é a mesma. Não é raro que uma loja mantenha, atrás ou num sótão, um pequeno artesanato cujos produtos aparecem nas suas vitrines... O melhor exemplo é o das casas de calçados da rua Dr. Seabra. Essas pequenas indústrias utilizam produtos semiacabados e os transformam para o consumo, ao qual fornecem, então, produtos acabados. (..) A Cidade do Salvador não é uma cidade industrial (..). Esse fato (..) leva à localização, nos quarteirões centrais da cidade, de certas indústrias e artesanatos relativamente numerosos em relação ao conjunto da cidade. (..)”
quarta-feira, 2 de julho de 2025
Santos 1959: O centro de Salvador, bancos
SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2a. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, pp. 89-90
https://pt.scribd.com/.../O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
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Agências bancárias, Salvador 1959 cf SANTOS M, op. cit. |
(..) Os bancos da rede nacional financiam o comércio de exportação e importação, a agricultura comercial e a especulação imobiliária, bem como a indústria, embora em menor escala. (..) Os bancos regionais ou locais, possuindo capitais menores, interessam-se sobretudo pelo comércio, agricultura comercial e especulação imobiliária, que asseguram uma movimentação de fundos mais rápida. (..) Isso explica por que os bancos, ligados estreitamente ao comércio e, consequentemente, 'ao porto, tenham preferido a Cidade Baixa para a sua instalação. Ali os negócios financeiros criam quarteirões fortemente especializados, nas ruas Miguel Calmon, Portugal e avenida Estados Unidos. (..) É na Cidade Baixa que se acham as principais sedes bancárias, enquanto na rua Chile, São Pedro, Calçada e Baixa dos Sapateiros há escritórios secundários, as "agências metropolitanas". (..) O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas, sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas. Novas foram abertas em São Pedro, Baixa dos Sapateiros e Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para acolher um guichê bancário, bem como o fato, já mencionado, da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo por um guichê secundário do Banco do Estado. (..)
domingo, 29 de junho de 2025
Portugal: capitalismo de rendas vs. moradia
The Guardian 25-06-2025
https://www.theguardian.com/commentisfree/2025/jun/25/lisbon-europe-portugal-golden-visa-capital-investors-short-term-rentals
“Over the past decade, Lisbon has undergone a dramatic transformation – from one of the most affordable capitals in Europe to the most unaffordable.
Between 2014 and 2024, house prices in the city rose by 176%, and by more than 200% in its central historic districts. The home price to income ratio, a key indicator of housing affordability, reflects this shift with stark clarity: today, Lisbon tops Europe’s housing unaffordability rankings. This trend extends to the national level. In 2015, Portugal ranked 22nd out of 27 EU countries for housing unaffordability. Today, it ranks first. In a country where 60% of taxpayers earn less than €1,000 a month, finding a rental below that price in the Portuguese capital is only possible if you’re willing to live in 20 sq metres – or less.
To understand how Lisbon reached this point, we need to look back to the years following the 2008 global financial crisis. As part of its shock plan to revive the economy, Portugal embraced a strategy of aggressive liberalisation, aiming to put Lisbon – and the country – on the global map for real estate investment and tourism. (..)”
quarta-feira, 25 de junho de 2025
Santos 1959: O centro de Salvador, comércio
SANTOS M (1959), O Centro da Cidade do Salvador (excerto), 2a. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008, p. 82
https://pt.scribd.com/.../O-Centro-Da-Cidade-de-Salvador
(..) Até o fim do século XIX, todo o comércio se concentrava na Cidade Baixa, daí o nome que guardou até hoje: é o "Comércio" para o habitante de Salvador. O centro da Cidade Alta abrigava as principais funções administrativas e religiosas, tendo uma importante função residencial. O século XX traz uma nova especialização funcional, cada vez mais acentuada. À Cidade Baixa ficou reservada a função de centro do comércio grossista, enquanto encontramos na Cidade Alta o comércio varejista. O comércio varejista divide-se, nitidamente, em um setor de luxo e em um outro pobre, ocupando cada um deles uma zona diferente no interior do centro da cidade. À subida do comércio varejista para a Cidade Alta correspondeu o aumento da população nos bairros exteriores da mesma. Todavia, o sempre crescente número de imigrantes rurais, que gravam os recursos da população ativa, torna impossível um desenvolvimento mais notório do comércio varejista, fato que se reflete na diferença entre seu próprio quadro e o do comércio em grosso. O comércio varejista rico encontra-se nas ruas do coração da Cidade Alta, seguindo as linhas dos transportes coletivos, em direção aos bairros ricos. O comércio varejista pobre ocupa a Baixa dos Sapateiros (rua Dr. J.J. Seabra), artéria principal do tráfego de veículos coletivos que se dirigem aos bairros da classe média e pobre. O comércio varejista de luxo encontra-se principalmente nas ruas Chile, Misericórdia, Ajuda, Carlos Gomes, quase toda a avenida Sete de Setembro e uma parte da avenida Joana Angélica. (..)
quarta-feira, 18 de junho de 2025
quarta-feira, 28 de maio de 2025
Alquiler rotatorio es el nombre del negocio
BBC News Brasil 20-05-2025
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c89ppp1zlgqo
A Espanha solicitou a remoção de quase 66 mil imóveis da plataforma Airbnb por descumprirem as normas para hospedagem turística. A medida ocorre em meio ao aumento dos protestos contra o turismo em excesso, às vésperas da alta temporada. No domingo (18/5), manifestações nas Ilhas Canárias reuniram milhares de pessoas. O ministro dos Direitos Sociais, Defesa do Consumidor e Agenda 2030, Pablo Bustinduy, afirmou que os imóveis em questão "violaram diversas normas relacionadas à habitação de uso turístico".
