segunda-feira, 11 de junho de 2007

Capítulo 3: Estudo de caso - A análise da distribuição espacial de viagens urbanas na cidade do Rio de Janeiro - Parte 3


Demanda de Transporte e Centralidade: 
Um Estudo da Distribuição Espacial de Viagens
na Cidade do Rio de Janeiro 

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO - PET-COPPE-UFRJ - MARÇO DE 1998


CAPÍTULO 3
Estudo de caso: a análise da distribuição espacial de viagens urbanas
na cidade do Rio de Janeiro

 

3.3    O estudo da polarização de viagens [polos de viagens]



As viagens polarizadas correspondem a 4210 (66,6%), ou seja exatos 2/3  das viagens MNDD pesquisadas na Região Metropolitana. Os dados foram organizados em uma matriz O-D por Regiões Administrativas e Municípios após retiradas as viagens internas .

3.3.1   Polaridade, equilíbrio e rendimento

Supusemos, na Metodologia, que a polarização de viagens exprime, em um grau variável, a concentração espacial de atividades econômicas, que pode ser mais ou menos especializada, seja em termos de macro-setores (produção/distribuição e consumo) seja em termos de ramos de atividades (lazer, comércio varejista, saúde, serviços). A concentração espacial de atividades econômicas é uma propriedade do núcleo da RA ou município, independente do tamanho e densidade de sua população residente e da sua capacidade de gerar (exportar) viagens, portanto de seu balanço de viagens. Ela será medida por RA e Município pelas razões descritas na Metodologia.

A polaridade é uma propriedade espacial potencialmente geradora de deseconomias em termos de infraestruturas urbanas. Em termos de transportes, quanto maior o poder polarizador de um centro, mais desequilibrado tende a ser o balanço de viagens da sua região, uma vez que o limite de capacidade de exportação de viagens de uma zona será sempre, por definição, quantitivamente mais baixo que o limite de importação. E um balanço desequilibrado de viagens é uma condição de maior imobilização e menor rendimento dos meios de produção invertidos da produção e operação dos transportes (p. ex: os trens suburbanos e ônibus pendulares). Além disso, ele supõe uma especialização de macro-funções urbanas também geradora de perdas de rendimento das demais infraestruturas físicas e operacionais da cidade (p.ex: o vazio do CBD à noite, a modorra diurna dos bairros pobres da periferia).

Por outro lado, se uma RA exporta e importa muitas viagens produtivas diárias,  ela o fará também, em igual proporção, em sentido inverso, com as viagens não-produtivas de retorno à casa, proporcionando maior rendimento ao capital invertido nos sistemas de transporte e implicando um melhor aproveitamento das demais infraestruturas. Ou seja, são regiões que tendem a funcionar dia-e-noite.

Um balanço equilibrado de viagens entre as regiões é, em níveis quantitativos baixos, indicador de falta de dinamismo econômico; em níveis quantitativos altos indica alto padrão de atividade econômica urbana e rendimento crescente das infraestruturas, equipamentos e sistemas alocados.

3.3.2   A centralidade do CBD

A questão mais geral do estudo da polarização de viagens diz respeito, naturalmente, ao poder centralizador do CBD. A tendência ao aumento do policentrismo urbano não se manifestará necessariamente às expensas de uma regressão absoluta das viagens ao CBD. Uma possibilidade alternativa, e nossa hipótese básica, é a de que a tendência ao policentrismo se manifeste como redistribuição do poder centralizador dos subcentros tradicionais em favor das centralidades novas ou modificadas pela verticalização dos centros comerciais (shopping centers isolados ou concentrados, ex: Barra da Tijuca), bem como da reestruturação das relações produção-consumo inerentes ao mercado de serviços.

