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Alfred Marshall (1842-1924) |
O texto em questão se intitula “A concentração de certos ramos da indústria em localidades específicas” - o termo ‘economias de aglomeração’ ainda não fora inventado -, Capítulo X do Livro IV de sua obra magna “Principles of Economics - An introductory volume”, publicado em Londres no ano de 1897.
Marshall o introduz explicando, nos dois últimos parágrafos do capítulo anterior, que as economias resultantes do aumento da escala de produção industrial são de dois tipos: internas, que dependem da eficiência organizacional e gerencial da própria firma, e externas, que dependem do desenvolvimento geral da indústria e provêm, muitas vezes, “da concentração de pequenas empresas de caráter semelhante em localidades específicas ou, como se costuma dizer, da localização da indústria.”[2]
As vantagens combinadas da variedade de empregos e da localização em algumas de nossas cidades industriais é uma das principais causas de seu crescimento contínuo. Contudo, o valor das localizações centrais das grandes cidades para o comércio atacadista permite-lhes ofertar rendas fundiárias muito mais elevadas do que podem pagar as fábricas, mesmo levando-se em conta aquela combinação de vantagens. Competição similar se dá, entre empregados do setor atacadista e trabalhadores fabris, pelo espaço residencial. O resultado é que as fábricas agora se concentram não mais nas próprias cidades, mas em suas periferias e distritos industriais vizinhos. [5]
Esse processo se fez acompanhar por uma mudança radical na composição da população urbana da Inglaterra de meados do século XIX, também descrita por Marshall na seção final do capítulo, dedicada ao exame da redução da força de trabalho agrícola.
Em Hurd (1903), encontramos uma interessante descrição do caráter "derivado" da formação dos hipercentros financeiros :
Em muitas modalidades de negócios, a concentração espacial daqueles que os conduzem acaba por cristalizar-se em bolsas de mercadorias e valores, que se convertem em centro do setor [comercial] urbano. Dado que as bolsas são o resultado, não a causa, dos distritos especiais onde estão situadas, devemos olhar para trás em busca das causas da localização das diversas atividades urbanas. [7]
Aqui, a cidade capitalista se apresenta não como pano de fundo, ou cenário, deste ou daquele ‘efeito econômico de aglomeração’ associado à lucratividade de tal ou qual ramo da indústria, mas como um novelo, ela própria, de efeitos econômicos de aglomeração entrelaçados e superpostos no tempo e no espaço, reciprocamente vantajosos para os agentes individuais envolvidos na teia de interações espaciais da compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que a distingue radicalmente da cidade medieval.
O capitalismo não inventou a indústria, o comércio, tampouco a centralidade em geral e a urbana em particular, mas os revolucionou.
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Como exemplo do caráter recíproco dos efeitos econômicos de aglomeração podemos citar, nos distritos industriais mencionados por Marshall, e por Hobson antes dele, a complementaridade entre os ramos fortemente dependentes da mão de obra masculina, como metalurgia e mineração, e o têxtil, típico empregador de mulheres e crianças, cuja ausência resultaria em “maiores custos de mão de obra para indústria pesada e menores rendimentos para as famílias trabalhadoras”. [8] [8a]
De modo análogo, a primeira das três razões identificadas por Marshall para a concentração espacial de certo tipo de empresas é, segundo Krugman, “a criação de um mercado para trabalhadores com as qualificações necessárias, reduzindo as chances de desemprego [para os trabalhadores] e de escassez de mão de obra [para as empresas]. [9]
Ainda segundo Marshall, “regiões dependentes de uma única indústria ficam mais sujeitas a crises resultantes das flutuações da demanda e do fornecimento de matérias primas”, ao passo que, nos grandes distritos industriais, “as indústrias em dificuldades momentâneas se beneficiam indiretamente da presença das outras enquanto seus empregados continuam se abastecendo no comércio local”. [10]
Até aqui discutimos a localização do ponto de vista da economia da produção. Mas há que considerar também a conveniência do consumidor. Para uma compra rotineira ele irá à loja mais próxima; mas para uma compra importante, ele optará por se dirigir a qualquer lugar da cidade onde existam lojas especializadas. Ou seja, as lojas que vendem artigos caros e opcionais tendem a se aglomerar; as que suprem as necessidades do dia-a-dia, não. [11]
À parte o fato de que as lojas que vendem bens de consumo diário também tendem a se aglomerar - em esquinas estratégicas e vias coletoras dos bairros residenciais - observe-se que Marshall, depois de assumir ter discutido até aqui a localização [da indústria] do ponto de vista da economia da produção, trata da localização do comércio varejista não do ponto de vista da 'economia do varejo', mas… da “conveniência do consumidor”.
No fim das contas, todo o parágrafo é marcado pela sugestão - não explicitada nem desenvolvida - de uma relação inextricável, como dois lados de uma única moeda, entre as ‘economias externas do varejo’ e as ‘economias externas do consumidor’.