2025-05-28
domingo, 25 de maio de 2025
Aluguel rotativo é o nome do negócio
Diário do Rio 19-05-2025
https://diariodorio.com/studios-e-unidades-de-ate-50-m%C2%B2-puxam-alta-no-mercado-imobiliario-do-rio/
A preferência dos cariocas por imóveis menores vem deixando de ser uma tendência para se consolidar como realidade no mercado imobiliário. Segundo o Secovi Rio, o Estado registrou o lançamento de 1.667 studios no último período. E o movimento não é pontual. Nos anos anteriores, houve um crescimento de 35% nos lançamentos de apartamentos compactos, enquanto os imóveis com quatro quartos despencaram quase 40%. (..)
De acordo com a Ademi-RJ, cerca de 80% das unidades com até 50 metros quadrados são vendidas ainda na planta — muitas vezes, como opção de investimento para locação. (..)
domingo, 18 de maio de 2025
Péssima notícia, como de costume
Diário do Rio 15-05-25
https://diariodorio.com/construtora-mineira-e-responsavel-pelo-projeto-que-pode-destruir-area-verde-do-centro-do-rio-com-espigao-de-22-andares/
O Centro do Rio segue à beira de perder um dos poucos e mais importantes espaços verdes da região e ganhar um ‘paredão’ que vai ser visto desde o Morro de Santo Antônio. A possível e polêmica construção de um espigão de 22 andares e 720 apartamentos no Buraco do Lume — área localizada na Praça Mário Lago que representa quase 50% de seu tamanho total — tem sido acompanhada de perto pelo DIÁRIO DO RIO. (..) O projeto, orquestrado pela construtora mineira Patrimar, anda gerando uma onda de opiniões contrárias de urbanistas, arquitetos e também do empresariado do Centro. Obtivemos acesso exclusivo à documentação do processo de licenciamento do futuro espigão perante a Prefeitura, revelando falhas e ocultações consideradas suspeitas que envolveriam o projeto. (..)
2025-05-18
quarta-feira, 14 de maio de 2025
Excelente notícia, para variar
Diário do Rio 12-05-2025
https://diariodorio.com/terraco-com-vista-jardins-suspensos-paineis-de-portinari-o-que-encontrar-no-palacio-capanema-que-sera-reaberto-como-centro-cultural/(..) O projeto de revitalização prevê que 60% do prédio seja dedicado a atividades culturais e os outros 40% à parte administrativa. A Fundação Nacional de Artes (Funarte) anunciou planos de transferir cerca de 300 funcionários para três andares do edifício — eles atuavam na antiga sede do órgão na Cidade Nova. O prédio também passa a abrigar áreas da Biblioteca Nacional, do Iphan, do Ibram e da Cátedra Unesco da Casa Rui Barbosa, entre outros órgãos culturais.
Apesar de não ser inteiramente aberto à visitação, boa parte do edifício está acessível ao público, incluindo salas de exposição, áreas comuns e até o espaço reservado à ministra da Cultura, Margareth Menezes, que defende o prédio como um motor da economia cultural do Rio. A ideia, segundo o Iphan, é que as pessoas se apropriem do Capanema, compreendam sua importância histórica e façam dele um espaço vivo. (..)
2025-05-14
‘MEC, marco cívico no.1 do Rio de Janeiro”, 18-05-2022
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2022/05/capanema-joia-da-coroa.html
domingo, 4 de maio de 2025
MCMV, AirBnb, renda imobiliária
UOL JC PE 16-04-2025
https://jc.uol.com.br/colunas/metro-quadrado/2025/04/16/nova-faixa-do-minha-casa-minha-vida-apartamentos-de-rs-500-mil-e-juros-de-10-ao-ano-veja-vantagens.html
Eu não esperava ter atirado tão perto da mosca ao escrever, há algumas semanas, a postagem abaixo reproduzida.
Eu não esperava ter atirado tão perto da mosca ao escrever, há algumas semanas, a postagem abaixo reproduzida.
Só não sei dizer se as noticias que se vinham publicando sobre a crise da produção habitacional para a classe média faziam parte de uma campanha de pressão dos incorporadores para elevar o patamar de rendimento familiar do Minha Casa Minha Vida ou uma antecipação do que já vinha sendo discutido ou negociado com gente do governo.
