terça-feira, 22 de abril de 2025

Cidade feudal, cidade mercantilista, cidade capitalista: notas

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Última edição 23-04-2025

A literatura dedicada à história da arte, da arquitetura e do urbanismo atribui, com bons motivos, uma enorme importância aos períodos classificados como renascentista e barroco, este último geralmente associado ao auge das monarquias absolutistas europeias.

Já numa periodização baseada nos ciclos geralmente reconhecidos pela literatura econômica, a cidade desse período de mais ou menos três séculos haveria de ser classificada como ‘mercantilista’. É o caso da urbe colonial latino-americana, nascida da revolução do comércio mundial associada às grandes navegações do século XVI. E não poderia ser diferente, uma vez que inexistiu nesse âmbito a cidade feudal - as cidades pré-colombianas e seus regimes sociais foram ambos destruídos pelos colonizadores espanhóis - e o capitalismo europeu ainda se movia de gatinhas.

Cabe, no entanto, perguntar: não sendo um modo de produção, pode o mercantilismo ter gerado determinantes da estrutura urbana distintos daqueles dos modos de produção feudal-senhorial e capitalista? 

Recapitulando:

A sociedade feudal baseava-se na renda agrícola - em espécie ou tempo de trabalho nas terras do senhor e, mais tarde, também em dinheiro - imposta pela aristocracia guerreira sucessora do colonato romano e das comunidades tribais germânicas, à guisa de estabilidade e proteção, aos camponeses que ocupavam e cultivavam a terra com seus instrumentos de trabalho. A produção agrícola excedente às estritas necessidades dos servos rurais, apropriada pela nobiliarquia fundiária para seu próprio consumo, era a base da riqueza na sociedade feudal.

Em contraste, a sociedade capitalista, gestada durante séculos no seio da sociedade feudal europeia, baseia-se na produção generalizada de mercadorias por trabalhadores livres para vender, em troca de um salário, a sua força de trabalho aos proprietários das instalações, instrumentos e insumos da produção. A base da riqueza capitalista é o mais-trabalho assalariado, vale dizer o valor das mercadorias produzidas que exceda os custos totais de produção, incluídos os salários, apropriado pelos capitalistas como lucro. [1]

A cidade feudal europeia surgiu não da riqueza do comércio de longa distância, que servia primordialmente à nobreza encastelada, mas do secular desenvolvimento das forças produtivas na agricultura servil, com cujos produtos a aristocracia adquiria os bens de luxo trazidos de terras distantes pelos mercadores. [2] A riqueza mercantil impulsionou, por certo, as forças produtivas da nova economia urbana, porém muito lentamente, a partir de uma base não apenas instável devido às guerras e catástrofes naturais [3], mas também extremamente limitada: um mercado formado, de um lado, por demandantes urbanos que compravam para seu sustento uma parte ínfima da produção agrícola e, de outro, por demandantes rurais de ferramentas, utensílios domésticos, têxteis, artigos de couro etc., camponeses demasiado pobres para fazer transbordar a indústria urbana do protecionismo das guildas.

Por isso a cidade feudal europeia permaneceu, durante séculos, confinada a uma estrutura que os historiadores qualificam de policêntrica, [4] [5] determinada pela interação espacial entre residentes ainda divididos entre a produção agrícola e a artesanal e (a) o castelo onde se exercia o poder temporal, (b) a igreja cujo pátio e imediações eram o lugar preferencial dos mercados varejistas periódicos, formais e informais, e (c) as portas para onde a passagem obrigatória de mercadores atraía armazéns, certas classes de artesãos e estalagens onde se fazia, dentre outras coisas, o comércio de atacado e de dinheiro. [6] Inexistia a própria noção de “centro urbano”. [7]

O mercantilismo não era um modo de produção, fosse de bens de consumo, de ferramentas, de serviços, de insumos, sequer de embarcações e menos ainda das edificações que são o substrato material das cidades. Embora contribuindo decisivamente para impulsionar o desenvolvimento da produção capitalista nas regiões e países onde ela já emergira do artesanato feudal como manufatura, muito especialmente na Holanda e, mais tarde, na Inglaterra, a riqueza mercantil não provinha da produção de mercadorias, mas da exploração das diferenças de preços dos excedentes de consumo das comunidades primitivas e da produção escravista, servil e despótica espalhada pelo mundo - diferenças que o próprio desenvolvimento do comércio se encarregaria pouco a pouco de extinguir. 
Nas palavras de K Marx, “o desenvolvimento autônomo do capital comercial se apresenta na razão inversa do desenvolvimento econômico geral da sociedade. (..) Quanto menos desenvolvida é a produção, mais a riqueza monetária se concentra nas mãos dos comerciantes“. [8]

Do ponto de vista de sua estrutura espacial e dinâmica expansiva, presumo que a grande cidade mercantilista era essencialmente uma cidade feudal ampliada pelo crescimento populacional vegetativo e migratório, monumentalizada pelo fausto aristocrático [9] e monárquico e economicamente concentrada em sua ‘porta principal’ - o porto, [10] em cujas imediações se instalavam as aduanas e os atacadistas, lugar urbano ainda muito distante de poder ser chamado de “centro”, que supõe dentre outras coisas o claro e sistemático desenvolvimento de uma "periferia": era a “cidade” por oposição ao campo circundante e seus povoados proto-suburbanos - como a City de Londres e a Cité de Paris, recintos urbanos jurídica e culturalmente definidos, durante muito tempo, pelo perímetro cambiante de suas muralhas. [11] 

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Em Paris, que em 1800 era a segunda metrópole mais populosa da Europa, com cerca de 550 mil habitantes, a feudalidade tardia da urbe mercantil-absolutista se manifestou na construção em 1788, vale dizer em plena Revolução Industrial, de um muro chamado ‘des Fermiers Généraux’, destinado à cobrança de impostos sobre os produtos que eram trazidos à cidade. [12] 

As muralhas das grandes cidades europeias contam, de um modo peculiar, a história da lenta superação da economia e das instituições feudais - das quais eram parasitárias, cada uma à sua maneira, tanto as monarquias absolutistas quanto a burguesia mercantil [13] - pela formação social capitalista.