O tema das viagens ao CBD já se apresenta na literatura dos anos 70, em pesquisas que tratam de metrópoles dos países centrais. Baseado em estudos de tendências de viagens, Hutchinson indica uma tendência histórica à estabilização da demanda de viagens às áreas centrais nas metrópoles desenvolvidas: 


Todas as áreas metropolitanas representadas [Chicago, Boston, Copenhagen, Detroit, Nova York] (...) sofreram rápido crescimento populacional no período coberto pelo gráfico [1925-1965] sem experimentar variações significativas nas demandas de viagens à suas áreas centrais em horas de pico” (Hutchinson, 1979, p. 166)

Essa tendência, que nos países desenvolvidos já se apresenta em meados do século, está relacionada por um lado à variação da localização e característica do emprego[1],[2] e por outro à natureza do processo de crescimento metropolitano, baseado na suburbanização massiva das camadas médias da sociedade. Um estudo da variação das características espaciais das viagens casa-trabalho em Melbourne, Austrália, no período 1961-1966, indica sensíveis tendências de crescimento das viagens ditas “circunferenciais entre atividades suburbanas”.

No Rio de Janeiro, metrópole típica dos países “intermediários”, o processo de metropolização está claramente determinado pelo ciclo de expansão industrial do segundo pós-guerra, que implicou a formação de uma imensa periferia de trabalhadores pobres, empregados e subempregados na indústria e , primeiramente na Baixada Fluminense e mais tarde na baixada de São Gançalo/Itaboraí.

Podemos lançar algumas hipóteses sobre a tendência de viagens ao CBD no Rio de Janeiro a partir da comparação temporal das hierarquias locacionais de viagens totais obtidas pelo PIT e PTM para 1979 e 1995. Supondo, mais uma vez,  que as diferenças quantitativas das  respectivas ODs se referem aos métodos de expansão dos dados básicos, e que portanto as duas matrizes são consistentes com relação às respectivas macro-estruturas, comparamos as viagens polarizadas (O#D, 24 horas) pelo Centro (Tabela 3.3a)




Tendo em conta que o atributo 24 horas é relativamente indiferente ao estudo da polarização do CBD porque recebe uma quantidade muito pequena de viagens auto-geradas de base residencial, o quadro sugere:

·      uma confirmação da tendência à difusão da centralidade: agora é o CBD que recebe uma gama mais distribuída de viagens, tanto em termos geográficos quanto de repartição quantitativa;

·      a repartição geográfica tem, no entanto, um claro vetor: eleva-se a distância média das viagens destinadas. A atratividade do CBD desloca-se para as zonas norte urbana e periferia metropolitana, o que equivale a uma queda da renda média do viajante, portanto à “proletarização” crecente da atratividade do núcleo central;

·      isto significa, por outro lado, que a atratividade do CBD em termos de força de trabalho qualificada e consumidores de bens e serviços de qualidade tende a transferir-se para outras centralidades.


3.3.3   Viagens a trabalho X  viagens a consumo: um aporte dos transportes ao conceito de centro
           
A análise do problema das viagens ao centro em todos os estudos referidos por Hutchinson aqui mencionados se dá sobre dados da viagem casa-trabalho. O conceito de centro aparece totalmente identificado com o de CBD.

Ora, se o centro da metropóle se caracteriza historicamente como pólo concentrador do trabalho terciário e se por outro lado o centro tradicional é afetado por novas tendências locacionais das empresas, cabe então examinar a concentração de viagens a trabalho na região central da cidade, bem como os indícios de recentralização de atividades. Tentaremos, em primeiro lugar, especificar a região de transição em que o CBD começa a desaparecer mas os subcentros de bairro e suburbanos ainda não surgiram, região essa em que muitos estudos das décadas de 60 e 70 destacaram o caráter de “zonas degradadas” mas que hoje parece comportar também a própria mudança locacional de empresas e serviços que demandam trabalho e atraem consumidores—lazer por exemplo. O estudo da atratividade dessa “região central” é relevante para a discussão da função do centro e da consolidação da “cidade central”.

A Tabela 3.3b exibe a posição das 20 principais Regiões Administrativas e Municípios polarizadores de viagens, em termos  absolutos, e suas estruturas de motivos, com base nos dados da Pesquisa Domiciliar PTM-95 (viagens MNDD).
 