Fato é que a criação do novo patamar de rendimentos do MCMV veio para servir à faixa do mercado habitacional que os incorporadores deixaram de lado para se ocupar do negócio muito mais rendoso da construção para aluguel rotativo - AirBnb, tipicamente - nos centros e subcentros de negócios, turismo, cultura, entretenimento e vida noturna das grandes metrópoles brasileiras.
Fato é que a criação do novo patamar de rendimentos do MCMV veio para servir à faixa do mercado habitacional que os incorporadores deixaram de lado para se ocupar do negócio muito mais rendoso da construção para aluguel rotativo - AirBnb, tipicamente - nos centros e subcentros de negócios, turismo, cultura, entretenimento e vida noturna das grandes metrópoles brasileiras.
Resta saber se a faixa de mercado deixada de lado - que, como mostra o gráfico abaixo, é a de renda imobiliária* mínima - será totalmente ocupada pelas empresas especializadas na incorporação para o MCMV ou "rachada" com os incorporadores de habitações rotativas trazidos de volta pelo aumento da renda imobiliária proporcionada pelo subsídio aos juros para famílias com rendimentos até R$ 12.000,00.
*
"A renda da terra é a alma do negócio", À beira do urbanismo 19-01-2025
"As publicações do mercado imobiliário brasileiro vêm dizendo há algum tempo que a incorporação não está construindo para a ‘classe média’.
Alegam os juros altos. É certo. Mas não menos certo é que
a) uns estão permanentemente ocupados em construir para o ‘alto padrão’, onde o número de unidades por empreendimento é pequeno, o custo de construção relativamente alto, mas a fração ideal caríssima e a rentabilidade garantida por uma demanda imune às taxas de juros e crises econômicas;
b) outros em construir para o Minha Casa Minha Vida, onde a fração ideal é barata, mas multiplicada por centenas de unidades com custo de construção relativamente baixo, juro subsidiado e demanda garantida, pré-aprovada pelo próprio Estado;
c) e os que construíam para a classe média descobriram a mina de ouro da moradia rotativa pericentral aos velhos e novos núcleos de negócios, que, como bem observa a própria matéria, apesar do tamanho (<30m2) tem o metro quadrado privativo mais caro da cidade - portanto também uma enorme rentabilidade em frações ideais, vale dizer em solo-localização, que é a alma do negócio da incorporação.Desconfio que a classe média que demanda moradia permanente terá de esperar o esgotamento do filão."
2025-05-04
______
* O termo "renda imobiliária" se refere à parte do lucro da incorporação que provém da venda das frações ideais de terreno, cf :
[1] “(..) el presente trabajo se centra en el concepto de capital inmobiliario (capital incorporador) como relación social que, de manera orgânica, articula Estado, constructoras, financieras, etc., para la apropiación de las rentas de la tierra bajo la forma de ganancias; esto es, el proceso de valorización inmobiliaria proveniente del movimiento del capital que invierte en la ampliación de las rentas de la tierra” [SMOLKA M, “Precio de la tierra y valorización inmobiliaria urbana: esbozo para una conceptualización del problema”. Revista Interamericana de Planificación Vol XV, No 60, Dez 1981]
https://drive.google.com/file/d/103newtDPbcUSTym3rnoIlt3WJ6CmYazH/view?usp=sharing
[2] “Artigo 29 - Considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromissa e efetiva a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob o regime condominial (..)” (Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964). (QUEIROZ RIBEIRO, Luiz Cesar, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015
https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/wp-content/uploads/2020/07/Livro-Dos-Corti%C3%A7os-aos-Condom%C3%ADnos-Fechados_2edicao.pdf
quarta-feira, 30 de abril de 2025
Meia verdade
O problema não é se o senhorio é a 'família real' ou qualquer outra.
Tampouco, não custa lembrar, que o laudêmio encareça o imóvel, uma vez que as ofertas de preço já o incluem - como incluem os impostos sobre a propriedade, as 'custas cartoriais' e eventuais despesas de corretagem a cargo do comprador.
Problema é o fato do proprietário e sua linhagem terem direito perpétuo a uma renda - o laudêmio - incidente sobre boa parte do solo do que veio a se tornar o centro urbano de Petrópolis.
É a sujeição da cidade republicana a um instituto jurídico imperial - proveniente de relíquias aristocráticas conhecidas dos historiadores do Direito [1] - que drena para arcas privadas herdeiras da Casa de Bragança parte significativa da receita potencial do imposto municipal sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI).
Leia também, neste blog
“PEC das Praias: O capital no século XXI”. À beira do urbanismo (blog) 19-06-2024, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/06/pec-das-praias-o-capital-no-seculo-xxi.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Enfiteuse
Um caso indiscutível de 'função antissocial da propriedade'.
