quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Floresta do Camboatá, Rio de Janeiro: Autódromo ou Parque Metropolitano?

A versão original deste texto, em espanhol, foi publicada em urbanistas.lat em 07-09-2020

Como qualquer grande metrópole, o Rio de Janeiro possui um considerável estoque de solo público adjudicado a usos obsoletos. Terras estatais vacantes centralmente localizadas, herdadas de antigos portos e pátios ferroviários, foram o principal ativo de quase todos os Grandes Projetos Urbanos das últimas décadas do século XX em todo o mundo. Talvez o último de seu gênero, o Porto Maravilha, às margens da Baía de Guanabara, experimenta atualmente uma profunda crise com a queda abrupta no ritmo do mercado global de imóveis comerciais derivada da crise de 2008.

Contudo, nem todos os terrenos estatais disponíveis estão localizados nos centros urbanos. Capital do Império e da República até 1962, o município do Rio de Janeiro abriga também um vasto estoque de solo de uso militar como quartéis, garagens, depósitos e campos de instrução. Uma dessas áreas, no subúrbio de Deodoro, encontra-se agora no centro de uma disputa que envolve interesses econômicos específicos, organizações ambientais e opinião pública. 

Com base em acordos firmados no ano de 2011 entre o Município, o Exército e a Confederação de Automobilismo, caçadores de oportunidades com trânsito no governo federal fizeram desta área de 194 hectares o alvo de uma concessão para reconstruir o autódromo da cidade demolido para a construção da instalações olímpicas de 2014 e disputar à cidade de São Paulo o “privilégio” de receber a corrida anual de Fórmula 1 em solo brasileiro. 

Ocorre que o terreno em questão tem uma copiosa cobertura florestal. Com cerca de 200 mil árvores, a Floresta do Camboatá abriga ao menos 14 espécies vegetais e 4 espécies animais ameaçadas de extinção. Especialistas a descrevem como um remanescente da Mata Atlântica com importante vegetação secundária em etapa intermediária de regeneração, que serve, dentre outras coisas, como ponto de parada para espécies aladas que se movem entre os três maciços montanhosos da Região Metropolitana - Mendanha-Gericinó, Tijuca e Pedra Branca. 

Embora o Rio de Janeiro se vanglorie de possuir o maior conjunto de maciços florestais urbanos do mundo, a Floresta de Camboatá é, na verdade, uma ilha verde na periferia precariamente urbanizada da metrópole, onde é muito alta a taxa de ocupação e impermeabilização do solo e paupérrimo o parque de equipamentos públicos, áreas verdes, praças e arborização urbana. Entre os 126 bairros da cidade, Guadalupe e Ricardo de Albuquerque, vizinhos à área em disputa e densamente habitados por famílias de nível de rendimento médio-baixo e baixo, ocupam a 80a. e 84a. posições na hierarquia do IDH. 

O investigador Haroldo Lima, membro do Movimento SOS Camboatá, explica a importância da mata para o equilíbrio local: “A floresta é como uma esponja. Quando chove, a água circundante flui para lá e impede que a região, que está toda coberta de cimento, se inunde. Já se inunda e vai piorar”. E há também o benefício climático: “Basta ir a um subúrbio um pouco mais distante da floresta, como Bangu, para sentir a diferença de temperatura ”, conclui. 

Não por acaso, a ONG Grupo Ação Ecológica (GAE) elaborou ​​uma proposta completa para a criação do Parque Natural Municipal de Camboatá, que engloba a totalidade da floresta e outros 55 hectares degradados ao redor a serem recuperados.
 
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Na verdade, a localização do Parque do Camboatá na tríplice fronteira entre as Zonas Suburbanas Norte e Oeste do Rio de Janeiro e os municípios metropolitanos da Baixada Fluminense lhe outorgaria a condição de Parque Metropolitano: mais de 1 milhão de habitantes de quatro municípios residem num raio de 5 km ao seu redor.

Delimitado e servido ao sul pelo maior corredor viário do Rio de Janeiro, a Avenida Brasil, e a oeste pela mais importante ferrovia metropolitana, o Ramal de Japeri, lá se poderiam instalar, além de grandes áreas de visitação e espairecimento, escolas de todos os níveis e instituições de pesquisa, controle e desenvolvimento ambiental.