Destacamos e ordenamos, em seguida, a razão viagens consumo/viagens trabalho para essas 20 RAs (Tabela 3.3c).

Niterói, Rio Comprido, Centro, Botafogo, São Cristóvão e Barra da Tijuca situam-se todos na faixa de razão Vconsumo/Vtrabalho < 1[3], sugerindo como adequada a descrição da área central como constituída de um CBD + um entorno, que denominamos centro expandido, o qual muito se identifica com os limites do núcleo urbano pré-moderno, aquele pré-existente à expansão da indústria e dos serviços industriais urbanos (até o terceiro quarto do século XIX). Em termos de “zonificação”, o centro expandido poderia ser descrito como a região urbana constituída pelo CBD e um entorno cujo limite é dado pelas áreas em que a taxa  viagens a consumo/viagens a trabalho permanece menor do que 1






Por outro lado, é marcante a constância com que as centralidades dos anéis de bairros se apresentam como polarizadores de viagens a consumo (comércio e serviços). Em Madureira, por exemplo, a cada viagem a trabalho correspondem 2,33 viagens a consumo.

Existem outras regiões urbanas (Barra e Ilha) em que se verifica  a relação descrita, que caracteriza o centro, mas por motivos que não parecem ter a ver com a concentração de atividades de gerência de negócios e administração pública e financeira. No caso da Ilha, essa incidência poderia ser explicada pela existência de um pólo portuário (combustível) encravado numa região eminentemente residencial de fraca concentração de serviços de consumo pessoal, o que tende a se reproduzir em outras regiões mais afastadas do centro. Significativa é também a presença da Barra da Tijuca na faixa da centralidade. Dado que a Barra não é uma região de concentração de sedes de empresas de negócios e finanças, e que se desenvolve como um grande pólo de comércio e serviços (lazer, saúde) qualificados, esta posição teria de ser objeto de uma pesquisa específica. Indicadores importantes podem ser o aumento vertiginoso da taxa de população residente em favelas na Barra da Tijuca na última década, só superado pela taxa com que se eleva a própria população residente, detentora de expressiva parcela da renda urbana.

A caracterização do centro expandido como a área em que Vconsumo/ Vtrabalho < 1 será levada em conta em todas as fases subsequentes do estudo.

Em resumo, o CBD e seu entorno aparecem como a área da cidade em que a produção/administração/distribuição predomina sobre o consumo como “macro-setor econômico” gerador de viagens, mesmo que este último seja muito grande. É o território das atividades que fazem expandir o PIB das grandes metrópoles: o trabalho no setor terciário avançado. Os centros regionais aparecem como áreas em que predominam o comércio e a prestação de serviços diretos ao consumidor.

3.3.4   A estrutura da polarização de viagens no Rio de Janeiro: 1995

Nesta seção estudaremos as relações espaciais de polarização de viagens, começando pelo CBD, depois o CBD ampliado (centro expandido), e em seguida cada uma das principais zonas polarizadoras.

A hierarquia de núcleos polarizadores de viagens MNDD na Região Metropolitana está  expressa nos quadros do Anexo. Em termos absolutos, como já vimos, o Centro (CBD) é o grande pólo de atração de viagens produtivas (23,4%). Aparece em seguida um sequência de subcentros em patamares com sutis variações na faixa de 4 a 6 por cento, Botafogo ocupando posição mais alta (6,4 %) e destacando-se qualitativamente dos demais como  pólo de trabalho. São marcantes:

·      a elevação de Botafogo e Tijuca a segundo e terceiro pólos de viagens na RMRJ, ainda que com características bastante diferenciadas em termos de abrangência e atividades (motivos), como se verá adiante;

·      o aparecimento da Barra da Tijuca como sétimo pólo, formando com a Lagoa um forte eixo de atratividade de alto padrão aquisitivo;

·      a presença muito significativa de 3 núcleos da zona suburbana dentre os 8 maiores pólos de atração de viagens —Madureira, Méier e Ramos— os dois primeiros com nítidas características de comércio e serviços, o último bastante influenciado pelo motivo trabalho;