A propósito, é de grande interesse a seguinte passagem de Mumford:

“Las culturas humanas no mueren en un momento dado como si fueran organismos biológicos. Aunque a menudo parecen formar un conjunto unificado, es posible que sus partes hayan tenido una existencia independiente antes de integrarse en el conjunto y, por la misma razón, tal vez aún sean capaces de seguir existiendo cuando ya ha dejado de funcionar la totalidad en que otrora prosperaron. Tal es lo que ocurrió con la ciudad medieval. Los hábitos y las formas de vida medieval seguían activos tres siglos después de su «cierre», si se considera que el siglo XVI fue ese punto decisivo. (..) Incluso en el Nuevo Mundo las más antiguas leyes medievales del mercado permanecieron en vigor en las ciudades durante el siglo XVIII. Así, solo en las ciudades recién fundadas, creadas para residencia del príncipe o para la colonización, crearon las instituciones postmedievales un estricto orden lógico, enteramente propio.” [destaques meus] [14] 

Aqui, Mumford explicita a sua interpretação de que, nas cidades herdadas do passado medieval, tudo o que não foi criação das instituições absolutistas com base em uma ordem estritamente lógica - neste caso guiada pelo projeto de ambientes urbanos absolutamente singulares - permaneceu carregado de “hábitos e formas de vida medievais”, incluídas as suas “leis do mercado”.

Coerente com esse ponto de vista, sustento que só com o pleno desenvolvimento da indústria capitalista na primeira metade do século XIX, [15] subordinando por completo ao seu ciclo reprodutivo o comércio de varejo e atacado, nacional e internacional, as cidades ganharam uma dinâmica espacial realmente nova: a expansão radioconcêntrica desigual, manifestação urbana da natureza expansiva desigual do próprio capital.

Impelida pela necessidade incontornável de redução da distância-custo entre os agentes envolvidos na compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que agora abarcava a virtual totalidade da população urbana, e pela resultante competição espacial arbitrada pela renda da terra, a revolução da centralidade, pode-se dizer, é a marca historicamente distintiva do advento da cidade capitalista.

2025-04-22

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NOTAS

[1]  “A renda da terra e a cidade feudal: notas”. À beira do urbanismo (blog), 26-11-2024, por Pedro Jorgensen
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/11/a-renda-da-terra-e-cidade-feudal-notas.html

[2] “Os habitantes das metrópoles comerciais importavam de países mais ricos mercadorias refinadas e artigos de luxo caros, alimentando, assim, a vaidade dos grandes proprietários fundiários, que, com grande avidez, compravam essas mercadorias e as pagavam com grandes quantidades de produtos naturais de suas propriedades. [SMITH Adam (1776), Wealth of Nations. Londres, Aberdeen, 1848], livro III, cap. 3 p. 267, cit.em Marx K, O Capital, Livro III Boitempo cap 20 - Considerações Históricas Sobre o Capital Comercial, Nota 47]

[3] “Entre ese resurgimiento [do século XII] y el resurgimiento clásico del siglo XV había tenido lugar un gran desastre natural: la Peste Negra del siglo XIV, que eliminó entre una tercera parte y la mitad de la población, según los cálculos más moderados.” MUMFORD L,  La Ciudad en la Historia. Logroño (Esp): Pepitas de calabaza Ed., 2012, Cap. XII, La Estructura del Poder Barroco, p. 579

[4] "A cidade medieval é policêntrica. (..) O que estrutura a cidade é um certo número de lugares e monumentos que determinam até certo ponto o ordenamento das casas e das ruas e, sobretudo, a circulação. (..) Três elementos inscrevem na planta das cidades alsacianas um traço particularmente importante: o castelo senhorial, as igrejas e os mercados. Estes dois últimos elementos, aliás, estão às vezes associados. [LE GOFF J, O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes 1992, pp. 29-34.]
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3883019/mod_resource/content/1/LE%20GOFF%20jacques-o-apogeu-da-cidade-medieval.pdf

[5] “An analysis of the sample of 1665 demonstrates quite clearly, then, that (..) If it was not, perhaps, ‘many centred’, Newcastle was definitely ‘four sectored’: certainly, there was not a single ‘centre’ around which all activities were organized as they are around a central business district." [LANGTON J, “Residential patterns in pre-industrial cities: some case studies from seventeenth-century Britain”. Transactions of the Institute of British Geographers No. 65 (Jul 1975), The Royal Geographical Society, pp. 1-27].
https://www.jstor.org/stable/621831

[6] "The inn was a place in which corn might be factored, bills exchanged and bonds entered into, forwards in commodities bought and sold and information on the state of trade passed on, and as such a focus it developed and flowered between 1500 and 1700"; [Patten J, English towns, 1500-1700. Folkestone [England]: Archon Books 1978 p. 202.
https://archive.org/details/englishtowns15000000patt/page/22/mode/2up

[7] "la puerta produjo, sin normas especiales de distribución en zonas, los barrios económicos de la ciudad; y como no había solamente una puerta, la naturaleza misma del tráfico procedente de diferentes regiones tendió a descentralizar y diferenciar las zonas comerciales. Como consecuencia de esta disposición orgánica de las funciones, la zona interior de la ciudad no estaba recargada por tráfico alguno, pues solo circulaba el generado por sus propias necesidades." [destaque meu]. [MUMFORD L, op. cit. p. 512]

[8] MARX K, O Capital Livro III, Cap 20 Considerações Históricas sobre o Capital comercial.

[9] "La mayoría de los palacios renacentistas de Florencia fueron construidos en angostas calles romanas y medievales." [MUMFORD L, op.. cit. p. 585]

[10] “El significado original de «puerto» deriva de este portal [medieval]; y a los mercaderes que se establecían en este «puerto» se les solía llamar «porteros», hasta que transmitieron el nombre a sus sirvientes”. [MUMFORD L, op.. cit. p. 512]

[11] Ver WIKIPEDIA, "Eincentes de Paris", 22-02-2025

[13] “Braudel suggests that families rarely remained in trade for more than three generations before buying their way into the old ruling class”. [HARMAN C, “From feudalism to capitalism". International Socialism Winter 1989, pp. 35–87]

[14] MUMFORD L, op. cit., p. 577

[15] O nome que esses beneficiários dos privilégios urbanos vão usar de preferência, burgenses, apenas continuará designando uma parte da população das cidades, mas a palavra francesa que o traduz, borjois, batizará uma classe social, a burguesia, que triunfará no século XIX com o capitalismo e uma nova revolução urbana, a da cidade, nascida da revolução industrial. [LE GOFF J, op. cit., pp. 29-34.]

quarta-feira, 26 de março de 2025

O "novo marco legal do saneamento"*


G1 Globo 19-03-2025
https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2025/03/19/falta-de-saneamento-basico-causa-internacao-de-mais-de-300-mil-cidadaos-em-2024-diz-estudo.ghtml

"Um estudo divulgado nesta quarta-feira (19) comprovou o tamanho de um dos maiores desafios para o Brasil: a falta de saneamento básico causou a internação de mais de 300 mil cidadãos em 2024.
O caminho da água que abastece alguns moradores de Heliópolis é tortuoso. Começa em um gato e segue com emendas cruzando córregos, ziguezagueando por muros, subindo paredes. Já o que leva os dejetos para fora das casas é bem mais direto: do cano na parede do banheiro para dentro do córrego a cada descarga. Essa arquitetura do improviso ou da necessidade resolve um problema imediato dos moradores, mas vai espalhando pelo bairro um problema ainda maior: de saúde.