Outros terrenos com área suficiente para a instalação do autódromo já foram indicadas pela própria Secretaria Municipal de Conservação e Meio Ambiente. Uma delas é o Campo de Gericinó, uma área militar vizinha muitas vezes maior, perfeitamente plana e quase totalmente desflorestada há muitas décadas, onde foi instalado, por ocasião dos Jogos Olímpicos, o Parque Radical de Deodoro. Por quê, então, a insistência com Camboatá? - perguntam os ambientalistas. 

O motivo mais provável é: embora se anuncie, como costuma acontecer nas Parcerias Público-Privadas, que o custo de construção do autódromo (125 milhões de dólares) ficará a cargo do setor privado, o fato é que o Edital Público prevê uma “contraprestação imobiliária” de até a cifra mágica de 41,9% do total da área, "não reversível à autoridade concedente", a ser explorada comercialmente pelo concessionário. Ou seja, não se trata de corridas de automóveis mas, uma vez mais, de renda imobiliária. 

Como vimos, Camboatá é uma formidável localização suburbana. Não é absurdo imaginar-se um plano que previsse, na orla do novo Parque, a construção de considerável quantidade de habitação social urbanisticamente integrada aos bairros adjacentes e facilmente acessível às estações ferroviárias de Ricardo de Albuquerque e Deodoro. Mas isto dependeria de uma iniciativa pública e um ambiente político muito distintos daqueles que definem hoje a questão do novo autódromo. 

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A opinião pública já deu o seu veredito. Em audiência virtual realizada no dia 14 de agosto, houve quem se dispusesse a esperar cinco horas pelo direito de falar por três minutos contra a destruição da floresta. Os procuradores do Estado e da União, por sua vez, utilizaram seu escasso tempo para declarar ilegal o projeto com base nas normas de proteção ambiental vigentes. As cartas estão na mesa, mas é muito provável que já tenham sido marcadas. 

Resta dizer que, por sua singularidade como equipamento desportivo e seu impacto sonoro e atmosférico, as pistas mais importantes do mundo estão localizadas nas periferias das grandes cidades. Não há porque ser diferente no Rio de Janeiro. A construção do novo autódromo em algum ponto do Arco Rodoviário inaugurado há seis anos seria uma oportunidade para que o Estado do Rio de Janeiro, em parceria com os municípios periféricos, elaborasse um Plano Diretor do Arco Metropolitano capaz de evitar que a metrópole continue se expandindo de forma desordenada rumo à sua última fronteira física: as encostas da Serra do Mar. 
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REFERENCIAS 

“Parecer Técnico N. 072/2013”, Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente GAEMA-MPRJ, 2013-04-10 http://urbecarioca.com.br/wp-content/uploads/2018/06/ANEXO-2-PRESERVAR-FLORESTA-Parecer-MP-GATE-Floresta-Deodoro.pdf

“Prefeitura do Rio quer autódromo na Floresta de Deodoro”. Oeco 2018-04-11, por André Ilha. 

Edital de Concorrência No 01/2018 Autódromo do Rio de Janeiro - Parceria Público-­Privada - Concessão Administrativa. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro 2019-02-12 

“O tal “Autódromo” de Deodoro terá sim dinheiro público!”. Sonia Rabello (blog) 2019-05-20, por Sonia Rabello 

“O refúgio de pássaros no Rio que o governo quer transformar em autódromo”. BBC NEWS Brasil 2020-07-31, por Luiza Franco. 

“Audiência pública dura 10 horas e tem só duas pessoas a favor de autódromo”. UOL Esporte 2020-08-13, por Demetrio Vecchioli. 


2020-09-20

domingo, 27 de setembro de 2020

Legislação inepta ou falha de mercado?

Publicado em New Cities
18-09-2020, por Anthony Flint, Senior Fellow, Lincoln Institute of Land Policy 
Zoning and Land Use Rules are the Key to Affordability



If there’s anything the year of 
2020 has shown us, it’s that 
institutional structures and 
government policy really 
do guide what the outcomes are 
in our society. This is perhaps 
nowhere more vividly true than 
in the matter of housing, where 
racial disparities and lack of 
affordability persist, 
associated with years of rules 
and regulations that in many 
cases have made things worse, 
not better. (Continua)
Discordo, senão de toda a matéria, com certeza de boa parte de seu conteúdo, a começar pela primeira linha: 

If there’s anything the year of 2020 has shown us, it’s that institutional structures and government policy really do guide what the outcomes are in our society. This is perhaps nowhere more vividly true than in the matter of housing (..).