·      o óbvio declínio de Copacabana como pólo metropolitano;

·      a presença de Vila Isabel, região de escolas e hospitais, como 10º pólo de viagens produtivas da cidade (11º) da RMRJ
 




Com o auxílio dos mapas e quadros do Anexo, e ainda do gráfico das viagens com destino ao CBD por regiões concêntricas (Gráfico 3.3e), podemos estimar a abrangência e características de cada um dos 20 maiores pólos de viagens da RMRJ, dos quais destacamos as principais zonas de origem até o total de 75% das viagens destinadas (Anexo 2.1 a 2.22):








·      Mais de 80 % das viagens com destino Centro (CBD)  são oriundas do próprio município, sendo que cerca de 50% do total provêm do “Anel Urbano 1”, aquele formado pelos bairros totalmente consolidados em torno do centro, que não participam do processo típico de expansão urbana (Barra, Jacarepaguá e Zona Oeste) , mas dos processos de renovação urbana e, eventualmente, de ocupação dirigida dos vazios urbanos, e que poderia ser chamado, provisoriamente, como a “cidade central multifuncional”.

·      Dentre os 20 mais importantes pólos de viagens da RMRJ, apenas 2 (Niterói e Nova Iguaçu, respectivamente 10º e 16º) estão situados fora do município, o que parece ser um indicador da existência de um efetivo processo de fragmentação-centralização da riqueza urbana.

·      Botafogo é, dentre os subcentros municipais, o único com nítidas características de pólo metropolitano, o que é compatível com seu lugar de 2º pólo e sua preponderância do motivo trabalho: dentre as zonas de origem ordenadas até  75 % das viagens destinadas aparecem Niterói, Duque de Caxias e São João de Meriti. O mapa apresenta zonas de origem bastante distribuídas, apesar da forte concentração de viagens oriundas da Lagoa — 16 % (bairros de Jardim Botânico, Lagoa, Gávea, Ipanema, Horto), que lhe conferem o caráter também de pólo subregional.

·      A Tijuca, ao contrário, apresenta características fortemente “domésticas” (municipais) apesar de ser o 3º pólo na RMRJ, com um mapa de distribuição também bastante abrangente. É de se destacar a forte concentração de viagens originárias do corredor Rio Comprido-Vila Isabel-Méier, com 33 % das viagens. Por outro lado, a posição elevada da Tijuca entre os cinco primeiros pólos em todos os “setores econômicos de viagens” (como se verá mais adiante), demonstra claramente que o “centro expandido” já atinge a região da Tijuca. Embora ainda não tendo atingido a faixa Vconsumo/Vtrabalho < 1, a Tijuca (Praça Saens Peña), parece caminhar nessa direção como resultado não apenas da existência do Metrô mas da enorme diferenciação qualitativa que este representa para as economias de aglomeração na economia de serviços. É bastante possível que uma separação da zona de tráfego 15 (Tijuca) em duas, formando a zona Praça da Bandeira, mostrasse a chegada do  centro expandido até a Praça Afonso Pena ou mesmo até a Rua São Franisco Xavier (Lgo da 2a. Feira). Neste espaço situam-se, por exemplo, alguns novos e importantes edifícios administrativos da Petrobrás e Golden Cross que formam, junto com o CEFET e as Faculdades Veiga de Almeida, uma das mais novas  e importantes micro-centralidades da área central.

·      Madureira, talvez de modo surpreendente, não se apresenta como pólo metropolitano, uma vez que somente Nova Iguaçu (nem S João, nem Nilópolis nem Caxias) está presente, com significativos 6% como zona de origem na relação ordenada até 75%. Conservam-se no entanto efeitos da caracteristica historica de Madureira como ponto de apoio da expansão da cidade para a Zona Oeste e a baixada de Jacaparepaguá, que poderíamos reinterpretar, no final dos anos 90 como ponto nodal de transição da cidade central para a cidade metropolitana

·      Méier é um pólo intermediário e um marco divisório entre a “zona sul” e a “zona norte” históricas do Rio de Janeiro, situado ao longo do corredor estrutural principal da formação do espaço metropolitano. A configuração das principais zonas de origem de viagens sugere a existência de uma forte concentração de viagens internas em nível subregional, provavelmente só superada pelo complexo Botafogo-Copacabana-Lagoa.