Muito mais sugestiva, eu diria, das economias externas envolvidas na relação espacial reciprocamente vantajosa entre a aglomeração do varejo e o parque residencial ao seu redor, portanto de sua relevância na estruturação da centralidade capitalista, é a explicação aportada pelo economista-avaliador estadunidense Richard Hurd em 1903:
Lojistas não se aglomeram para fazer negócios entre si, mas para a conveniência dos fregueses. O principal fator de atração do núcleo varejista parece ser assegurar aos fregueses que não deixarão de encontrar o que precisam. A variedade de produtos à disposição nesse núcleo é normalmente maior do que em todo o resto da cidade, poupando aos consumidores o tempo, o trabalho e a incerteza de buscar em lojas dispersas pela cidade. E ainda que uma loja atraia o freguês e outra realize a venda, no final o intercâmbio de fregueses se compensará. [12]
Essa visão parece adequadamente resumida na abordagem do também economista Hoover, em 1948:
“as cidades (..) devem grande parte de seu crescimento às vantagens do estreito contato entre diferentes tipos de produtores e consumidores.” [13]
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Esse efeito, cuja generalidade e duração me sugerem classificá-lo como a lei fundamental da organização urbana capitalista, deriva do fato elementar de que
o lugar da rede urbana [em formação - ou transformação, no caso da cidade herdada do passado feudal/colonial -] que mais convém ao [comércio atacadista!], ao comércio / serviços de varejo e à indústria leve é aquele que minimiza o custo agregado, direto e indireto, de deslocamento da população residente para encontrar meios de vida (mercadorias, serviços e empregos) e, por isso mesmo, barateia relativamente os salários ao mesmo tempo que promove o seu poder de compra, em quantidade e velocidade, consequentemente as vendas e os lucros. [14]
A estabilidade temporal desse efeito de aglomeração estruturador do moderno espaço urbano tem, a meu juízo, relação direta com os benefícios que ele proporciona à formação capitalista como um todo, por mim descritos em um texto anterior da seguinte maneira:
Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas e prestadores de serviços ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radioconcêntrica das cidades em expansão, é, em si mesma, um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar e expandir - a ponto de produzir o seu contrário, vultosas deseconomias sociais - a organização espacial intrinsecamente desigual da grande metrópole contemporânea. [15]
Não fosse assim, como se explicaria a sobrevivência secular desse arranjo espacial numa formação econômica em que "tudo o que é sólido desmancha no ar"? [15a]
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Tudo o que promove o barateamento da comunicação, ou que facilita o livre intercâmbio de ideias entre lugares distantes, modifica a ação das forças determinantes da localização das indústrias. [16]
E ele me parece ter aqui total razão, para bem e para mal. Para bem, como indicado acima, acelerando o ciclo da reprodução do capital, portanto a sua acumulação e o aumento generalizado da riqueza social nas etapas iniciais do desenvolvimento capitalista. Para mal, trazendo consigo as manifestações urbanas das forças contraditórias, quando não autodestrutivas, do capitalismo dos séculos XX e XXI.
Nós, urbanistas, observamos hoje com inquietude que as novas tecnologias não modificam somente “as forças determinantes da localização das indústrias”, no sentido estrito, mas também, e principalmente, as forças determinantes da localização do comércio e dos serviços, portanto do dinamismo dos centros urbanos e, com eles, das próprias cidades tais como as concebemos.
A transformação das economias em deseconomias urbanas de aglomeração não é um fenômeno novo: há muitas décadas ela se manifesta, nas grande metrópoles, como aumento exponencial do preço da terra bem localizada e urbanizada, das distâncias e do tempo perdido em deslocamentos pela população trabalhadora, do custo total dos transportes urbanos e da coleta e destinação dos resíduos sólidos, da poluição do ar e das águas etc.
Contudo, embora ainda distantes de um juízo definitivo sobre o real impacto do trabalho remoto e do comércio digital sobre a vida das metrópoles, o chamado ‘efeito donut’ [17] se nos apresenta como um novo tipo de ameaça - o abandono pelas empresas, e consequente degradação, de um significativo número de edificações comerciais de grande porte, de altíssimo valor fiscal, inaproveitáveis para a habitação em geral e menos ainda para a habitação social; ameaça, numa palavra, de desertificação ou, no melhor dos casos, de precarização em larga escala dos centros das grandes metrópoles.
O esvaziamento dos grandes centros urbanos foi uma hipótese bastante difundida com a chegada, na última década do século XX, da economia digital - que cresceu desde então em ritmo exponencial. Contudo, o "efeito donut" só foi percebido 30 anos depois por força da epidemia de Covid-19, uma circunstância catastrófica externa à vida das cidades. O que me leva a concluir com três indagações.
https://en.wikipedia.org/wiki/Economies_of_agglomeration
[2] MARSHALL A, Principles of Economics - An introductory volume. Fourth Edition. MacMillan & Co., Limited. St Martin's Street, London. New York The MacMillan Company, 1908., pp 267-77.
https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.460749/mode/1up
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/08/
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/01/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html