O levantamento do Instituto Trata Brasil mostra que diarreias, verminoses, doenças de pele e as causadas pela proliferação de mosquitos, como dengue e chikungunya, internaram 344 mil brasileiros só em 2024. A melhora do saneamento no Brasil se arrasta. Em 16 anos, no período de 2006 a 2022, o abastecimento de água tratada cresceu apenas 4,6 pontos percentuais. A coleta de esgoto avançou 1 ponto percentual por ano. O tratamento de esgoto nem isso: 14 pontos percentuais em 16 anos. E o Brasil chegou a 2025 com quase metade da população sem coleta ou tratamento de esgoto. (..)"

2025-03-26

* Ver neste blog:

"Agora Vai", 25-06-2020
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/06/agora-vai.html

"Tempo técnico", 14-07-2020
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/07/tempo-tecnico.html

"Privatizem-se as responsabilidades", 29-07-2020
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2020/07/privatizem-se-as-responsabilidades.html

domingo, 9 de março de 2025

Apontamentos: Marshall 1897 e as economias de aglomeração


MARSHALL Alfred, "Industrial organization, continued. The concentration of specialized industries in particular localities". Em Principles of Economics - An introductory volume.  Fourth Edition. MacMillan & Co., Limited. St Martin's Street, London. New York The MacMillan Company, 1908., pp 267-77.

https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.460749/mode/1up 

  
Última edição 03-04-2025

1
Alfred Marshall (1842-1924)
Para os economistas de nossa época, Alfred Marshall é o pioneiro do estudo das economias, ou efeitos, de aglomeração, “uma das mais importantes áreas da economia urbana” segundo o verbete da Wikipedia, “geralmente tratada do ponto de vista da firma, mas também explicativa de fenômenos sociais como a concentração populacional nas cidades e grandes centros urbanos”. [1]

O texto em questão se intitula “A concentração de certos ramos da indústria em localidades específicas” - o termo ‘economias de aglomeração’ ainda não fora inventado -, Capítulo X do Livro IV de sua obra magna “Principles of Economics - An introductory volume”, publicado em Londres no ano de 1897.

Marshall o introduz explicando, nos dois últimos parágrafos do capítulo anterior, que as economias resultantes do aumento da escala de produção industrial são de dois tipos: internas, que dependem da eficiência organizacional e gerencial da própria firma, e externas, que dependem do desenvolvimento geral da indústria e provêm, muitas vezes, “da concentração de pequenas empresas de caráter semelhante em localidades específicas ou, como se costuma dizer, da localização da indústria.”[2]

Do ponto de vista empresarial, economias de aglomeração são, essencialmente, ganhos privados resultantes das vantagens proporcionadas pela vizinhança de outras empresas, tipicamente os modernos distritos industriais e shopping-centers onde empresas se agrupam para dividir os custos dos serviços comuns - tal como ocorre com as famílias residentes em um condomínio de apartamentos.

No âmbito da produção, contudo, essas vantagens podem se manifestar de maneiras muito distintas, como resultado de "movimentos deliberados de grande escala", por certo, mas, de um ponto de vista histórico, como processos não planejados que, à base de “progressos quase imperceptíveis”, geram relações de complementaridade e interdependência espacial capazes de "fixar as empresas por muito tempo no mesmo lugar". [3]

Segundo Krugman, "a maior parte da literatura segue a cartilha marshalliana na questão da localização industrial". Remetendo a Hoover (1848) [3a], ele destaca três tipos de vantagens: a formação de um mercado para trabalhadores com qualificações industriais específicas; a produção de insumos especiais não comercializáveis; e a obtenção de funções de produção melhores do que as das firmas isoladas. [4] Nas palavras de Puga:

Nos últimos 30 anos, economistas urbanos puderam documentar e quantificar essas vantagens (..) relatos das causas das economias de aglomeração são tão antigas quanto a percepção de sua existência. As obras citadas de Smith e Marshall contêm discussões frequentemente citadas sobre as vantagens derivadas da maior especialização propiciada por mercados mais amplos, pelo compartilhamento de fornecedores, pela maior oferta de mão de obra e pela transmissão localizada de ideias. [4a]


2
De particular interesse para os urbanistas nesse capítulo é a notável descrição marshalliana - curiosamente nunca destacada pelos economistas, urbanos inclusive - do processo de substituição, nas grandes cidades inglesas de meados do século XIX, das fábricas até então localizadas 'centralmente', isto é, no recinto ou imediações da cidade pré-capitalista, por firmas de importação e exportação (trading houses), vistas como extensão da atividade fabril na esfera da circulação:
 
As vantagens combinadas da variedade de empregos e da localização em algumas de nossas cidades industriais é uma das principais causas de seu crescimento contínuo. Contudo, o valor das localizações centrais das grandes cidades para o comércio atacadista permite-lhes ofertar rendas fundiárias muito mais elevadas do que podem pagar as fábricas, mesmo levando-se em conta aquela combinação de vantagens. Competição similar se dá, entre empregados do setor atacadista e trabalhadores fabris, pelo espaço residencial. O resultado é que as fábricas agora se concentram não mais nas próprias cidades, mas em suas periferias e distritos industriais vizinhos. [5]

Esse processo coincidiu com uma mudança radical na composição da população urbana da Inglaterra de meados do século XIX, também descrita por Marshall na seção final do capítulo, dedicada ao exame da redução da força de trabalho agrícola.

Para Marshall, essa redução foi acompanhada, nas cidades, não tanto pelo correspondente aumento do emprego fabril, a essa altura já limitado pela intensa mecanização, quanto pela formação de um novo e significativo contingente de empregados públicos e privados, nacionais e locais - no ensino, saúde, administração, segurança, forças armadas - além de um exército de profissionais da medicina, advocacia, contabilidade, artes, engenharia em geral etc.

