quinta-feira, 27 de junho de 2013

Apontamentos: Ferreira e Fix 2001 - urbanização e CEPACs

FERREIRA João Sette Whitaker e FIX Mariana, “A urbanização e o falso milagre do Cepac”. Folha de S Paulo 17-04-2001
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1704200110.htm


Operação Urbana Consorciada
Água Espraiada - São Paulo
Eu concordo com a ideia central dos professores Ferreira e Fix: a lógica das operações urbanas em áreas de alta renda é, de fato, “fazer a iniciativa privada financiar a recuperação da própria área da operação, vendendo-lhe o direito adicional de construção”.

Considero, porém, pouco claro, se não equivocado, dizer que os CEPACs são "títulos equivalentes ao valor total desse estoque de potencial construtivo ‘a mais’". Antes fossem! Na verdade, o preço de um CEPAC equivale a uma parte da mais-valia imobiliária gerada pelo direito de utilizá-lo no empreendimento, portanto também do total do "estoque" – única razão pela qual os incorporadores se interessam em adquiri-los, adiantando à prefeitura o dinheiro para as obras que valorizarão a área de projeto. 

No segundo leilão da 5a distribuição de CEPACs da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, em 14 de junho de 2012, os CEPACs foram vendidos a R$ 1.282,00 a unidade. Cada CEPAC dá direito a 1 m2 bruto adicional de construção que, convertido em m2 privativo à razão de 1:1, poderá ser vendido no mercado imobiliário de São Paulo por, digamos, R$ 7.500,00. Admitindo-se que o preço (cota) da fração de terreno correspondente, adquirida pelo comprador final do produto imobiliário, seja da ordem de 35% (bastante razoável para essa faixa de preço), vale dizer R$ 2.625,00, temos que cada CEPAC teria sido comprado por preço equivalente a 49,9% da mais-valia por ele gerada. 

E com efeito! Em um mercado relativamente simétrico em matéria de informação e poder de barganha, o preço do solo para fins de incorporação converge para a marca dos 50% do valor residual do terreno. Não há motivo para supor que seja diferente com o preço do "solo criado" pela municipalidade. 

Além disso, a hipótese de que investidores compram CEPACs para revendê-los a incorporadores é teoricamente válida, mas pouco realista. Implica introduzir, na repartição da mais-valia total gerada no empreendimento (o valor residual do terreno), além do proprietário do terreno, do incorporador e da municipalidade vendedora monopolista do "solo criado", a figura do investidor. Não se pode perder de vista que o CEPAC não é um título "comum": sua valorização está inapelavelmente atada ao preço estimado do produto imobiliário que ele representa, a ser produzido com dada combinação de fatores, num dado lugar urbano e em determinado prazo, e vendido no mercado.  

É certo também, creio, como dizem os autores, que "o mercado só se interessa por [operações urbanas em] áreas nas quais vislumbrem certa valorização que justifique a compra do potencial construtivo adicional” e que "no caso do Cepac, a 'mina' só renderá se os investimentos públicos urbanos forem condicionados pelos interesses do mercado imobiliário - interesses sobre uma pequena parte de São Paulo, pois 70% da cidade é economicamente excluída".

Isso não esgota, porém, do meu ponto de vista, o problema do conteúdo, e até da validade, das operações urbanas. Me explico.

Embora a expressão "operação urbana" tenha se tornado uma espécie de sinônimo contemporâneo de "intervenção urbanística associada ao mercado da incorporação imobiliária", o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10-07-2001) define a Operação Urbana Consorciada como um
"conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental".
O EC estipula também que a Lei da OUC determinará, dentre outras coisas, 
"a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I e II do § 2o do art. 32 desta Lei".
Do ponto de vista do Estatuto da cidade, portanto, Operação Urbana Consorciada é qualquer projeto urbano, de qualquer porte e abrangência, que envolva contrapartidas a serem pagas por "proprietários, usuários permanentes e investidores privados" beneficiários da intervenção. 

A teoria e a experiência me dizem que o conceito de "operação urbana" pode e deve ser entendido como extensão, ao âmbito do projeto urbano de iniciativa pública, e mesmo do licenciamento de projetos privados, do princípio consagrado nas economias mais "mercadistas" do mundo, e há muito estabelecido na lei brasileira de Parcelamento do Solo, da obrigação privada de urbanizar - ou pagar pela urbanização que permite a um produto imobiliário qualquer incorporar um sobre-valor de localização. 

O problema não é, pois, o CEPAC em si mesmo, mas quanta renda da terra ele recupera e que destino lhe dá a municipalidade. Se as operações urbanas contemporâneas são iniciativas públicas exclusivamente destinadas a abrir aos incorporadores novas fronteiras de negócios imobiliários, talvez seja porque ou estamos escolhendo errado os nossos governantes ou eles não estão corretamente informados das múltiplas possibilidades de aplicação dos instrumentos de recuperação da renda da terra urbana - que é tarefa nossa, dos urbanistas, desenvolver.
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* "Operação Urbana Consorciada Água Espraiada: Posição em 21/05/2014", São Paulo Urbanismo

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"A urbanização e o falso milagre do Cepac"
Publicado na Folha de S Paulo

17-04-2001, por João Sette Whitaker Ferreira e Mariana Fix
(..) A idéia do Cepac é a seguinte: a prefeitura, em comunhão com o mercado, define áreas em que haja o interesse, da iniciativa privada, pela venda de exceções à Lei de Zoneamento e nas quais a infra-estrutura urbana permita um adensamento adicional, para promover as "operações urbanas". A novidade é o lançamento antecipado no mercado financeiro de títulos equivalentes ao valor total desse estoque de potencial construtivo "a mais", os Certificados de Potencial Adicional de Construção, gerando recursos imediatos ao poder público.
Para se aproveitar do direito adicional de construção na área, o empreendedor teria de adquirir Cepacs no mercado e restituí-los à prefeitura. Segundo Cintra, um instrumento de arrecadação com fins sociais, moderno e inovador. 
Um primeiro problema do Cepac é a desvinculação que o título cria entre a compra do potencial construtivo e a posse do lote. Como qualquer um pode comprar o título, tendo ou não lote na região, e o seu valor -como com qualquer título financeiro- pode variar, gera-se um novo tipo de especulação imobiliária, "financeirizada".
Os defensores da idéia dizem que tal dinâmica não está à mercê do mercado: os Cepacs seriam lançados em operações específicas, sob o controle do poder público, e teriam um "forte componente social", pois poderiam ser vendidos para alavancar a reurbanização de favelas ou a recuperações de cortiços. Os recursos poderiam ser usados em melhorias na cidade toda. (Continua)
Acesse o artigo completo pelo linkhttps://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1704200110.htm)

2013-06-27