Prefiro, como marco de referência para avaliar o sucesso ou fracasso das políticas governamentais de urbanismo e habitação, o ponto de vista insuspeito de Lowdon Wingo: 

"So long as the market, circumscribed as it may be by public policy, is the principle machinery allocating urban space among competitive use, this interaction will be the dominant city shaping force in our society." [Wingo, Transportation and Urban Land, 1961] 

E embora seja certo que a maior parte da área urbanizada das grandes cidades dos EUA está “reservada” à habitação unifamiliar, contribuindo para a escassez de oferta de unidades habitacionais, fato é que Flint não toca neste ponto nevrálgico da cultura urbana estadunidense: ao contrário, advoga uma política de desregulamentação de varejo para permitir, por exemplo, o uso de anexos, garagens e basements como unidades habitacionais. “Every bit of new housing helps”, é a sua consigna para combater “disparidades raciais e falta de capacidade econômica para acessar o mercado de moradias.” Culmina, para minha surpresa, arguindo que a exigência de área mínima de garage em empreendimentos multi-familiares acrescenta pelo menos 50 mil dólares ao custo de uma habitação.

Ora, assim como a revogação de boa parte da “reserva unifamiliar” instituída pelo zoning não poderia garantir que a oferta e a demanda “se encontrassem” nessas áreas, geralmente muito distantes dos pontos de acesso aos transportes públicos e dos núcleos de comércio e serviços, tampouco se pode ter por certo que os 50 mil dólares economizados com a vaga de garagem não acabem apropriados, no todo ou em parte, pelos promotores como mais-valia do embutida no preço de venda do imóvel – algo que depende muito menos da política do governo do que do quanto as famílias estejam aptas e dispostas a pagar. 

2020-09-29

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Apontamentos: Smolka 1981 - incorporadores e proprietários

SMOLKA M, “Precio de la tierra y valorización inmobiliaria urbana: esbozo para una conceptualización del problema”. Revista Interamericana de Planificación Vol XV, No 60, Dez 1981
https://drive.google.com/file/d/103newtDPbcUSTym3rnoIlt3WJ6CmYazH/view?usp=sharing

O estudo do mercado imobiliário constitui até hoje uma séria lacuna na formação acadêmica e profissional de arquitetos, urbanistas, planejadores e pesquisadores da cidade. Muito especialmente, é de se lamentar a carência absoluta de publicações e materiais didáticos sobre a mecânica de suas indústrias constituintes, como as de loteamentos e incorporação, e sua relação com a formação dos preços imobiliários e a apropriação da renda da terra urbana.

O artigo que aqui se divulga, de autoria do economista Martim Smolka, é um dos poucos textos disponíveis na literatura técnica e acadêmica latino-americana sobre a indústria da incorporação. Publicado em 1981 na Revista Interamericana de Planificación, ele constitui, por seu pioneirismo e viés teórico-crítico, uma contribuição nitidamente formativa na longa trajetória de Smolka como estudioso da renda da terra. Smolka é atualmente Diretor do Programa para a América Larina e o Caribe do Lincoln Institute of Land Policy.

Recomendo atenção especial à discussão de Smolka sobre a relação entre o capital incorporador e a propriedade fundiária (destaques meus): 

“(..) el presente trabajo se centra en el concepto de capital inmobiliario (capital incorporador) como relación social que, de manera orgânica, articula Estado, constructoras, financieras, etc., para la apropiación de las rentas de la tierra bajo la forma de ganancias; esto es, el proceso de valorización inmobiliaria proveniente del movimiento del capital que invierte en la ampliación de las rentas de la tierra”.

Pergunta ineludível: será possível conciliar esse ponto de vista com a noção, bastante difundida entre adeptos dos instrumentos urbanísticos de recuperação das mais-valias do solo urbano, como é o caso da Outorga Onerosa do Direito de Construir, de que os incorporadores são indiferentes ao ônus da outorga porque ele, "se corretamente aplicado", recai integralmente sobre os proprietários de terrenos a incorporar? [1] 

Acaso não são, os próprios incorporadores, "proprietários de terrenos"? Não é, precisamente, a compra de terrenos para revenda em forma de "frações ideais vinculadas a unidades autônomas" aquilo que define econômica e juridicamente a atividade do incorporador? [2] O que é o preço de um terreno objeto de incorporação senão o "termo de repartição", entre proprietário e incorporador, da renda total gerada no empreendimento, isto é, o resíduo do Valor Geral de Vendas depois de descontados os custos totais de construção e comercialização, o custo do capital, o lucro econômico mínimo exigido e a parte da coletividade na renda do solo estabelecida pela Outorga Onerosa do Direito de Construir?