Dito de outra forma, uma nova classe média urbana surgiu, gerada pelo rápido aumento da riqueza do qual a exportação de capitais e o comércio com as colônias não são aspectos secundários, como se depreende, até pelo menos o ano de 1910, das áreas "Other domestic capital" e "Net foreign capital" no gráfico abaixo, extraído de Piketty. [6]
Pode-se inferir, portanto, do próprio Marshall, que a instalação central das trading houses por ele mencionada é parte de um processo muito mais amplo, que envolve a proliferação, ao seu redor, do comércio de varejo, trazendo consigo um novo contingente de trabalhadores urbanos, uma copiosa coleção de agências bancárias e uma ampla cadeia de serviços profissionais - contábeis, advocatícios, administrativos - demandados pelo atacado, pelo varejo e pelos próprios prestadores de serviços entre si; e coroando tudo isso, as bolsas de mercadorias e valores e as sedes das grandes instituições financeiras - que nas grandes cidades como Londres, Manchester e Liverpool vieram a formar hipercentros altamente especializados.

Em Hurd (1903), encontramos uma interessante descrição do caráter "derivado" da formação dos hipercentros financeiros :

Em muitas modalidades de negócios, a concentração espacial daqueles que os conduzem acaba por cristalizar-se em bolsas de mercadorias e valores, que se convertem em centro do setor [comercial] urbano. Dado que as bolsas são o resultado, não a causa, dos distritos especiais onde estão situadas, devemos olhar para trás em busca das causas da localização das diversas atividades urbanas. [7]


3
Não é outro o fenômeno histórico-geográfico que chamo de ‘revolução capitalista da centralidade urbana’, cuja matriz é a Inglaterra marshalliana, seguida de perto por outras regiões urbanas do mundo norte-atlântico (França, Países Baixos e Estados Unidos).

Aqui, a cidade capitalista se apresenta não como pano de fundo, ou cenário, deste ou daquele ‘efeito econômico de aglomeração’ associado à lucratividade de tal ou qual ramo da indústria, mas como uma nuvem, ou novelo, ela própria, de efeitos econômicos de aglomeração. 

Entrelaçados e superpostos no tempo e no espaço, esses efeitos se apresentam, ainda que desproporcionalmente no que tange às famílias e às empresas, como reciprocamente vantajosos para os agentes individuais envolvidos na teia de interações espaciais da compra-venda generalizada de mercadorias, serviços e força de trabalho que distingue radicalmente a cidade capitalista da cidade feudal.

O capitalismo não inventou a indústria, o comércio, a renda urbana e os efeitos econômicos de aglomeração, tampouco a centralidade em geral e a urbana em particular, mas os revolucionou em benefício de sua consolidação e expansão.


4
Focados na lucratividade da empresa, os economistas em geral, a começar do próprio Marshall, desconsideram o fato de que as economias externas às empresas não poderiam existir se não resultassem em vantagens recíprocas - ainda que assimétricas e inevitavelmente desproporcionais - para os agentes individuais envolvidos.

Como exemplo do caráter recíproco dos efeitos econômicos de aglomeração podemos citar, nos distritos industriais mencionados por Marshall, e por Hobson antes dele, a complementaridade entre os ramos fortemente dependentes da mão de obra masculina, como metalurgia e mineração, e o têxtil, típico empregador de mulheres e crianças, cuja ausência resultaria em “maiores custos de mão de obra para indústria pesada e menores rendimentos para as famílias trabalhadoras”. [8] [8a]

De modo análogo, a primeira das três razões identificadas por Marshall para a concentração espacial de certo tipo de empresas é, segundo Krugman, “a criação de um mercado para trabalhadores com as qualificações necessárias, reduzindo as chances de desemprego [para os trabalhadores] e de escassez de mão de obra [para as empresas]. [9]

Ainda segundo Marshall, “regiões dependentes de uma única indústria ficam mais sujeitas a crises resultantes das flutuações da demanda e do fornecimento de matérias primas”, ao passo que, nos grandes distritos industriais, “as indústrias em dificuldades momentâneas se beneficiam indiretamente da presença das outras enquanto seus empregados continuam se abastecendo no comércio local”. [10]

É significativo que Marshall, ao descrever a ‘substituição competitiva’ das indústrias centralmente localizadas pelas trading houses, não se refira às vantagens da concentração do comércio atacadista nesta parte da cidade, obviamente relacionada aos serviços aduaneiros e portuários, além dos financeiros. E também que não relacione o fato desse comércio trazer consigo uma nova camada de trabalhadores urbanos mais bem remunerados que os fabris às vantagens espaciais recíprocas da oferta de emprego para os trabalhadores e da abundância de mão de obra para as firmas.


5
Significativa, também, da contradição entre o caráter recíproco das vantagens de aglomeração e sua persistente abordagem do ponto de vista exclusivo da empresa industrial, é a ambiguidade que se observa no brevíssimo resumo marshalliano do que já dissera Hobson sobre o comércio varejista:

Até aqui discutimos a localização do ponto de vista da economia da produção. Mas há que considerar também a conveniência do consumidor. Para uma compra rotineira ele irá à loja mais próxima; mas para uma compra importante, ele optará por se dirigir a qualquer lugar da cidade onde existam lojas especializadas. Ou seja, as lojas que vendem artigos caros e opcionais tendem a se aglomerar; as que suprem as necessidades do dia-a-dia, não. [11]

À parte o fato de que as lojas que vendem bens de consumo diário também tendem a se aglomerar - em esquinas estratégicas e vias coletoras dos bairros residenciais - observe-se que Marshall, depois de assumir ter discutido até aqui a localização [da indústria] do ponto de vista da economia da produção, trata da localização do comércio varejista não do ponto de vista da 'economia do varejo', mas… da “conveniência do consumidor”.

No fim das contas, todo o parágrafo é marcado pela sugestão - não explicitada nem desenvolvida - de uma relação inextricável, como dois lados de uma única moeda, entre a localização do comércio varejista e de seus consumidores.

Muito mais sugestiva, eu diria, dos efeitos econômicos envolvidos na relação espacial reciprocamente vantajosa entre a aglomeração do varejo e o parque residencial ao seu redor, portanto de sua relevância na estruturação da centralidade capitalista, é a explicação aportada pelo economista-avaliador estadunidense Richard Hurd em 1903:

Lojistas não se aglomeram para fazer negócios entre si, mas para a conveniência dos fregueses. O principal fator de atração do núcleo varejista parece ser assegurar aos fregueses que não deixarão de encontrar o que precisam. A variedade de produtos à disposição nesse núcleo é normalmente maior do que em todo o resto da cidade, poupando aos consumidores o tempo, o trabalho e a incerteza de buscar em lojas dispersas pela cidade. E ainda que uma loja atraia o freguês e outra realize a venda, no final o intercâmbio de fregueses se compensará. [12]

Essa visão parece adequadamente resumida na abordagem do também economista Hoover, em 1948:

“as cidades (..) devem grande parte de seu crescimento às vantagens do estreito contato entre diferentes tipos de produtores e consumidores.” [13]


6
A vantagem de localização para o varejista consiste, antes de mais nada, em estar no ponto mais acessível da rede urbana, ou de uma parte dela, isto é, de menor distância-custo total de deslocamento relativamente às famílias. A probabilidade de vendas nesse ponto é maior do que em qualquer outro lugar. A vantagem de localização do varejista individual já aparece, aqui, como uma vantagem econômica de aglomeração procedente da concentração espacial não dos próprios varejistas, mas de seus recíprocos na interação espacial - as famílias ao seu redor.