Na referida entrada "Enfiteuse" da Wikipedia nos deparamos com outra faceta da conservação desse privilégio:
Na referida entrada "Enfiteuse" da Wikipedia nos deparamos com outra faceta da conservação desse privilégio:
O renomado jurista Pontes de Miranda [1892-1979], referindo-se ao Código Civil de 1916, criticava a manutenção da enfiteuse na legislação brasileira:
"O Código Civil conserva a enfiteuse, que é um dos cânceres da economia nacional, fruto, em grande parte, de falsos títulos que, amparados pelos governos dóceis a exigências de poderosos, conseguiram incrustar-se nos registros de imóveis." [11]
2025-04-31
“PEC das Praias: O capital no século XXI”. À beira do urbanismo (blog) 19-06-2024, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/06/pec-das-praias-o-capital-no-seculo-xxi.html
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[1] WIKIPEDIA: “Enfiteuse” 14-05-2024https://pt.wikipedia.org/wiki/Enfiteuse
domingo, 27 de abril de 2025
Cá entre nós ...
The Conversation 16-4-2025
https://theconversation.com/os-sinais-de-greenwashing-nos-preparativos-urbanos-de-belem-para-sediar-a-cop-30-254168
(..) Há quase dois anos, o plenário da COP 28 decidiu que em 2025 a cidade-sede da Conferência do Clima seria Belém. A capital do Pará enfrenta problemas que geram e agravam a latente injustiça socioespacial e climática da cidade: na coleta e tratamento de resíduos, saneamento básico, mobilidade, segregação urbana, baixo índice de arborização, entre outros. Com seus 1.303.403 habitantes, Belém exibe desigualdade em cada esquina, e mais da metade da população reside em favelas ou comunidades urbanas, de acordo com os dados do Censo. A metrópole, que tem o título de “cidade das mangueiras”, tem um baixíssimo índice de arborização e uma temperatura que aumentou quase 2 graus centígrados nos últimos 50 anos. E isso em plena Floresta Amazônica. (..)
2025-04-27
2025-04-27
terça-feira, 22 de abril de 2025
Cidade feudal, cidade mercantilista, cidade capitalista: notas
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A literatura dedicada à história da arte, da arquitetura e do urbanismo atribui, com bons motivos, uma enorme importância aos períodos classificados como renascentista e barroco, este último geralmente associado ao auge das monarquias absolutistas europeias.
Em se tratando de história urbana, porém, para a qual a arte, a arquitetura e o urbanismo aparecem, regra geral, como exteriorizações das conquistas culturais e materiais da parcela mais bem aquinhoada da sociedade, precisamos partir de uma periodização baseada na relação entre o processo de urbanização e o modo de produção e distribuição da riqueza em geral e, muito especialmente, dos bens e serviços urbanos.
Tomando em conta os ciclos geralmente reconhecidos pela literatura econômica, a cidade desse período de mais ou menos três séculos haveria de ser classificada como ‘mercantilista’. É o caso da urbe colonial latino-americana, nascida da revolução do comércio mundial associada às grandes navegações do século XVI. E não poderia ser diferente, uma vez que inexistiu nesse âmbito a cidade feudal - as cidades pré-colombianas e seus regimes sociais foram ambos destruídos pelos colonizadores espanhóis - e o capitalismo europeu era, se tanto, um embrião.
Cabe, no entanto, perguntar: não sendo um modo de produção, pode o mercantilismo ter gerado determinantes da estrutura urbana distintos daqueles dos modos de produção feudal-senhorial e capitalista?
Mumford: um esforço de interpretação
Na abertura da seção 2 do capítulo XII - “El nuevo complejo urbano” de sua obra magna La Ciudad en la Historia, Mumford parece responder a essa questão, categoricamente, que sim!
Na abertura da seção 2 do capítulo XII - “El nuevo complejo urbano” de sua obra magna La Ciudad en la Historia, Mumford parece responder a essa questão, categoricamente, que sim!
“Entre los siglos XV y XVIII se configuró en Europa un nuevo complejo de rasgos culturales. En consecuencia, tanto la forma como el contenido de la vida urbana quedaron radicalmente alterados. El nuevo modelo de existencia surgió de una nueva economía, la del capitalismo mercantilista; de un nuevo marco político, principalmente el de una oligarquía o un despotismo centralizado, que se concretaba por lo común en un Estado-nación; y de una nueva forma ideológica, que procedía de la física mecanicista, cuyos postulados subyacentes habían sido formulados, mucho antes, en el ejército y el monasterio.” [1] [destaque meu]
Contudo, é o próprio Mumford quem nos adverte, na abertura deste mesmo capítulo 12, “La estructura del poder barroco”, para o fato de que
“Las culturas humanas no mueren en un momento dado como si fueran organismos biológicos. Aunque a menudo parecen formar un conjunto unificado, es posible que sus partes hayan tenido una existencia independiente antes de integrarse en el conjunto y, por la misma razón, tal vez aún sean capaces de seguir existiendo cuando ya ha dejado de funcionar la totalidad en que otrora prosperaron. Tal es lo que ocurrió con la ciudad medieval. Los hábitos y las formas de vida medieval seguían activos tres siglos después de su «cierre», si se considera que el siglo XVI fue ese punto decisivo. (..) Incluso en el Nuevo Mundo las más antiguas leyes medievales del mercado permanecieron en vigor en las ciudades durante el siglo XVIII. [2]
E conclui esta passagem dizendo:
"Así, solo en las ciudades recién fundadas, creadas para residencia del príncipe o para la colonización, crearon las instituciones postmedievales un estricto orden lógico, enteramente propio.” [3]
Ora, se em todas as cidades da época mercantilista - salvo as recém-fundadas - as “formas de vida [da cidade] medieval seguiram ativas até o século XVIII", somos obrigados a no mínimo relativizar, talvez mesmo deixar em suspenso, a proposição original de que “tanto a forma quanto o conteúdo da vida urbana foram radicalmente alterados pela “nova economia do capitalismo mercantilista” etc.