Que outra razão se não a ameaça à apropriação de parte da "renda da terra em forma de [sobre]lucro" teriam os incorporadores para serem os mais ferrenhos adversários do instituto da Outorga Onerosa do Direito de Construir? 
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[1] “Otra cuestión que requiere ser entendida se refiere a que la OODC, cuando es aplicada de forma correcta, no inhibe la actividad inmobiliaria, puesto que las contraprestaciones establecidas por el instrumento no inciden sobre el desarrollador sino sobre los propietarios de terreno, los cuales –de no existir el instrumento- se apropiarían integralmente de la valorización derivada de la autorización de un aprovechamiento superior al básico.” [MALERONKA e FURTADO, “Concesión onerosa del derecho de construir (OODC por sus siglas en portugués): La experiencia de São Paulo en la gestión pública de las edificabilidades”. Em SMOLKA e FURTADO, Instrumentos notables de políticas de suelo en América Latina, Lincoln Institute of Land Policy 2014, p. 49]

[2] “Artigo 29 - Considera-se incorporador a pessoa jurídica ou física, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromissa e efetiva a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob o regime condominial (..)” (Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964). (QUEIROZ RIBEIRO, Luiz Cesar, Dos Cortiços aos Condomínios Fechados - As formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015

2020-09-24


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Avaliação compensatória?

Deu na Bloomberg online
21-09-2020, por Brentin Mock
A Neighborhood’s Race Affects Home Values More Now Than in 1980

Montagem: À beira do urbanismo
"(..) In other words, if an appraiser is calculating the value of a home in a Black neighborhood by comparing it to houses recently sold around it, then chances are she is com
paring it to other Black-owned houses that, because of the legacy of segregation, have handicapped values in the market compared to similar homes in white communities appraised at higher prices. The unfairly valued prices of homes in Black neighborhoods before the 1970s thus serves as the baseline for how homes are appraised and priced today. While the Fair Housing Act and Community Reinvestment Act forbade practices like redlining and denying mortgage loans based on ra
ce, they did nothing to readjust housing prices in segregated neighborhoods after they were passed.

“Since no steps were taken to rectify the historic inequities, this approach has enabled such inequalities to persist,” reads the study. (..)"

* 
Apesar de não familiarizado com o Fair Housing Act e o Community Reinvestment Act, eu arrisco dizer que subjaz à reivindicação do autor a relação entre o valor dos imóveis e o limite de refinanciamento das hipotecas, que há tempos embute, nos Estados Unidos, um excedente destinado ao consumo (home equity). 

Como explicou Stiglitz em O Mundo em Queda Livre, publicado pouco depois da debacle de 2008, isso permitia que os estadunidenses continuassem gastando como se seus rendimentos estivessem subindo quando na verdade estavam declinando. 

Em Rethinking the Economics of Land and Housing, de 2018, Ryan-Colins et alii explicam que também no Reino Unido o consumo foi incentivado, durante décadas, mediante o uso da propriedade imobiliária como garantia financeira de empréstimos. Ou seja, o valor de avaliação das residências tem relação direta com as expectativas de ascensão social entre os trabalhadores qualificados do mundo anglo-saxão desenvolvido.

Não creio que a melhor maneira de as comunidades não-brancas dos EUA reivindicarem vantagens compensatórias no mercado de hipotecas seja pela via de uma “nova ciência das avaliações”. Salvo situações excepcionais, não há como avaliar-se uma casa por 1200 se as casas similares das vizinhanças vêm sendo transacionadas por preços entre 800 e 1000.

Reivindicar juros mais baixos e prazos mais alongados que compensem os diferenciais de localização, fundamento da segregação espacial pela via do mercado, parece-me um caminho mais razoável e promissor, inclusive como política pública. 

A obrigatoriedade do laudo de um avaliador afro-americano pode ajudar, naturalmente. Diminuiriam as chances de subjetivismo branco e aumentariam as de subjetivismo não-branco, dentro de margens tecnicamente aceitáveis. E promoveria o emprego de não-brancos nesse mercado de trabalho. Avaliações racistas e discriminatórias existem com certeza, como demonstra a postagem anterior, mas constituem crime e como tal devem ser denunciadas, principalmente quando acobertadas pelas corporações profissionais e pelo Estado.