Essa modalidade primária dos efeitos econômicos de aglomeração aparece descrita, como que em estágios sucessivos de desenvolvimento, nas citações seguintes, a primeira de fonte literária, a segunda de origem técnico-científica:

“Depois chegaram os americanos (..). As fazendas proliferaram, primeiro pelos vales e depois subindo pelos contrafortes, pequenas casas de madeira com telhados de sequóia, currais de estacas partidas. (..) Caminhos para as carroças substituíram as picadas, plantações de milho, cevada e trigo expulsaram a mostarda amarela. A cada 15 quilômetros, ao longo das rotas mais percorridas, surgiram um armazém e uma oficina de ferreiro, que se tornaram núcleos de pequenas cidades - Bradley, King City, Greenfield.” [13a]

“O princípio da aglomeração nasce nas aldeias rurais e povoados que vivem dos camponeses ou agricultores da região. Por isso, aos domingos, dia de descanso, o comércio e praças de mercado desses povoados se abrem para que os habitantes rurais venham comprar alimentos, insumos agrícolas e buscar serviços de saúde ou mecânica automotriz. À medida que se amplia o mercado da região, a população oferecerá mais serviços comerciais e produtos importados da grande cidade. (..) Assim se desenvolve uma cidade a partir de um pequeno povoado dotado de certa dinâmica econômica.” [13b]

E dado que a vantagem de localização para um ou dois varejistas seminais vale para outros tantos, dá-se a concentração de varejistas nesse ponto da rede urbana, que lhes proporciona dois outros tipos de vantagem econômica de aglomeração: (1) o incremento das vendas por assegurar às famílias que suas viagens não serão perdidas; e (2) o aumento da oferta de força de trabalho com o mínimo custo de deslocamento e o correspondente impacto sobre o nível dos salários.

A aglomeração do comércio de varejo e serviços pessoais cria, por sua vez, um mercado para prestadores de serviços empresariais que lhes acrescenta um novo tipo de vantagem econômica de aglomeração na forma da economia de custos de contabilidade, advocacia, operações bancárias, manutenção predial etc.


A tais vantagens econômicas de sua própria concentração espacial no que agora é um centro urbano, a aglomeração de varejistas em conjuntos comerciais exclusivos ou compartilhados com escritórios pode acrescentar o rateio de custos de infraestrutura e serviços, próprio dos arranjos condominiais.

Associadas, todas essas vantagens econômicas de aglomeração não-industrial resultam na intensa verticalização dos grandes centros urbanos capitalistas desde fins do século XIX.


7
Dentre todos os efeitos econômicos de aglomeração, ouso dizer que o mais generalizado e duradouro, e por isso mais importante, é justamente aquele que nunca mereceu tal distinção: a tendência expansiva radioconcêntrica (desigual) da cidade capitalista.

Esse efeito, cuja generalidade e duração me sugerem classificá-lo como a lei fundamental da organização urbana capitalista, deriva do fato elementar de que   

o lugar da rede urbana [em formação - ou transformação, no caso da cidade herdada do passado feudal/colonial -] que mais convém ao [comércio atacadista], ao comércio / serviços de varejo e à indústria leve é aquele que minimiza o custo agregado, direto e indireto, de deslocamento da população residente para encontrar meios de vida (mercadorias, serviços e empregos) e, por isso mesmo, barateia relativamente os salários ao mesmo tempo que promove o seu poder de compra, em quantidade e velocidade, consequentemente as vendas e os lucros. [14]

A estabilidade temporal desse efeito de aglomeração estruturador do moderno espaço urbano tem, a meu juízo, relação direta com os benefícios que ele proporciona à formação capitalista como um todo, por mim descritos em um texto anterior da seguinte maneira:

Dado que a produção de riqueza na formação social capitalista supõe, e é tanto maior quanto maior for o consumo de mercadorias, materiais e imateriais, segue-se que a aglomeração radial-periférica dos residentes urbanos ao redor da aglomeração central dos varejistas e prestadores de serviços ou, mais simplesmente, a configuração tendencialmente radioconcêntrica das cidades em expansão, é, em si mesma, um dispositivo espacial facilitador e acelerador do processo de acumulação do capital em geral, uma máquina de economia social a seu serviço, sobre a qual irá se desdobrar, diversificar e expandir - a ponto de, a partir de certo tamanho, produzir o seu contrário: vultosas deseconomias sociais - a organização espacial intrinsecamente desigual da grande metrópole contemporânea. [15]

Não fosse assim, como se explicaria a sobrevivência secular desse arranjo espacial numa formação econômica em que "tudo o que é sólido desmancha no ar"? [15a]


É no marco desse efeito de aglomeração de caráter generalizado, consideravelmente estável do ponto de vista histórico, que se desenvolve o autêntico caleidoscópio de efeitos parciais não planejados estudados pelos economistas do século XX. [15b]

Marshall considera que a longevidade de cada um desses efeitos depende das transformações mais ou menos rápidas da tecnologia das comunicações, que traduzo como elevação da força produtiva do trabalho e consequente aumento da riqueza social e dos padrões de consumo pela via da redução das distâncias:

Tudo o que promove o barateamento da comunicação, ou que facilita o livre intercâmbio de ideias entre lugares distantes, modifica a ação das forças determinantes da localização das indústrias. [16]

E ele me parece ter aqui total razão, para bem e para mal. 
Para bem, como indicado acima, acelerando o ciclo da reprodução do capital, portanto a sua acumulação e o aumento generalizado da riqueza social nas etapas iniciais do desenvolvimento capitalista. Para mal, trazendo consigo as manifestações urbanas das forças contraditórias, quando não  autodestrutivas, do capitalismo dos séculos XX e XXI.

Nós, urbanistas, observamos hoje com inquietude que as novas tecnologias não modificam somente “as forças determinantes da localização das indústrias”, no sentido estrito, mas também, e principalmente, as forças determinantes da localização do comércio e dos serviços, portanto do dinamismo dos centros urbanos e, com eles, das próprias cidades tais como as concebemos.