·      A Lagoa é uma região de pólos, mais que um pólo regional, transição da expansão litorânea da zona sul tradicional, de comércio e serviços de alto padrão, no que claramente assume o lugar que pertenceu a Copacabana nas décadas precedentes.

·      Mais novo e provavelmente mais dinâmico pólo regional de viagens da cidade, a Barra surpreende pela intensidade com que recentraliza geograficamente a movimentação urbana, embora ainda não em nível metropolitano: a disposição radiada das zonas de origem parece confirmar, sob a forma de um complexo de centros de consumo e não de pólo administrativo, a idéia de “centro metropolitano” prevista no plano Lúcio Costa, na década de 60.

·      O pólo de Ramos apresenta uma grande variedade de zonas de origem de viagem, quantitativamente muito distribuídas, com uma óbvia preponderância da Ilha do Governador, de que parece ser o grande fornecedor de bens e sobretudo serviços. É ainda o suporte intermediário de uma interessante formação linear, que será pesquisada no item retenção de viagens (regiões lineares), que liga a Ilha do Governador a Madureira, chegando até Bangu. A forte presença de viagens oriundas de Inhaúma, Méier e Jacarepaguá, 3 anos antes da inauguração da Linha Amarela, nos conduz também à idéia de uma lamentável perda de oportunidade ligada às características dessa infraestrutura exclusivamente voltada para o veículo de passeio. Um terceiro aspecto é a presença de S João de Meriti e Nova Iguaçu nas principais zonas de origem, sugerindo, também aqui, a correlação entre caráter metropolitano  e preponderância do motivo trabalho. No caso de Ramos, destaca-se o trabalho fabril.

·      Com a perda de densidade do vetor econômico indústria-varejo em favor do eixo serviços na economia da cidade, Copacabana perdeu definitivamente a condição de pólo metropolitano, somente contrabalançada pela presença e até elevação de seu parque de hotéis de turismo. Esta perda se expressa também na diminuição crônica da população residente do bairro e de sua renda média. Mas Copacabana ainda é um bairro de alta densidade residencial e renda relativamente alta e um grande núcleo de consumo. Devem ser destacados: a clara presença da formação linear Copacabana-Botafogo-Centro-São Cristóvão-Méier-Madureira como herança do eixo histórico que formou, desenvolveu e consolidou a rede de centros de bairro no Rio de Janeiro e, por outro lado, a formação,  junto com Botafogo e Lagoa (43% de todas as viagens destinadas ao bairro), o mais potente circuito de viagens sub-regionais internas da RMRJ. (A única situação que pode se assemelhar deve ser pesquisada na região de Vila Isabel-Eng Novo-Méier-Suburbana).

·      Vila Isabel se apresenta claramente como ponto de apoio de um fortíssimo eixo de viagens Méier-Tijuca, que pode ser estendido nos dois sentidos ao Centro e Madureira, formando uma “tesoura” com o eixo Centro-Jacarepaguá, cortando a região em sentido longitudinal. É de se destacar a dinâmica imobiliária da região, que junto com o Méier é um forte pólo de atração de antigos moradores dos subúrbios com médio poder aquisitivo.

·      São Cristóvão apresenta, como Botafogo, nítidas características de centro: mais viagens a trabalho que a consumo, como já visto, além de diversidade e abrangência geográfica de zonas de origem. A estrutura de atividades da área é bastante diferenciada, incluindo de funções tipicamente centrais como sedes de empresas a  instituições culturais e científicas, de grandes instituições de ensino a fósseis vivos da indústria manufatureira, além de importantes núcleos de comércio e serviços “sujos” especializados (autopeças, cabos, borracha etc.) Destaque-se a importância de Portuária  e Rio Comprido como principais zonas de origem, indicando uma verdadeira “identidade” de bairro a esta parte do centro expandido, e sugerindo um circuito central de movimentação de passageiros.