2020-09-21

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Avaliação racista é crime

Deu no New York Times 
25-08-2020, por Debra Kamin 
Black Homeowners Face Discrimination in Appraisals

Companies that value homes for sale or refinancing are bound by law not to discriminate. Black homeowners say it happens anyway.

“Abena and Alex Horton wanted to take advantage of low home-refinance rates brought on by the coronavirus crisis. So in June, they took the first step in that process, welcoming a home appraiser into their four-bedroom, four-bath ranch-style house in Jacksonville, Fla.

The Hortons live just minutes from the Ortega River, in a predominantly white neighborhood of 1950s homes that tend to sell for $350,000 to $550,000. They had expected their home to appraise for around $450,000, but the appraiser felt differently, assigning a value of $330,000. Ms. Horton, who is Black, immediately suspected discrimination.

The couple’s bank agreed that the value was off and ordered a second appraisal. But before the new appraiser could arrive, Ms. Horton, a lawyer, began an experiment: She took all family photos off the mantle. Instead, she hung up a series of oil paintings of Mr. Horton, who is white, and his grandparents that had been in storage. Books by Zora Neale Hurston and Toni Morrison were taken off the shelves, and holiday photo cards sent by friends were edited so that only those showing white families were left on display. On the day of the appraisal, Ms. Horton took the couple’s 6-year-old son on a shopping trip to Target, and left Mr. Horton alone at home to answer the door.

The new appraiser gave their home a value of $465,000 — a more than 40 percent increase from the first appraisal (Continua)

2020-09-18

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

O busílis da questão

Deu no NSC Total 
09-09-2020, por Loetz 

Metro quadrado em Florianópolis custa quase R$ 10 mil, mostra pesquisa

Foto: Gabriel Lain / Arquivo NSC
(..) O que mais chama atenção é o valor por metro quadrado privativo. Na capital catarinense, a média geral é de R$ 9.452,00. Os minúsculos lofts custam R$ 9.837,00 por m2, praticamente o mesmo valor do m2 de apartamento de luxo: R$ 9.509,00. Já o m2 privativo de um apartamento standard vale R$ 4.701,00. (..)


A proliferação de lofts de elevado preço por m2 privativo pode não representar adensamento populacional (hab/ha) ou construtivo (m2/m2), mas implica certamente o “adensamento de valor” da terra (R$/m2). Unidades minúsculas e m2 privativo mais caro significam um aumento substancial da proporção do solo-localização (renda fundiária), relativamente à benfeitoria, no preço final pago pelos compradores ou inquilinos. Em circunstâncias distintas, é essencialmente o mesmo efeito produzido pela transformação de velhos casarões localizados em zonas centrais desvalorizadas em cortiços.

*
M2 privativos de minúsculos lofts mais caros que os de apartamentos de luxo tornam patente a inadequação de cobrar-se a Outorga Onerosa por uma quantidade arbitrária de m2 CONSTRUÍDOS (excedentes ao CAB*), à base de uma alquimia de preços de terreno e fatores de desconto. O incorporador não vende m2 construídos: vende m2 privativos. E não apenas os que excedem o "patamar de isenção" estabelecido pelo CAB, mas TODOS os m2 privativos que produz. Quanto menor a unidade e mais caro o m2 privativo por conta da localização, maior a proporção da renda da terra, relativamente à benfeitoria, no preço pago pelo comprador. A estimativa do preço de venda do solo-localização por unidade de produto (m2 privativo), ao alcance de qualquer avaliador, é, portanto, o busílis da questão.
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* Coeficiente Básico de Aproveitamento de terreno = quantidade de m2 de construção permitida pela legislação urbanística em um terreno, expressa em múltiplo da área do terreno. 

2020-09-11

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Aglomeração vs aglomeração

Deu no Le Monde Cities
05-09-2020, por Emeline Cazi
Trois recours déposés contre le projet de la gare du Nord 

La bataille menée par la Ville de Paris et deux collectifs de citoyens a changé de nature et prend désormais une tournure judiciaire.

Um dos traços mais marcantes da grande cidade contemporânea é o revolucionamento incessante dos empreendimentos voltados à multiplicação dos benefícios econômicos da aglomeração – e da renda do solo que lhes corresponde. 