A transformação das economias em deseconomias urbanas de aglomeração não é um fenômeno novo: há muitas décadas ela se manifesta, nas grande metrópoles, como aumento exponencial do preço da terra bem localizada e urbanizada, das distâncias e do tempo perdido em deslocamentos pela população trabalhadora, do custo total dos transportes urbanos e da coleta e destinação dos resíduos sólidos, da poluição do ar e das águas etc.

Contudo, embora ainda distantes de um juízo definitivo sobre o real impacto do trabalho remoto e do comércio digital sobre a vida das metrópoles, o chamado ‘efeito donut’ [17] se nos apresenta como um novo tipo de ameaça - o abandono pelas empresas, e consequente degradação, de um significativo número de edificações comerciais de grande porte, de altíssimo valor fiscal, inaproveitáveis para a habitação em geral e menos ainda para a habitação social; ameaça, numa palavra, de desertificação ou, no melhor dos casos, de precarização em larga escala dos centros das grandes metrópoles.

O esvaziamento dos grandes centros urbanos foi uma hipótese bastante difundida com a chegada, na última década do século XX, da economia digital - que cresceu desde então em ritmo exponencial. Contudo, o "efeito donut" só foi percebido 30 anos depois por força da epidemia de Covid-19, uma circunstância catastrófica externa à vida das cidades. O que me leva a concluir com três indagações. 

Estaríamos no limiar de uma crise generalizada da centralidade urbana capitalista? Seria a crise atual o efeito de vantagens econômicas de desaglomeração para empresas imersas na economia digital? Estarão os grandes centros urbanos irremediavelmente condenados à “síndrome de Detroit”?

2025-03-09
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[1] WIKIPEDIA, "Economies of Agglomeration" 08-02-2025.
https://en.wikipedia.org/wiki/Economies_of_agglomeration

[2] MARSHALL A, Principles of Economics - An introductory volume. Fourth Edition. MacMillan & Co., Limited. St Martin's Street, London. New York The MacMillan Company, 1908., pp 267-77.
https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.460749/mode/1up

[3] Idem. 

[3a] HOOVER E M (1948), The Location of Economic Activity. New York: McGraw-Hill, 1948. Chapter 8. The Economic Structure of Communities, p. 116-144
https://docs.google.com/document/d/1MYIFm6SNi-8PEQkdem1cgTB3wxyfT7NeiG4R1QY7ggc/edit?usp=sharing

[4] KRUGMAN P, "Increasing Returns and Economic Geography". The Journal of Political Economy, Vol. 99, No. 3. (Jun., 1991), pp. 483-499.
https://www.jstor.org/stable/2937739

[4a] PUGA D, “The magnitude and causes of agglomeration economies”. Journal of Regional Science Vol. 50, No. 1, 2010, pp. 203–219
https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/36847516/the_magnitude_and_causes_of_agglomeration_economies-libre.pdf

[5] MARSHALL A, op.cit.

[6] PIKETTY T, O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca 2014, p 118 

[7] HURD R M, Principles of City Land Values. New York: Record and Guide, 1903, p. 83
https://archive.org/details/principlesofcity00hurd

[8] MARSHALL A, op.cit.

[8a] O pequeno aumento dos rendimentos familiares em troca do significativo aumento da taxa de exploração do trabalho, neste caso, faz lembrar o atualíssimo barateamento da habitação centralmente localizada em troca da redução da metragem, que aumenta substancialmente o preço / aluguel da fração ideal correspondente a cada m2 privativo, portanto a rentabilidade do negócio.

[9] KRUGMAN P, op. cit.

[10] MARSHALL A, op.cit.

[11] MARSHALL A, op.cit.

[12] HURD R M, op.cit. Cap VI

[13] HOOVER E M, op. cit.

[13a] STEINBECK J (1952), A Leste do Éden - V. 1. São Paulo: Abril Cultural 1984, p.17

[13b] BORRERO OCHOA O, Economía Urbana y Plusvalia del Suelo. Bogotá: Bhandar Editores 2018, p. 65.

[14] “A renda da terra e a organização espacial urbana: notas”. À beira do urbanismo (blog) 14-08-2024, por Pedro Jorgensen (editado 09-03-2024)
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/08/

[15] “Distância, aglomeração, centralidade: uma hipótese (2)”. À beira do urbanismo (blog) 28-01-2024, por Pedro Jorgensen.
https://abeiradourbanismo.blogspot.com/2024/01/distancia-aglomeracao-centralidade-uma.html


[15a] Título do livro de Marshall Berman, de 2007, inspirado na frase “Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas.”, do Manifesto do Partido Comunista escrito por K Marx e F Engels em 1848.

[15b] Assim como todos aqueles nascidos de "movimentos deliberados de grande escala" antecipados por Marshall, como os modernos distritos industriais, os shopping centers e as 'novas centralidades' urbanas do terceiro quarto do século XX, tão bem exemplificadas por La Défense, em Paris, e Canary Wharf, em Londres.

[16] MARSHALL A, op.cit.

[17] “Donut effect”, ou “efeito rosquinha”, é o nome atribuído pelos economistas Arjun Ramani e Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford, à notável queda dos preços do solo nos grandes centros dos Estados Unidos, e correspondente aumento dos preços suburbanos ocasionados, primordialmente, pela maré do trabalho remoto durante a epidemia de Covid-19. Ver RAMANI A e BLOOM N, “The donut effect: How COVID-19 shapes real estate”. Institute for Economic Policy Research, January 2021.

domingo, 2 de março de 2025

Economia portuguesa com certeza


Eco Sapo 25-02-2025
ttps://eco.sapo.pt/2025/02/28/setor-imobiliario-de-gama-alta-tem-um-peso-substancial-na-economia-portuguesa
Esta é uma das conclusões do relatónio “Portugal Realty Premium Market”, um estudo pioneiro desenvolvido em parceria entre a Porta da Frente Christie’s e a NOVA School of Business & Economics.
Geograficamente, os distritos de Faro, Lisboa e Porto lideram a oferta deste segmento, ocupando 95% do mercado (com a Madeira a começar a ter alguma expressão), sendo Cascais e Estoril, Quarteira, Santo António e Avenidas Novas as localizações com maior número de imóveis disponíveis. Contudo, enquanto Faro recuperou os níveis de oferta de 2021, Lisboa e Porto ainda estão abaixo desses valores.

Em termos de nacionalidades, a Porta da Frente trabalha maioritariamente com o segmento internacional, destacando-se as nacionalidades americana e brasileira entre as que atualmente mais procuram Portugal para residir. (..)