Com sua lógica irretocável, a citação acima nos alerta para uma interpenetração de épocas históricas, em ambas as direções. Assim como “certos aspectos da cultura humana podem continuar existindo mesmo quando a totalidade em que outrora prosperaram já deixou de funcionar” - as antigas muralhas das cidades, por exemplo, que existiram até muito depois de, nas palavras do próprio Mumford, se "terem convertido em fronteiras nacionais” dos Estados monárquicos absolutistas [4] - outros aspectos "podem ter uma existência independente antes de integrar-se no conjunto", isto é, de ter encontrado o seu lugar numa formação social madura.
Tal me parece ser o caso do capital mercantil relativamente ao capital propriamente dito, consequentemente do papel estruturador do comércio de mercadorias nas grandes cidades europeias e capitais coloniais dos séculos XVI-XVIII relativamente à compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho nas grandes metrópoles da segunda metade do século XIX.
O caso de Newcastle
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Uma hipótese alternativa
Parto do que entendo por formação social feudal e capitalista:
"A sociedade feudal baseava-se na renda agrícola - em espécie ou tempo de trabalho nas terras do senhor e, mais tarde, também em dinheiro - imposta pela aristocracia guerreira sucessora do colonato romano e das comunidades tribais germânicas, à guisa de estabilidade e proteção, aos camponeses que ocupavam e cultivavam a terra com seus instrumentos de trabalho. A produção agrícola excedente às estritas necessidades dos servos rurais, apropriada pela nobiliarquia fundiária para seu próprio consumo, era a base da riqueza na sociedade feudal.
Em contraste, a sociedade capitalista, gestada durante séculos no seio da sociedade feudal europeia, baseia-se na produção generalizada de mercadorias por trabalhadores livres para vender, em troca de um salário, a sua força de trabalho aos proprietários das instalações, instrumentos e insumos da produção. A base da riqueza capitalista é o mais-trabalho assalariado, vale dizer o valor das mercadorias produzidas que exceda os custos totais de produção, incluídos os salários, apropriado pelos capitalistas como lucro." [6]
A cidade feudal europeia surgiu não da riqueza do comércio de longa distância, que servia primordialmente à nobreza encastelada, mas do secular desenvolvimento das forças produtivas na agricultura servil, com cujos produtos a aristocracia adquiria os bens de luxo trazidos de terras distantes pelos mercadores. [7] A riqueza mercantil impulsionou, por certo, as forças produtivas da nova economia urbana, porém muito lentamente, a partir de uma base não apenas instável devido às guerras e catástrofes naturais [8], mas também extremamente limitada: um mercado formado, de um lado, por demandantes urbanos que compravam para seu sustento uma parte ínfima da produção agrícola e, de outro, por demandantes rurais de ferramentas, utensílios domésticos, têxteis, artigos de couro etc., camponeses demasiado pobres para fazer transbordar a indústria urbana do protecionismo das guildas.
Por isso a cidade feudal europeia manteve, durante séculos, um tipo de estrutura que os historiadores modernos qualificam de multicêntrica, [9] [10] determinada pela interação espacial entre residentes ainda divididos entre a produção agrícola e a artesanal e (a) o castelo onde se exercia o poder temporal, (b) a igreja cujo pátio e imediações eram o lugar preferencial dos mercados varejistas periódicos, formais e informais, e (c) as portas para onde a passagem obrigatória de mercadores atraía armazéns, certas classes de artesãos e estalagens onde se fazia, dentre outras coisas, o comércio de atacado e de dinheiro. [11] Inexistia a própria noção de “centro urbano”. [12]
O mercantilismo, por outro lado, não era uma formação social, com um modo de produção próprio. Embora contribuindo decisivamente para impulsionar o desenvolvimento da produção capitalista - têxtil e metalúrgica, principalmente - nas regiões e países onde ela já emergira do artesanato feudal como manufatura, muito especialmente em Flandres, no norte da península itálica e, mais tarde, na Inglaterra, a riqueza mercantil não provinha da produção de mercadorias, mas da exploração das diferenças de preços dos excedentes de consumo das comunidades primitivas e da produção escravista, servil e despótica espalhada pelo mundo - diferenças que o desenvolvimento da produção capitalista se encarregaria, no seu devido tempo, de extinguir. Nas palavras de K Marx, “o desenvolvimento autônomo do capital comercial se apresenta na razão inversa do desenvolvimento econômico geral da sociedade. (..) Quanto menos desenvolvida é a produção, mais a riqueza monetária se concentra nas mãos dos comerciantes“. [13]
A despeito de sua longa duração, o período mercantil-absolutista foi o de uma sociedade em transição, em que formas feudais e capitalistas de organização e exploração do trabalho, portanto de criação e distribuição da riqueza e, com elas, de estruturação e apropriação das cidades, coexistiam e se interpenetravam ainda que com dinâmicas opostas:
“Essas duas formas eram tanto complementares (p. ex. quando um senhor feudal usava parte de sua riqueza para participar de empreendimentos comerciais que incluíam algum trabalho assalariado, ou quando um comerciante usava os lucros de sua atividade para estabelecer um feudo) quanto contraditórias (p. ex. quando comerciantes e senhores feudais guerreavam pelo domínio político das grandes cidades)." [14]
No que tange à sua estrutura espacial e dinâmica expansiva, e tendo em conta que a urbe carrega consigo, por definição, uma enorme força inercial relativamente às mudanças em curso na sociedade, a grande cidade mercantilista era como uma cidade feudal ampliada pela transposição de suas muralhas, adensada pelo significativo crescimento populacional vegetativo e, principalmente, migratório, [15] monumentalizada pelo fausto aristocrático e monárquico [16] e economicamente concentrada em sua ‘porta principal’ - o porto, [17] em cujas imediações se instalavam tanto as aduanas quanto os mercadores e artesãos - o mais das vezes em suas próprias casas -, as novas manufaturas e a ralé; um lugar urbano muito distante de poder ser chamado de “centro” - que supõe, dentre outras coisas, a separação de negócios e residências [18] e o claro e sistemático desenvolvimento de assentamentos residenciais pericêntricos e periféricos em bases capitalistas. Até meados do século XVIII, quando se acelera a transição da manufatura para a grande indústria e com ela a subordinação do capital de comércio, a urbe mercantilista não tinha um ‘centro’ propriamente dito: era ainda, em ampla medida, uma cidade com funções centralizadoras (palácio, sé, porto, aduana, rua ou bairro comercial) relativamente dispersas por oposição ao campo circundante e seus povoados proto-suburbanos - como a City de Londres e a Cité de Paris, recintos urbanos política, jurídica e culturalmente definidos, durante muito tempo, pelo perímetro cambiante de suas muralhas. [19]
Em Paris, que em 1800 era a segunda metrópole mais populosa da Europa, com cerca de 550 mil habitantes, a feudalidade tardia da urbe mercantil-absolutista se manifestou na construção em 1788, vale dizer em plena Revolução Industrial, de um muro chamado ‘des Fermiers Généraux’, destinado à cobrança de impostos sobre os produtos que eram trazidos à cidade. [20]
Pode-se dizer que as muralhas das grandes cidades europeias contam, de um modo bastante peculiar, a história da lenta superação da economia e das instituições feudais - das quais eram parasitárias, cada uma à sua maneira, tanto as monarquias absolutistas quanto a burguesia mercantil [21] - pela formação social capitalista.
A renda do solo urbano
Um estudo aprofundado da transformação das rendas urbanas feudais em um único direito assimilável à forma-mercadoria capitalista me parece indispensável para o entendimento da 'cidade mercantilista' dos séculos XVI-XVIII como um fenômeno de transição.
Limito-me aqui a recuperar uma observação de Mumford sobre a renda urbana na grande cidade pós-medieval, apontada por E Vance em seu clássico texto de 1971 “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities” como o aspecto distintivo da cidade capitalista por oposição à pré-capitalista. [22]
Embora compartilhe com Vance a concepção de “capitalismo” como “economia do dinheiro” decorrente do aumento explosivo, a partir do século XVI, da riqueza mercantil europeia, [23] consequentemente também da pequena produção artesanal e manufatureira e dos serviços pessoais, Mumford não sugere qualquer relação entre o aumento significativo das rendas urbanas nas grandes cidades comerciais do século XVII [24] e a existência, ainda que embrionária, de gradientes de preços do solo segundo a distância aos núcleos comerciais urbanos, mencionados sem referência factual por Vance como próprio da cidade capitalista nascida "em algum momento do século XVI", [25] mas somente observados, de maneira indireta - porque não era o objeto de sua análise - e ainda distante de sua forma madura, por Engels na Manchester industrial de 1845. [26]
Para Mumford se trata, essencialmente, nas grandes cidades do século XVII, do notável crescimento da população pobre e miserável combinado à peculiaridade de que a renda urbana cresce - exponencialmente - com a densidade da ocupação do solo, [27] àquela altura intensificada pela prática persistente da construção, ao redor das cidades, de muros destinados à defesa e outros fins. [28] Para ele,
“O alojamento de grande parte da população - e não apenas mendigos, ladrões, trabalhadores ocasionais e outros párias - em cortiços e favelas foi a modalidade característica do crescimento urbano no século XVII”. [29]
*
Conclusão
O exposto até aqui sugere que o capital mercantil não trouxe consigo forças determinantes de um processo de estruturação urbana que lhe fosse próprio, distinto em forma e conteúdo tanto da cidade feudal como da capitalista.