Dos centros comerciais de bairro aos shopping-centers aos grandes complexos de serviços, comércio e transportes, trata-se, em todos os casos, de recriar os centros urbanos, lugares históricos das economias de aglomeração, em condições “controladas” que maximizem, do ponto de vista das firmas - com reflexos positivos para o seu público-alvo -, as vantagens combinadas da escala, da urbanização e da localização. 

O portentoso projeto de renovação que quadruplica a área comercial da Gare du Nord, em Paris, proposto por uma sociedade de economia mista e aprovado pela Comissão National de Desenvolvimento Comercial (CNAC), já há algum tempo é objeto de uma enorme polêmica envolvendo governo, empresários, arquitetos, urbanistas e opinião pública. A estação, localizada no 10e Arrondissement parisiense, é tida como o maior centro ferroviário da Europa, com movimento de 700 mil passageiros-dia, dentre os quais os usuários do Eurostar que liga a cidade a Londres. Considerando o rendimento médio dos usuários da estação, um negócio da China no coração da Europa.

Justificativa? A de sempre: tornar autossuficiente - e suficientemente rentável para o capital concessionário - um equipamento público cuja operação e manutenção sobrecarregaria as arcas cronicamente combalidas do Estado, representado, no caso, pela poderosa Société Nationale des Chemins de Fer Français – SNCF. 

Em setembro de 2019, um grupo de arquitetos fez publicar no Le Monde um manifesto protestando contra “o absurdo de se obrigar os passageiros a um sobe-e-desce de passarelas, elevadores e escadas rolantes em meio às lojas para poder acessar as plataformas” e exigindo a total reformulação do projeto, classificado de “inaceitável”. 

Iniciou-se assim uma polêmica hoje prestes a desembocar na esfera judicial. A prefeitura de Paris e duas organizações cidadãs alegam que o inquérito público levado a cabo pela CNAC deveria ter tido uma dimensão metropolitana, e até nacional, tendo em vista os potenciais impactos negativos do novo complexo sobre os negócios tanto do 10e Arrondissement parisiense e seus vizinhos quanto dos subúrbios a que os trens da Gare du Nord dão acesso.

Subjacente a esta disputa em-vias-de-se-tornar judicial está, pois, a concorrência entre o comércio estabelecido nos subcentros urbanos historicamente constituídos ao redor das estações e o novo complexo de comércio e serviços a ser erguido sobre a gare central.

A depender da capacidade de adaptação dos antigos negócios, essa concorrência pode determinar o declínio do comércio circundante e consequente obsolescência de seu parque imobiliário.

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O cenário mais provável neste caso é o início de um processo de renovação urbana com foco na mudança do uso da terra para uma modalidade mais rentável, vale dizer a substituição do uso comercial extensivo pela habitação gentrificada com altos coeficientes de aproveitamento dos terrenos. Consumar-se-ia, assim, o ciclo valorização-estabilização-desvalorização-renovação de uma área urbana tal como representado no gráfico ao lado.*

Hubs de transportes, comércio e serviços, shopping centers, distritos industriais, complexos financeiros, centros comerciais e bancários e até modestas ruas comerciais de povoados rurais são, sem exceção, manifestações da classe de fenômenos quintessencialmente urbanos que a ciência econômica chama de ‘economias de aglomeração’ – benefícios que as firmas obtêm de sua relação de proximidade espacial com outras firmas.

Materializadas em estruturas físicas sujeitas à temporalidade característica da ocupação e usos da terra, essas formações urbanas, ainda que às vezes concorrentes, e mesmo excludentes, no longo prazo, são em geral concomitantes, e até complementares, testemunhas do caráter constitutivamente desigual do desenvolvimento econômico em geral e urbano em particular.

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* BORRERO Oscar, “Formación de los precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD 2005

2020-09-07

domingo, 6 de setembro de 2020

O nome do jogo

Deu no Portal VGV 
27-08-2020, por Portal VGV / Ana Carolina Diniz O Globo online 23-08 https://www.portalvgv.com.br/emprestimo-com-imovel-como-garantia-tem-alta-de-45
 
Empréstimo com imóvel como garantia tem alta de 45%

Home equity é o nome do jogo. Em O Mundo em Queda Livre, lançado por pouco depois da debacle financeira de 2008, Stiglitz explicou em termos bastante claros o papel desse mecanismo, que permitia aos estadunidenses "consumir como se seus rendimentos estivessem aumentando", quando na verdade já vinham em consistente declínio. Segundo ele, "o mercado de imóveis residenciais manteve a economia fora da recessão durante os anos turbulentos dessa década". Quase dez anos depois, Ryan-Colins et alii explicaram, em Rethinking the Economics of Land and Housing, que também no Reino Unido o consumo foi incentivado, durante décadas, mediante o uso da propriedade imobiliária como garantia financeira, deixando famílias altamente endividadas à mercê dos solavancos do mercado imobiliário e sua prole excluída desse mesmo mercado.