O estudo evidencia que o setor imobiliário de gama alta tem um peso substancial na economia portuguesa. Em 2022, foi o ano de maior atividade económica do segmento, com a construção e a venda de imóveis contribuindo para um volume de produção de 8,1 [b]ilhões de euros [1,73% da produção nacional] e gerando mais de 106 mil empregos em termos de equivalentes a tempo completo. (..)


2025-03-02

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Atribulações do zoneamento inclusivo


Público / Espanha 20-02-2025, por Ferran Espada
https://www.publico.es/economia/vivienda/centro-barcelona-ricos-vivienda-publica-extrarradio-maniobra-promotores.html

La norma que fija en Barcelona la obligatoriedad de reservar el 30% de las nuevas promociones de viviendas –o en su caso de la remodelación integral de un inmueble– para protección oficial, es en estos momentos el gran caballo de batalla que se disputan promotores, movimiento por la vivienda, el Gobierno municipal socialista y los partidos políticos. (..) En esta discusión surgen argumentos de índole política, económica, jurídica o logística que utilizan defensores y detractores del 30%. Pero más allá de todos ellos, últimamente surge con fuerza un elemento escondido que nadie se atrevía a utilizar, al menos hasta ahora. Y no es otro que el clasismo.
Y es que si bien, al principio, los promotores ponían como excusa para cargar contra la norma del 30% justificaciones de índole económica, asegurando que con esta cláusula no les sale a cuenta construir, ahora parece que este argumento no pesaría tanto como el hecho de que la norma fuerza la convivencia en un mismo inmueble de "ricos y pobres". Es decir, la gente que accede a pisos de protección oficial en una finca con pisos de lujo, con unos precios de entre tres y seis veces más reducidos, según explica el responsable de una inmobiliaria. El diferente poder adquisitivo de unos y otros es evidente y aquí entraría la perspectiva clasista, en la que los promotores consideran "molesto" para los acomodados tener que compartir edificio con gente con menos recursos económicos. (..)

2025-02-26

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Paris: sobre o centro financeiro


CAIRN INFO 2012
https://shs.cairn.info/revue-vie-et-sciences-de-l-entreprise-2012-1-page-125

On repart écrasé d’une visite des immeubles construits ces dernières années ou encore en construction dans la City de Londres. Il faut au moins deux heures pour en faire le tour à pied ; le quartier financier, autrefois réduit à un « square mile », ne cesse d’élargir ses limites avec des extensions à sa périphérie immédiate.

Encore faudrait-il y adjoindre des quartiers tels que Canary Wharf, pari audacieux, qui a failli mal tourner avant de trouver désormais son équilibre. Et le West End, centré sur Mayfair, où ont établi leurs sièges sociaux les plus grands hedge funds européens, les fonds de private equity et les gestionnaires de fortune.

Par comparaison, que trouve-t-on à Paris?
Montagem:Àbeiradourbanismo
Dans le passé, le quartier financier incluait le Palais Brongniart, place de la Bourse, avec les agents de change établis à proximité (la COB, avant la création de l’AMF, s’était volontairement établie sur le Front de Seine, loin de tout établissement de nature financière). Les compagnies d’assurance étaient situées à proximité entre la Bourse et la gare Saint-Lazare; les trois vieilles, BNP, Crédit Lyonnais et Société Générale, boulevard Haussmann et boulevard des Italiens.

Les projets de Paris cité financière, visant à développer dans notre capitale un ensemble géographique de nature à rivaliser avec la City, ont fleuri dans les années 70, incluant une couverture de certaines parties de la gare Saint-Lazare. Aucun d’entre eux n’a vu le jour. Et aujourd’hui, aucun quartier de notre capitale ne centralise les activités financières.

Le centre de Paris, sur ce plan-là, s’est dépeuplé, à la notable exception de BNP Paribas, au profit du 8ème arrondissement pour partie et, pour les sièges importants, hors Axa notamment, au profit de La Défense (le Crédit Agricole continuant à faire cavalier seul à Montparnasse, la BPCE également de son côté). (..)"

2025-02-23

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Escudero 2008: metropolização da Cidade do México 1880-1930


ESCUDERO Alejandrina 2008, “La ciudad postrevolucionaria en tres planos”. Cd. De México: IIE-UNAM.
https://www.scielo.org.mx/pdf/aiie/v30n93/v30n93a4.pdf

(..)
Hacia una gran metrópoli 

Otro factor importante fue la expansión de la mancha urbana ocurrida entre las dos últimas décadas del siglo xix y las tres primeras del xx, al asentarse “colonias” y fraccionamientos que empezaron a ligar la ciudad con los pueblos, ya entonces convertidos en delegaciones (como San Ángel y Tlalpan), o al flanquear calzadas (como Reforma y Tlalpan), debido a lo cual desaparecieron ranchos, haciendas, ejidos, ríos y canales. A algunas de esas colonias se las dotó de infraestructura de primer nivel, pero la mayoría de ellas se fraccionaron sin servicios básicos.

La traza virreinal se transformó con la demolición o cambio de uso de bienes eclesiásticos, lo que trajo la apertura de calles que afinaron su forma de damero. En la periferia, el trazo de algunos fraccionamientos adoptó una forma cerrada (elíptica) de acuerdo con su topografía (Las Lomas de Chapultepec) o con su diseño original (Hipódromo Condesa) con influencias extranjeras.

Independientemente de la desigual dotación de infraestructura urbana y el crecimiento azaroso, se empezó a enfrentar y solucionar los problemas de una forma integral, es decir, considerando la ciudad de México y el Distrito Federal en relación con la cuenca de México. Entonces surgieron las primeras estrategias y estudios de planificación total. Se crearon organismos especializados y se promulgaron algunas leyes, como la ya mencionada Ley Orgánica del Distrito y la Ley de Planificación y Zonificación del Distrito Federal y Territorios de la Baja California. Asimismo, se creó la Comisión de Planificación del Distrito Federal y se mantuvo un programa de obras públicas iniciado en la primera década del siglo xx y continuado hacia 1934.

Ciertamente, entre las dos últimas décadas del siglo xix y las tres primeras del xx —periodo de poco más de medio siglo—, se empieza a definir el perfil moderno de la ciudad, que al inicio de 1930 cuenta ya con una identidad urbana y arquitectónica, a pesar de que esto no resulta así según Manuel Toussaint, quien afirma lo siguiente: “Un estudio especial debe hacerse del periodo comprendido entre .... y nuestros días, pues desde entonces viene a ser México casi una nueva ciudad que pierde personalidad para afrancesarse y ayancarse [sic], sin plan definido; al despojarse de muchas de sus características”. Si bien en ese lapso la capital había perdido algunos rasgos coloniales y lacustres, además de crecer de manera desordenada, había cierta estabilidad en su desarrollo, pues sus singulares asentamientos (colonias y fraccionamientos) y su amplia red circulatoria le confirieron una identidad urbana reconocida a lo largo del siglo xx. (..)"