Foi somente com o pleno desenvolvimento da indústria capitalista em meados do século XIX, [30] subordinando por completo ao seu ciclo reprodutivo o comércio de varejo e atacado, nacional e internacional, que as cidades ganharam uma dinâmica espacial realmente nova: a expansão radioconcêntrica desigual, manifestação urbana da natureza expansiva desigual do próprio capital.
Impelida pela necessidade incontornável de redução da distância-custo entre os agentes envolvidos na compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que agora abarcava compulsoriamente a virtual totalidade da população urbana, e pela resultante competição espacial arbitrada pela renda da terra, a revolução da centralidade, pode-se dizer, é a marca historicamente distintiva do advento da cidade capitalista.
2025-04-22
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NOTAS
[1] MUMFORD L, La Ciudad en la Historia. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, Cap. XII, La Estructura del Poder Barroco, p. 579
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NOTAS
[1] MUMFORD L, La Ciudad en la Historia. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, Cap. XII, La Estructura del Poder Barroco, p. 579
[2] Idem, p. 577
[3] Idem, p. 577
[4] Idem, p. 614
[5] LANGTON J, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27.
[6] “A renda da terra e a cidade feudal: notas”. À beira do urbanismo (blog), 26-11-2024, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/11/a-renda-da-terra-e-cidade-feudal-notas.html
[7] “Os habitantes das metrópoles comerciais importavam de países mais ricos mercadorias refinadas e artigos de luxo caros, alimentando, assim, a vaidade dos grandes proprietários fundiários, que, com grande avidez, compravam essas mercadorias e as pagavam com grandes quantidades de produtos naturais de suas propriedades. [SMITH Adam (1776), Wealth of Nations. Londres, Aberdeen, 1848], livro III, cap. 3 p. 267, cit.em Marx K, O Capital, Livro III Boitempo cap 20 - Considerações Históricas Sobre o Capital Comercial, Nota 47]
[9] "A cidade medieval é policêntrica. (..) O que estrutura a cidade é um certo número de lugares e monumentos que determinam até certo ponto o ordenamento das casas e das ruas e, sobretudo, a circulação. (..) Três elementos inscrevem na planta das cidades alsacianas um traço particularmente importante: o castelo senhorial, as igrejas e os mercados. Estes dois últimos elementos, aliás, estão às vezes associados. [LE GOFF J, O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes 1992, pp. 29-34.]
[10] “An analysis of the sample of 1665 demonstrates quite clearly, then, that (..) If it was not, perhaps, ‘many centred’, Newcastle was definitely ‘four sectored’: certainly, there was not a single ‘centre’ around which all activities were organized as they are around a central business district." [LANGTON J, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27].
https://www.jstor.org/stable/621831
https://www.jstor.org/stable/621831
[11] "The inn was a place in which corn might be factored, bills exchanged and bonds entered into, forwards in commodities bought and sold and information on the state of trade passed on, and as such a focus it developed and flowered between 1500 and 1700"; [Patten J, English towns, 1500-1700. Folkestone [England]: Archon Books 1978 p. 202.
https://archive.org/details/englishtowns15000000patt/page/22/mode/2up[12] "la puerta produjo, sin normas especiales de distribución en zonas, los barrios económicos de la ciudad; y como no había solamente una puerta, la naturaleza misma del tráfico procedente de diferentes regiones tendió a descentralizar y diferenciar las zonas comerciales. Como consecuencia de esta disposición orgánica de las funciones, la zona interior de la ciudad no estaba recargada por tráfico alguno, pues solo circulaba el generado por sus propias necesidades." [destaque meu]. [MUMFORD L, op. cit. p. 512]
[13] MARX K, O Capital Livro III, Cap 20 Considerações Históricas sobre o Capital comercial.
[15] “En tanto que la ciudad de viejo estilo estaba dividida en manzanas y plazas, y luego rodeada por una muralla, la nueva ciudad fortificada estaba proyectada ante todo como fortificación, y la ciudad propiamente dicha debía caber dentro de esta camisa de fuerza. (..) De hecho, el hacinamiento se había iniciado en las capitales ya antes del siglo XVII. (..) Pero, en el siglo XVII, estas prácticas se universalizaron: se inició la construcción sistemática de altos edificios de viviendas, que tenían cinco o seis pisos en la vieja Ginebra o en París, y a veces ocho, diez o más en Edimburgo." [MUMFORD L, op.. cit. pp. 600-602]
[16] "La mayoría de los palacios renacentistas de Florencia fueron construidos en angostas calles romanas y medievales." [MUMFORD L, op.. cit. p. 585]
[19] Ver WIKIPEDIA, "Eincentes de Paris", 22-02-2025
[22] VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, 101-20.