3.3.5   Centralidade e especialização

Destacaremos agora as especializações das diversas centralidades. Adotamos um critério de dupla leitura, “vertical” (ou absoluto) e “horizontal” (ou relativo), da estrutura de motivos.

No critério vertical, ou absoluto, consideramos a ordem de importância em que as RAs aparecem como polarizadoras de viagens para cada grupo de motivos (Tabela 3.3f).

O Centro aparece como primeiro pólo para todos os motivos, o que era de se esperar, embora com pesos diferenciados que serão analisados na “leitura horizontal”. A tabela fala por si mesma quanto às proporções com que a totalidade das viagens MNDD polarizadas são distribuídas pelos núcleos. O que vale a pena destacar é que Botafogo e Tijuca aparecem entre os cinco primeiros pólos nas três classes de motivos, o que não só explica a sua condição de segundo e terceiro pólos de viagens, mas pode também indicar tanto o significado dos fatores proximidade do centro e ligação por transporte qualificado nas decisões locacionais das empresas de prestação de serviços de todo tipo como, em última instância, o significado da proximidade espacial de serviços diversificados do terciário superior (economia de aglomeração) na economia urbana das grandes cidades no final do século XX.

No critério horizontal, ou relativo, consideramos o peso com que cada motivo comparece na formação da polaridade das RAs. Segue-se um quadro de especialização da atração de viagens das RAs segundo as categorias de motivos da pesquisa domiciliar. A polaridade geral da unidade espacial (viagens totais polarizadas) tem sempre índice 1. A polaridade para cada motivo em particular é medida em relação ao índice da polaridade geral. Por exemplo: Viagens totais polarizada pelo Centro = 24,5%; viagens a trabalho polarizadas = 29,1; então, o motivo trabalho no Centro tem índice = 29,1/24,5 = 1,18.






Lembremo-nos que a especialização da centralidade é, nessa pesquisa, um atributo de motivos de viagens destinadas e não de valor da produção (um shopping da Barra pode significar mais ICMS do que um subcentro de bairro inteiro), e ainda que o critério horizontal compara a polaridade relativa dos motivos dentro de um núcleo através de suas posições relativas na hierarquia de geral de viagens polarizadas (Tabela 3.3g)

A polaridade de viagens a compras em Copacabana é 4 pontos percentuais mais alta que a polaridade geral de Copacabana, portanto +4, e a de viagens a lazer é +5. Isto não quer dizer que copacabana polarize mais viagens a lazer do que a compras, e sim que Copacabana é mais importante como pólo na escala do lazer do que na de compras.
 





Da mesma forma, a polaridade do Centro quanto ao motivo lazer é de  4 pontos percentuais negativos, e a de escola -5, o que é extremamente importante para a estratégia de qualquer projeto que vise requalificar o Centro como espaço multifuncional (residência-trabalho).    Este parece ser um índice útil na identificação de pontos fortes e pontos fracos na estrutura de atividades de centros e áreas da cidade, de grande interesse para a fixação de objetivos estratégicos de planejamento urbano. A Tabela 3.3h exibe a importância relativa de cada setor de atividade na formação da polaridade das Regiões Administrativas e municípios.



 




[1] Em Sidnei, Austrália, a proporção do emprego na área central caiu de 34 para 20 por cento entre 1947 e 1966. O mesmo estudo mostrou que as taxas comparadas de crescimento anual do emprego e do setor terciário foram, respectivamente 0,7 e 1,3 entre 1961 e 1966 (Hutchinson, 1979, p. 170).

[2]  “as funções de escritório e financeiras, entretenimento especializado e as principais atividades culturais, juntamente com certas funções de serviço, vêm se tornando dominantes”. ((Hutchinson, 1979, p. 170).

[3] Fora e abaixo dessa região da escala aparecerão as RAs e municípios tão fracos em comércio e serviços que os postos de trabalho disseminados são suficientes para mantê-los na faixa de “centralidade” VConsum/VTrabalho < 1