2025-02-16

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Hoover 1948: Padrões de localização urbana


HOOVER E M (1948), The Location of Economic Activity. New York: McGraw-Hill, 1948. Chapter 8. The Economic Structure of Communities, p. 116-144

https://docs.google.com/document/d/1MYIFm6SNi-8PEQkdem1cgTB3wxyfT7NeiG4R1QY7ggc/edit?usp=sharing


8.7 - Location Patterns within Urban and Metropolitan Communities (pp.128-31)


Characteristic patterns of urban structure arise from the different requirements of the various land uses with respect to the transfer and processing advantages of sites. Cities develop, as already explained, at nodal points on the transfer network and owe a large part of their growth to the advantages of close contact between different kinds of producers and consumers. They have their own characteristic internal geography, shaped very largely by factors of contact and therefore subject to change in keeping with the evolution of the means of transport and communication. Because of the competition for space among highly intensive rival forms of land use, the selective locational role of rents is prominent.


Certain economic activities within cities involve the handling of large quantities of goods either coming in from elsewhere or being shipped out. For these activities, which include the heavier types of manufacturing, warehousing, and wholesaling and the maintenance and servicing of transfer terminal operations, the only possible locations are those in the transshipment zone. This zone includes the dockside area (in port cities) and sites along railroad lines in the terminal and switching district. In the relatively small area thus served directly by heavy freight transport services, all the heavier manufacturing, storage, and distribution facilities are concentrated. In large cities this “industrial zone” is neither compact nor particularly central but stretches out along water fronts, radial rail lines, and belt railroads. In rolling country especially, it is likely to be restricted to stream valleys.


In the more central parts of the city, where general transfer advantages attract other intensive uses and rents are high, the industrial belts along transport lines are generally quite narrow and are occupied by the smaller and the older plants. Farther out the land is in less general demand, rents are lower, and the belts are wider. In these outlying locations are found the larger and newer factories, warehouses, and wholesalers.


Manufacturers, wholesalers, and warehousers of the less bulky goods need not be located on railroads or water fronts at all, since they can be served by truck. They have a much greater choice of locations than the heavier industries. Except as barred by zoning ordinances, they are free to locate anywhere in response to the attractions of labor supply, cheap land, and nearness to local suppliers or customers. As a rule, they are found interspersed with commercial and inferior residence uses.


Passenger terminals exert some effect on the location of hotels, theaters, and dealers catering to transient out-of-town buyers, e.g., the garment-industry showrooms of New York. This attraction appears, however, not to be decisive. In many cities, such as Washington, the main passenger terminal has attracted only a minor cluster of hotels.


Businesses requiring frequent direct contacts with the local population are those most forcibly drawn to the main focus of intracity transit. This includes banks, offices, newspapers, and outlets for shopping goods at retail or wholesale. The important thing for these uses is to be accessible to the largest possible number of people during the daytime. They occupy the area referred to as “downtown” in the medium-sized city; in very large cities this area may split into a subdistrict specializing in finance (the Lower Broadway region in New York, LaSalle Street in Chicago, State Street in Boston) and another intensively developed district, with equally good transit facilities, devoted primarily to commerce, large hotels and theaters, and offices, e.g., the midtown district of Manhattan.


In the less specialized branches of trade and service, centripetal attraction is weaker and the individual store or motion-picture house, say, can get along outside the main shopping center on the basis of easier access for the buyers of one part of the city. We find, then, outside the areas of peak intensity a broad zone in which trade, services, light industry, and residence are intermingled. In the inner parts of this zone, residence merely fills in the back streets, while the main street frontages are solidly commercial. Farther out, this belt assumes a more and more residential aspect, with shops mainly confined to occasional neighborhood subcenters. Where good transportation and relatively attractive surroundings occur together, e.g., where an important transit artery approaches a park area, intensive residential occupance in the form of large apartment buildings is usually found, some riverside areas, the environs of Central Park in Manhattan, and near Rock Creek Park in Washington.


It is evident from above that the main components of city structure are:


а. Activities that must be located on rail or water terminal facilities and are therefore strung along the network of such facilities, with the larger establishments generally farther out.


b. Highly centripetal “downtown’’ establishments, which cluster near each other and in the area affording best access to the city as a whole.


c. Light industry, unspecialized commerce, and residence, which occupy those parts of the urban and suburban area not preempted by a and b.


d. Convenience-goods establishments (small nonspecialized stores, barber shops, motion-picture theaters, pool halls, eating and drinking places, newsstands, pressing and cleaning shops, and the like), which are distributed at important intersections and along principal streets in all parts of the city approximately in proportion to sidewalk traffic between home and work. They sell in too small quantities to entice the customer far off his beaten path.


The above discussion has run entirely in terms of transfer-cost factors. The distribution of various classes of residence use, however, involves an additional factor: the amenities of a neighborhood. In addition to wanting to live near their work, people like to live in quiet, spacious, clean, temperate surroundings. To this extent they are repelled from neighborhoods with dense traffic, noisy or dirty industry, or dense occupance of any sort. Likewise the local topography in certain directions from the center of the city usually provides much more pleasant residential sites than in other directions— areas of high ground, say, with breezes, preferably to windward of the industrial area, and perhaps with a view and near-by park space. Some of these same topographical features discourage the development of railroads, industrial zones, and cheap intensive housing. Consequently, the pattern of urban uses ordinarily is differentiated by sectors at least as much as by concentric zones, i.e., varying according to direction as well as according to distance from the center. The irregularities introduced by the transit pattern and topography of the particular city and by accidents of historical development and promotion make the actual pattern of urban land uses highly complex. [13] 


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NOTA


[13] A good recent collection of ideas and factual materials on this subject is Building the Future City, Annals of the American Academy of Political and Social Science, vol. 242, November, 1945, especially the article by C. D. Harris and E. L. Ullman, The Nature of Cities, pp. 7-17. A good insight into the factors relevant to urban site selection for retail stores is given by H. G. Canoyer, “Selecting a Store Location,” Bureau of Foreign and Domestic Commerce, Economic Series No. 56, Washington, 1946. For similar materials relating to specific kinds of enterprises, see other reports in the Industrial (Small Business) Series of the Bureau of Foreign and Domestic Commerce.



2025-02-09