https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true
https://docs.google.com/document/d/1hY5wr5SMbC34ni3Cs9jlKGrpKEiFyfUd/edit?usp=sharing&ouid=115443038285423072431&rtpof=true&sd=true
[23] "El paso de una economía de productos a una economía de dinero (..)"; "El crecimiento de la ciudad comercial constituyó un proceso lento, pues tropezó con resistencias, tanto en la estructura como en las costumbres de la ciudad medieval; aunque sacó partido de la regularidad barroca, siendo en realidad parcialmente responsable de ella, no le servían para nada las extravagancias de la ostentación principesca. Pero el resultado final del capitalismo consistió en introducir las modalidades del mercado, en forma universal, en todos los sectores de la ciudad: en adelante ninguna parte de la ciudad sería inmune al cambio, siempre que este significara lucro. Como ya hemos visto, este cambio se inició en la ciudad medieval, con el desarrollo del comercio a larga distancia." [MUMFORD L, op. cit., pp. .608, 684]
[24] "De hecho, el hacinamiento se había iniciado en las capitales ya antes del siglo XVII. (..) Pero, en el siglo XVII, estas prácticas se universalizaron: se inició la construcción sistemática de altos edificios de viviendas, que tenían cinco o seis pisos en la vieja Ginebra o en París, y a veces ocho, diez o más en Edimburgo. Esta presión de la competencia por el espacio obligó a aumentar los precios de la tierra en las capitales políticas. [MUMFORD L, op. cit., pp. 601,602]
[25] “Accepting the emergence of the capitalist system some time in the sixteenth century, we should then begin to discern the changes within cities. (..) The land assignment practices may be dealt with fairly quickly. In the place of the civic and social practices of earlier times, the capitalist city came to depend particularly upon the notion of the land-rent gradient. That trend surface might center either on a single peak or upon a number of fairly similar peaks.” [VANCE Jr J E (1971), “Land assignment in pre-capitalist, capitalist and post-capitalist cities”. Economic Geography 47, pp. 107-108]
[26] “De fato, as principais ruas que, partindo da Bolsa, deixam a cidade em todas as direções, estão ocupadas, dos dois lados, por lojas da pequena e da média burguesias, que têm todo o interesse em mantê-las com aspecto limpo e decoroso. É verdade que tais lojas se relacionam de algum modo com os bairros que estão em suas traseiras (..). É o que acontece, por exemplo, com a Deansgate, que parte em linha reta da igreja velha para o sul; no princípio, é ladeada por boas lojas e fábricas; seguem-se lojas de segunda categoria e algumas cervejarias; mais ao sul, quando deixa o bairro comercial, tem pelos lados negócios mais pobres, que, à medida que se avança, tornam-se sujos e intercalados por tabernas; enfim, na extremidade sul, a aparência das lojas não permite qualquer dúvida sobre seus fregueses: operários, só operários O mesmo se passa com a Market Street, que sai da Bolsa em direção ao sudeste: de início, (..). Sei perfeitamente que essa disposição urbana hipócrita é mais ou menos comum a todas as grandes cidades; também sei que os comerciantes varejistas, pela própria natureza de seu negócio, devem ocupar as ruas principais; sei igualmente que nessas ruas, em toda parte, encontram-se edificações mais bonitas que feias e que o valor dos terrenos que as rodeiam é superior ao daqueles dos bairros periféricos. (..) em Manchester, a urbanização, menos ainda que em qualquer outra cidade, não resultou de um planejamento ou de ordenações policiais: operou-se segundo o acaso.” [ENGELS F (1845), “As grandes cidades” (2a parte - Manchester). Em A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra p. 90. São Paulo: Boitempo 2008]
[27] “Lo que las compañías navieras descubrieron en el siglo XIX, con su explotación de los pasajeros de proa, ya lo habían descubierto mucho antes los propietarios de terrenos: las ganancias máximas no se obtenían facilitando comodidades de primera clase para los que podían pagarlas a buen precio, sino hacinando en tugurios a aquellos cuyos peniques eran más escasos que las libras para un rico.” [MUMFORD L, op. cit., p. 695]
[28] "Las nuevas fortificaciones no solo alejaron demasiado de la ciudad los suburbios, los jardines y las huertas, relegandolos a distancias a las que solo podrían llegar cómodamente los ricos, que podían permitirse el lujo de andar a caballo: los espacios abiertos en el interior fueron rápidamente cubiertos por la edificación, ya que la población era expelida de las tierras adyacentes por el miedo y la ruina o bien por la presión del cercamiento y el monopolio de la tierra." [MUMFORD L, op. cit., p. 601]
[29] "El alojamiento en tugurios de una gran parte de la población, y no tan solo de los mendigos, ladrones, trabajadores ocasionales y otros descastados, se convirtió en la modalidad característica de la ciudad en crecimiento del siglo XVII". [MUMFORD L, op. cit., p 601]
[30] "O nome que esses beneficiários dos privilégios urbanos vão usar de preferência, burgenses, apenas continuará designando uma parte da população das cidades, mas a palavra francesa que o traduz, borjois, batizará uma classe social, a burguesia, que triunfará no século XIX com o capitalismo e uma nova revolução urbana, a da cidade, nascida da revolução industrial." [LE GOFF J, op. cit., pp. 29-34.]
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