A ascensão, por essa e outras vias, de milhões de trabalhadores qualificados, em todo o mundo desenvolvido e mais além, à classe social dos pequenos proprietários de terras, capitais e todo tipo de direitos pecuniários tem um papel crucial na construção e manutenção da estabilidade política do II pós-guerra; e, por isso mesmo, também na crise social e política planetária que passamos a viver com o declínio, a partir dos anos 1980, e a derrocada, em 2007-8, das bases materiais do Estado do bem-estar. Resumindo: a renda da terra tem um papel capital nas glórias e nas tragédias do século XXI. 

2020-09-04


quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Apontamentos: Borrero 2005 - a cidade e o preço da terra

BORRERO Oscar, “Formación de los precios del suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, s/ data.
https://flacso.edu.ec/cite/media/2016/02/Borrero-O_ND_Formacion-de-los-precios-del-suelo-urbano.pdf


Oscar Borrero é um urbanólogo da estirpe de Homer Hoyt: ambos economistas de formação e profissionais do mercado imobiliário. A exemplo de Hoyt, é como especialista em avaliação, viabilidade econômica de projetos e estudos de mercado que Borrero contribui para o desenvolvimento e difusão da ciência da organização espacial urbana - muito especialmente, congratulemo-nos, na América Latina.
O artigo que aqui recomendo tem 40 páginas generosamente ilustradas que se medem por 20 e valem por 100. Elaborado para os cursos EAD patrocinados pelo Lincoln Institute of Land Policy, é um material singularmente útil e eficaz para uma primeira aproximação de profissionais em busca de especialização à íntima relação entre os preços do solo e as estruturas espaciais urbanas.
As generalizações teóricas de Borrero não são modelos de equilíbrio de mercado na tradição da economia neoclássica nem esquemas totalizantes como nos primórdios da geografia urbana. Ao contrário, toda a sua expertise está voltada para a compreensão dos processos de mudança na estrutura e composição do espaço: as forças que impulsionam a expansão da cidade, a valorização e a desvalorização do solo, a centralização e a dispersão, os distintos ciclos temporais dos preços fundiários, a obsolescência, renovação e reabilitação das zonas urbanas e, é claro, os arranjos sócio-espaciais resultantes. Os gráficos e diagramas que ilustram o texto são o mostruário da caixa de ferramentas de que se utiliza o analista espacial para dominar a mecânica fluida das localizações.
Além de objetivo e conciso, como bom profissional do mercado Borrero é também essencialmente pragmático - em dois sentidos que podem parecer conflitantes. Para ele, a tarefa do planejador é “antecipar-se à demanda para canalizar suas necessidades; o planejamento que contraria as necessidades sociais e as leis do mercado contribui para aumentar o caos urbano”. Reconhecendo, porém, que dentre as necessidades sociais está a provisão de solo urbanizado para todas as classes de demandantes e dentre as leis do mercado a natureza peculiar da terra como fator de produção, Borrero tornou-se defensor convicto e um dos maiores especialistas latino-americanos em recuperação de mais-valias fundiárias para o financiamento da infraestrutura e serviços públicos urbanos.
Leitura indispensável.

2020-09-02


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Um passo à frente, dois atrás


G1 Economia 25-08-2020
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/25/piora-economica-deve-empurrar-38-milhoes-de-domicilios-para-as-classes-d-e-e-neste-ano.ghtml
Montagem: Àbeiradourbanismo

Na terminologia do urbanismo colombiano, 3,8 milhões de domicílios passarão do "estrato socioeconómico medio" para os "estratos medio-bajo y bajo". Parte desse contingente expandirá as periferias sub-urbanizadas, parte intensificará a deterioração física do estoque imobiliário das regiões centrais.

Uma pergunta crítica é: como evitar que as políticas urbanas redistributivas, elas próprias compensatórias da concentração persistente da renda, sejam ciclicamente revertidas pela crises recessivas?

2020-09-01