sábado, 9 de junho de 2007

Capítulo 3: Estudo de caso - A análise da distribuição espacial de viagens urbanas na cidade do Rio de Janeiro - Parte 2




Demanda de Transporte e Centralidade: 
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro 

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998


CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro

3.2      A macro-estrutura da movimentação de pessoas na RMRJ



O estudo da polarização de viagens no município do Rio de Janeiro supõe um marco geral em termos de  estrutura de deslocamentos na Região Metropolitana, que procuramos indicar com base na comparação das matrizes de viagens PIT-79 e PTM-95. Partimos aqui da premissa razoavelmente realista de que, na escala das macro-relações, as discrepâncias numéricas das respectivas matrizes podem ser menos relevantes e que, encaradas sob um viés relativista, elas refletem modelos de estrutura metropolitana considerados aceitáveis em suas épocas respectivas.

                            Tabela 3.2a
                                Fonte:PIT-Metrô 1976/PTM 1995


O modelo implícito na matriz de 1979 é uma estrutura de movimentação composta de uma “mega-concentração” (Rio de Janeiro), uma concentração secundária (Leste) e uma micro-concentração (Baixada). O tráfego de pessoas Rio-Rio, Rio-Leste e Rio-Baixada abarca 86,4 % de todas as viagens.

A matriz de 1995 tende claramente a um tipo de centralidade mais difusa e estruturada. Apresenta duas concentrações secundárias de peso equivalente (Baixada e Leste), redução do peso da concentração principal assim como a proporção do tráfego Rio-Rio, Rio-Leste e Rio-Baixada, que passa a  72,4 % do total. Reduz-se, portanto, a proporção de viagens internas ao núcleo principal em favor tanto das viagens internas aos núcleos secundários quanto do intercâmbio de viagens dentro da região, que segue sendo, naturalmente, um  intercâmbio polarizado: viagens casa-trabalho da periferia ao centro.

Essa difusão da centralidade do município pólo pode se dar, em teoria, de várias maneiras:

  • pelo crescimento mais que proporcional de novas viagens centro-periferia e periferia-periferia em relação ao total
  •  pelo desvio de viagens externas antes atraídas ao município pólo, redirecionadas aos centros periféricos
  • pela polarização de viagens antes internas ao município por pólos situados nas regiões periféricas
  • pela mera redução quantidade bruta de viagens pendulares

A primeira hipótese é coerente com a dinâmica demográfica metropolitana. Embora as taxas geométricas de crescimento comparadas 70s-80s caiam por igual no município e na periferia metropolitana, o crescimento demográfico ainda é bastante mais elevado fora do núcleo, e de maneira diferenciada: as taxas de crescimento demográfico no Leste superam, desde 1980, as da Baixada Fluminense, em especial o município de Itaboraí. 

A segunda e a terceira hipóteses  poderiam ser parcialmente verdadeiras na medida em que refletissem um rearranjo espacial importante da estrutura do emprego derivado da recentralização de núcleos de comércio e serviços ao consumidor. O desenvolvimento de nóvos pólos de “terciário superior” fora do município (UFF, por exemplo) é uma hipótese pouco realista e de capacidade relativamente restrita em termos de geração de viagens.

A quarta hipótese deve ser considerada razoável, e é corroborada pelo tamanho do mercado informal na cidade do Rio de Janeiro: 450 mil pessoas. A recessão, a redução de gastos públicos e o desemprego estrutural afetam todas as camadas de trabalhadores, mas de modo especial os de menor qualificação, por exemplo na construção civil e no comércio formal. O emprego no setor bancário, um dos mais importantes do CBD, foi fortemente afetado pela introdução de novas tecnologias de informação[1].


                                Tabela e Gráfico 3.2b
                                      

 
Um componente do acréscimo de movimentação Rio-Leste pode ser o efeito de 20 anos de operação da ponte Rio-Niterói, com um novo “mercado” de transportes formado por uma camada de trabalhadores qualificados (muitos do setor público e estatais, menos afetados pelo desemprego) que fixaram residência em Niterói. Os mais novos comuters do Rio de Janeiro vêm de automóvel, via Ponte, cujo movimento não pára de crescer. A consulta ao Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro revela, por outro lado, que Niterói é o munícipio detentor da mais alta mediana de renda da PEA e pesquisas recentes incluiram a cidade como uma das que oferece a melhor qualidade de vida do país.

Consideremos agora a comparação em termos de RAs e municípios (Tabela 3.2c), homogeneizados segundo a divisão político-administrativa de 1975. A tabela abaixo mostra as 20 unidades que mais recebem viagens na RMRJ.


                             Tabela 3.2a
                                       Fonte:PIT-Metrô 1976/PTM 1995

A leitura desse quadro deve levar em conta que a matriz 24 horas inclui a residência como motivo de viagem. O resultado exprime, portanto, uma certa combinação de polaridade com capacidade de geração de viagens. Ele sugere:

  • um aumento considerável, e o que é mais significativo, em termos relativos (isto é, com elevação menos que proporcional das viagens totais), do intercâmbio centro-periferia: os municípios periféricos e as grandes regiões suburbanas do Rio de Janeiro tomam todos os postos dos bairros da “centrais” de urbanização consolidada em quantidade de viagens recebidas ao longo das 24 horas;
  • essa troca de posições pode significar que houve inversão da posição relativa de uns e outros como geradores (portanto “recebedores” vespertinos) de viagem, função da tendência populacional combinada à manutenção, em geral, da posição dos bairros centrais como  polarizadores de viagens da jornada de atividade econômica;
  •  o aumento relativo do intercâmbio centro-periferia é compatível com a  dispersão acentuada da moradia no espaço urbano municipal indicada na análise das tendências demográficas: esvaziamento residencial crônico do centro expandido e dos bairros da zona sul em favor de aumento explosivo de população residente na Baixada de Jacarepaguá e Zona Oeste,  além do crescimento lento e consistente da população de baixa renda (assumimos poulação residente em favelas como indicador) na AP-3 com recentralização de camadas médias em certos “núcleos” intermediários da cidade central, como Vila Isabel, Méier, Vila da Penha (Tabela e Gráfico 3.2d e 3.2e).
  • estabilização da quantidade absoluta de viagens ao núcleo central, o que pode equivaler, nas condições descritas, a um aumento relativo de seu poder polarizador.
 
 
                            Tabela e Gráfico 3.2d

                             Tabela e Gráficos 3.2e




[1] Na composição do PIB de 96, o setor de instituições financeiras é o único do setor de serviços que aparece com resultado (fortemente) negativo, mas devido ao fato da metodologia ... estar baseada na quantidade de bancários empregados.